Quase dezesseis anos depois de seu lançamento (em março de 2003), o carro flex ainda confunde o motorista. E a internet ainda reforça a confusão com dezenas de dicas sem pé nem cabeça. Uma delas preconiza que, se o motorista sempre abastece com o mesmo combustível, é necessário passar eventualmente (cada quatro tanques…) para o outro.
Essa e muitas outras não têm o menor fundamento técnico. Já ouvi relato de motorista que foi pegar carro zero-km na concessionária e o vendedor, solícito, explicou que os primeiros quatro abastecimentos deveriam ser exclusivamente com álcool e só depois optar pela gasolina.
Tem outra: se abastecer durante muito tempo com álcool, no dia em que passar para gasolina o carro não “aceita” pois se “acostumou” com o outro. E vice-versa, da gasolina para o álcool. Tem mais besteirol: antes de mudar de combustível, deve-se rodar até esvaziar o tanque.
Tudo conversa para boi dormir, pois o carro flex foi projetado para ser abastecido com qualquer dos dois combustíveis, gasolina ou álcool. Puros (100% de um ou do outro) ou com qualquer percentual deles (50% de cada, por exemplo).
Em relação a poder ou não usar sempre o mesmo combustível:
1 – Sim, pode-se usar álcool ou gasolina desde o primeiro abastecimento;
2 – Pode-se alternar ou não álcool e gasolina (carros só a álcool nem tinham essa possibilidade);
3 – Pode-se misturar os dois combustíveis em qualquer percentual;
4 – Pode mudar de um para outro e mantê-lo quanto tempo quiser.
Vale uma observação: se o motor não aceitar qualquer destas alternativas é sinal de problema num sensor colocado no escapamento exatamente para que ele seja flex e funcione com qualquer dos dois combustíveis. É chamado de “sonda lambda” e avalia o teor de oxigênio dos gases provenientes da combustão. É capaz, assim, de informar à central eletrônica qual combustível está vindo do tanque: gasolina, álcool ou mistura deles.
Como explicar então que o vendedor de uma concessionária recomende os primeiros abastecimentos sempre com álcool? Descobri o motivo: a fábrica sempre faz o primeiro abastecimento do tanque, na linha de montagem, com álcool, pois só produz carros flex. Então não faz sentido estocar os dois combustíveis. Como o álcool é mais barato…
Uma das “dicas” mais recentes circulando na internet a respeito do carro flex é a recomendação de não se estacionar o carro à noite imediatamente após abastecer com álcool se o tanque tinha gasolina. A explicação é que o motor poderia ter dificuldade para pegar na manhã seguinte.
Pode até acontecer, mas é fato raríssimo, quase tão difícil quanto ganhar na loteria, pois só mesmo numa difícil e improvável conjunção de fatores. Primeiro, a temperatura ambiente deve estar muito baixa, inferior a 15 ºC. Segundo, o carro ainda deve ter o sistema do tanquinho auxiliar de gasolina que é acionado pela central eletrônica quando ela percebe o tempo frio e o álcool no tanque. E mais, a dificuldade para o motor “pegar” de manhã é somente se o carro tiver rodado tão pouco entre o posto e a garagem que o álcool ainda não tenha chegado ao sistema de injeção e a sonda lambda ainda não tenha detectado, pelos gases queimados, a mudança de combustível no tanque.
Vale também lembrar que o problema, embora raro, só acontece quando se troca gasolina por álcool. Se for o inverso, não há dificuldade alguma em fazer o motor funcionar, pois o álcool é que dificilmente se vaporiza em baixas temperaturas.
Entretanto, esse problema vem sendo resolvido com a estratégia de, se o motor demorar a pegar, a central eletrônica interpretar troca de combustível e deixar o motor se acionado sem injeção alguma de combustível durante alguns segundos para que as câmaras de combustão se aqueçam pela compressão do ar e facilite a vaporização do álcool. Começam também a ser adotados sensores de combustível na própria linha que informam à central o que está chegando ao motor, e faz a correção da relação ar-combustível.
Outra regrinha que não funciona mais é do custo de álcool em relação à gasolina para que seja interessante (financeiramente) sua utilização. Nos primeiros carros flex o índice era de 70%, pois essa era a diferença de consumo entre os dois combustíveis quando a gasolina continha 22% de álcool. Com os 27,5% atuais a gasolina perdeu poder calorífico em relação ao álcool e, também,, os motores estão com taxa de compressão bem mais alta e assim aproveitam melhor a energia do álcool. Com isso a diferença de consumo reduziu-se para 75% em muitos casos.
Por exemplo, se antes um consumo típico era 12 km/l com gasolina e 8,4 km/l com álcool, hoje pode ser de 12/ 9 km/l. Mais correto, todavia, é o motorista verificar o consumo de seu carro com cada combustível para determinar o índice real.
BF
Foto: wrautopecas.com.br
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor
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