Desde o seu lançamento, no Salão de Tóquio de 2011, o Toyota GT86 só tem recebido elogios da imprensa internacional pelo prazer visceral que proporciona ao autoentusiasta. E enquanto aqui escrevo, ele está na garagem de casa: já faz seis dias que ele está com o Ae. Rodei por São Paulo no casa-trabalho-casa e viajei com o GT86 — sozinho, pegando estrada livre tarde da noite, o que me permitiu andar rápido em alguns trechos, e depois saí da cidade com outros editores do Ae para fotografá-lo. Daí que agora já o conheço bem. E já o conheço o bastante para saber que quanto mais o conhecer, mais dele gostarei. Faltou pegá-lo num autódromo; uma pena que não deu, pois tenho certeza que ele mostraria ainda mais qualidades.
Faz o 0 a 100 km/h em 7,6 segundos e atinge máxima de 225 km/h. Seu motor de 4 cilindros boxer, 2-litros, aspirado, rende 200 cv a 7.000 rpm e 20,9 m•kgf entre 6.400 e 6.600 rpm. Números nada excepcionais, porém a excepcionalidade deste carro é ser uma prova incontestável de que números pouco significam quando estamos falando do prazer ao volante. O Bob, o primo Paulo e o MAO também o guiaram, e ficaram igualmente entusiasmados com ele. Você, leitor, certamente ficaria, e desejo que um dia fique, pois é provável que ele seja importado, seja pela Toyota ou pela Caoa (importadora oficial Subaru), já que a Subaru tem a versão gêmea do GT86, o BRZ. No Brasil há um GT86, este aqui, da própria Toyota, e um BRZ, que está na Caoa, na Av. Ibirapuera, SP. Espero que as duas o tragam, mesmo porque, apesar de gêmeos, eles têm uma pequena diferença, que citarei adiante.
O preço não deve ser assustador, já que nos Estados Unidos ele é vendido na mesma faixa do Honda Civic Si, algo em torno de US$ 26.000, o que faz supor que chegaria aqui por R$ 120.000~R$ 130.000. E se for ver, não há por que o GT86 custar mais. Materialmente ele não tem nada a mais. O conteúdo material e tecnológico é mais ou menos o mesmo de outros carros e o que muda é só o modo de organizá-lo para resultar num carro esporte.
E, na real, o que acontece é que este leve cupê proporciona emoções ao volante que só são atingidos quando se pega esportivos que custam duas, três, e mesmo quatro vezes mais. E é aí que está a genialidade da coisa. É aí, e noutros detalhes, que ele encanta. Contarei um pouco de sua história, de como nasceu, porque me parece interessante para o leitor. É uma história bonita. Todo bom esportivo tem uma história bonita, já que ele sempre é fruto de uma paixão.
Costumo sair devagar quando pela primeira vez dirijo um carro. Assim se faz com os cavalos e assim se faz com carros. Primeiro devemos senti-los, ver como caminham, como pisam o chão, como viram, para depois, gradualmente, irmos aumentando o ritmo. E logo ao sair me pareceu que haviam feito o carro exatamente para mim, como se antes houvessem me consultado em pormenores. Peso da direção, relação dela, engates das marchas, posicionamento dos pedais, ergonomia e outros aspectos.
Logo vi também que este projeto tinha um chefe absoluto, um sujeito que sabia fazer carros, que escutou a muitos, mas que fez o carro exatamente como queria, sem concessões. E eis aí a origem desse carro: anos atrás o engenheiro-chefe da Toyota, Tetsuya Tada, saiu em viagem mundo afora consultando os autoentusiastas para saber exatamente o que eles queriam. Não foi em busca de marqueteiros, não foi em busca dos que gostam de carro pelo que ele pode dar de status ou outras bobagens similares. Ele consultou gente do ramo mesmo, de raiz verdadeira, aficionado, que gosta do carro pela máquina, ou seja, consultou gente como você e eu.
E a resposta que veio foi que não queriam nenhum superesportivo, nada extremamente potente, nada de complicações exageradas, como tração nas quatro rodas, suspensão que em milisegundos se adapta eletronicamente ao piso, câmbio automático de setecentas marchas etc. Queriam um esportivo que não fosse caro, que tivesse preço acessível. Queriam um cupê de dois mais dois lugares, baixo e leve, motor dianteiro, tração traseira, câmbio manual, simples, sem firulas, que andasse forte, de reações rápidas e fosse muito bom de chão, e que nas curvas tivesse o comportamento que encanta quem pilota: entrada rápida e decidida, frente rápida, bem plantada, neutralidade durante a curva e leve saída de traseira quando se dá motor nas saídas delas. Abro aqui um parêntese dizendo que essa é exatamente a base do comportamento do Alfa Romeo Giulia GT, que encanta há mais de 50 anos quem já teve a oportunidade de tocá-lo rápido.
Os autoentusiastas queriam um esportivo puro, que não tivesse luxo excessivo e que permitisse mexer nele, ou seja, preparar o motor, mudar rodas, pneus, amortecedores e molas, ou seja, simplesmente queriam o que lhes havia sido tirado, já que atualmente os esportivos, com raríssimas exceções, estão intocáveis. E que dependesse do piloto e não do computador. Segundo Tada, os esportivos de hoje estão tão “domesticados” pelos computadores que qualquer um os dirige, e o que o entusiasta quer é ter um carro mais selvagem, que requeira um sujeito que saiba dirigir. Ah! E que tivesse linhas fluidas e belas, simples e de bom gosto, e nada muito chamativo. O autoentusiasta-leitor já deve estar achando que o Sr. Tada leu os seus pensamentos, não é?
É interessante notar essa compreensível postura do comando da Toyota, de achar normal que o cliente modifique o próprio carro, que ele brinque como quiser com o seu brinquedo. Inclusive, se nota isso na posição do freio de estacionamento, que é propícia a quem faz drifting. Já um engenheiro alemão, por exemplo, cospe fogo se alterarem “seus carros”. Se for para mexer, só eles, engenheiros, estariam habilitados a tal e em suas preparadoras oficiais, e a um custo fenomenal, por sinal. Já para o Sr. Tada, o carro é para o prazer do cliente e não do engenheiro.
Isso o remeteu ao adorado Toyota Corolla AE86 (daí o 86 do GT86) dos anos 1980. Foi um carro que, segundo o Sr. Tada, ganhou fama não pelo que a Toyota fez ao produzi-lo, mas pelo que os clientes fizeram dele. O MAO nos conta sobre ele ao final da matéria. Vale ler para entender melhor a coisa toda.
E essa demanda dos autoentusiastas foi levada ao comando da Toyota. Na época, 2007, o atual presidente, Akio Toyoda, fazia parte da diretoria e defendeu o projeto. Logo após Toyoda assumir a presidência, segundo Tada, a única coisa que mudou foi que “o Sr. Toyoda passou a ser um de nossos pilotos de testes”. Isso me pareceu significativo, isso mostra empenho e paixão dos envolvidos, e o carro reflete tudo isso, a gente sente isso ao dirigi-lo, sente tem conteúdo verdadeiro.
A Toyota nunca esperou que esse esportivo lhe daria grandes lucros, porém, inteligentemente, achava necessário ter esse carro para compor a sua linha. A simpatia gerada, a identificação do cliente com a marca, conta, e conta muito, mas conta só para os dirigentes esclarecidos, de visão mais ampla e que pensam no longo prazo.
Bom, a idéia básica era ter um esportivo com o mais baixo centro de gravidade possível. Também queriam um capô longo e baixo. Para isso, o ideal seria um motor boxer, de cilindros horizontais e contrapostos — a configuração mais baixa possível para um motor, tal qual o do Ferrari Berlinetta Boxer. Então, em vez de investirem nesse novo motor, buscaram uma especialista em motores boxer, a Subaru, que é sua associada, já que a Toyota detém considerável percentual da Fuji Heavy Industries, proprietária da Subaru. Montaram uma equipe em conjunto e tocaram o projeto adiante.
O GT86, teria assim um irmão gêmeo, o BRZ. Ao final do projeto, segundo Tada, a Subaru decidiu alterar o acerto de suspensão, mas só seu acerto, incluindo molas e amortecedores, dando ao BRZ características dinâmicas mais parecidas com os modelos 4×4 da marca, já que seus clientes estão habituados a eles, ou seja, são carros com maior tendência em sair de frente nas curvas. Outras pequenas diferenças estão na forração dos bancos e outros detalhes estéticos. Só isso. E antes que me esqueça, nos Estados Unidos o Toyota GT86 é vendido com o nome Scion FR-S.
O motor, denominado D45, é um projeto novo da Subaru, tudo novo. E é quadrado, tem diâmetro dos cilindros igual ao curso dos pistões, 86 mm, coincidentemente. A caixa de câmbio é da Aisin. O CG, centro de gravidade dele, está a 460 mm do chão; mais baixo que o do Porsche Cayman (480 mm), que já é bem baixo.
O volante — que, felizmente, não tem outro botão além do da buzina — tem ampla regulagem de altura e distância. Sua assistência é elétrica e variável, e mesmo devagar é firme. Mesmo tendo assistência elétrica, passa muito bem o chão às nossas mãos. São duas voltas de batente a batente, portanto, bem rápida. O banco tem regulagem de altura, de distância e do encosto, tudo manual, sem motorzinhos elétricos. O encosto tem abas laterais proeminentes que nos agarram firme nas curvas. A alavanca de câmbio é curta e vai alta sobre o alto console. A alavanca espeta direto na extensão da caixa de câmbio; não tem controle remoto por varão nem cabos, é direta.
O câmbio, modelo TL70, foi feito especialmente pela Aisin para o modelo, visando sobretudo proporcionar engates firmes, que se sentem na mão. Os engates, de tão bons que são, se tornam uma das boas degustações desse carro. Parece que a alavanca é chupada para a marcha seguinte. Parece câmbio de carro de corrida. Seis marchas, todas curtas e próximas uma da outra. E a ré é sincronizada.
A velocidade máxima de 225 km/h é atingida em 6ª, e a 120 km/h e em 6ª marcha o giro está a 3.300 rpm, um giro alto, porém, como o motor é de alta (potência máxima a 7.000 rpm e corte a 7.500 rpm), ele vira liso e tranqüilo a essa rotação. Nessa tocada tranqüila de 120 km/h ele faz ao redor de 12 km/l. Na cidade faz entre 9 e 11 km/l. Muito econômico. Muito de sua frugalidade aliada a alto rendimento provêm de ter duas injeções de combustível: uma direta no cilindro, que faz melhor mistura em baixa, e outra no duto, que só entra em alta. E não esquecer que são 100 cv/l, um rendimento ótimo para um motor aspirado.
A frente é longa e sentados vemos os dois ressaltos sobre os pára-lamas dianteiros. Gosto disso, eles delimitam bem o carro. O retrovisor interno é o eficiente, bom e velho espelho prismático, o da alavanquinha, perfeito. O painel é simples. Tem um conta-giros analógico em destaque, com shift-light que pisca a 7.000 rpm. No meio do conta-giros há um velocímetro digital, que na prática é o que mais usamos. À esquerda há um velocímetro analógico, que indica até 260 km/h. Há um mostrador analógico para a temperatura da água e outro para o nível de combustível — gasolina, que de preferência deve ser a Premium (a taxa de compressão é alta, 12,5:1), mas pode usar a comum, não lhe faz mal, e ele só perde um pouco de potência, o gerenciamento do motor cuida para não ocorrer detonação. E nada mais no painel. Luzes de advertência se acenderão se algo andar errado.
No console, logo atrás da alavanca de câmbio, há duas teclas. A da direita desliga o controle de estabilidade. A da esquerda, com um toque desliga o controle de tração, caso se precise sair de um atoleiro ou neve. Se houver patinação seguida das rodas — tipo, se você quiser brincar de fazer zerinho — ele é religado automaticamente. Mas se pressionarmos esse mesmo botão por mais de três segundos, aí sim, ele desliga por completo o controle de tração e também o de estabilidade; e aí a coisa estará totalmente por sua conta. Você poderá brincar à vontade. Não vi vantagem alguma em desligar esses controles quando na estrada, pois vias públicas não oferecem condições para esses abusos. E eles não interferem demais. Eu só os desligaria numa pista, num autódromo, onde, às vezes, a derrapagem controlada faz parte do nosso plano e não queremos ninguém metendo o bedelho.
Tem ar-condicionado automático de duas zonas e bancos com aquecimento. Há controlador de velocidade de cruzeiro numa pequena alavanca que vira junto com o volante; é prática. No mais, basta, que já temos amenidades de sobra. Ah! No banco traseiro não cabe ninguém. Não há espaço para as pernas. Só cabe alguém na base da emergência, com o banco dianteiro lá para frente espremendo o passageiro de encontro ao painel. Mas o seu encosto é rebatível e isso aumenta o espaço do porta-malas e assim há espaço de sobra para as bagagens de duas pessoas. O estepe é funcional, roda e pneus iguais aos em uso (215/45R17).
A distribuição de peso é 57% na dianteira e 43% na traseira. Suspensão McPherson na dianteira e multibraço na traseira, ambas com barra estabilizadora. Ele é algo duro de suspensão, porém, numa boa estrada ele segue até que macio e bem confortável, ótimo para boas e longas viagens, e na cidade de São Paulo, se rodarmos com calma, ela não incomoda. É um pouco mais duro que um Peugeot RCZ, por exemplo. Levei minha mãe para para tomarmos um café e ela comentou que achou o carro até que macio, mas disse isso, claro, porque eu estava de bom filho rodando devagarzinho.
É incrível o que ele se agarra ao chão. Colado, sempre colado. Sentados lá atrás, perto do eixo traseiro, sentimos com facilidade o comportamento da traseira, já que imediatamente vamos junto com ela. E tem boa aerodinâmica em alta. Quanto mais veloz, mais agarrado ao chão, denotando ausência total de sustentação ou mesmo havendo alguma força vertical descendente (downforce), e forças exercendo nos lugares certos, pois nos parece que ele agarra igualmente nas quatro. Ótimo carro para se andar rápido, simplesmente ótimo. Seu Cx 0,28 é dos melhores. Se for colocado o aerofólio opcional, seu Cx aumenta para 0,29. Francamente, não senti a menor necessidade dele.
A distância entre-eixos é de consideráveis 2.570 mm e isso, teoricamente, também ajuda na boa estabilidade em alta. Para comparação, agora, na 7ª geração, é que o Porsche 911 chegou a 2.450 mm; era 2.350 mm.
O motor parece de corrida. É de alta, mas tem boa pegada em baixa. O torque máximo de 20,9 m.kgf está entre 6.400 e 6.600 rpm, lá na alta, mas isso não significa que em baixa ele seja fraco. Não é. Ele tem comando de válvulas variável na admissão e no escapamento, e isso ajuda também na baixa, dá elasticidade. Não há degraus no comportamento do motor, a variação dos comandos é contínua, ao contrário do que se sente no Honda Civic Si, por exemplo, por além da fase variável o levantamento de válvula também é. Além do mais, o carro é leve, 1.230 kg (o capô do motor é em alumínio, bloco do motor em alumínio), e com esse câmbio de seis marchas próximas o motor pode ficar em alta e a coisa fica bem dinâmica, bem esperta, a marcha seguinte já entra em plena força, empurrando forte. Parece um carro de corrida, parece mesmo. Adorei. Gostei do ronco, também; é rascante quando em alta. Em baixa vai silencioso, com funcionamento liso, suave, emitindo um som grave, ronrona.
O pedal do acelerador é sensível e, mesmo em baixa, basta um leve toque que o giro levanta de imediato, o que ajuda bastante no punta-tacco. Freando, um leve toque com a lateral do pé já levanta o giro à rotação ideal para não haver tranco algum ao soltar o pedal de embreagem. O pedal do freio parece mais pesado que o da maioria dos carros, o que acho ótimo, pois assim dosamos com perfeição a frenagem. Pisando forte, claro, ele pára mesmo, e com pouco mergulho de frente, a anti-dive age. Na arrancada também, ele pouco ergue a frente, a anti-squat age, e ele sai feito uma bala. O diferencial é autobloqueante Torsen, uma das razões da ótima tração nas curvas.
Mas o melhor disso tudo é a possibilidade de se ter um esportivo muito rápido e que não deixa a desejar em nada, absolutamente nada, e por um preço acessível (em termos), já que emoções assim, repito, só de Porsche para cima, só mesmo, e a um preço três ou quatro vezes maior, trazendo requintes que muitas vezes dispensamos e muito menos nos dispomos a pagar por eles. Além do mais, há pessoas ricas que não têm esportivos justamente para evitar a ostentação, e no GT86 ela é menor.
Outra coisa é que tendo essa mecânica até que simples não há por que haver necessidade de uma assistência técnica mais sofisticada que a necessária para atender a um Corolla. Imagina-se, portanto, que o custo de sua manutenção seja similar.
Há algum tempo escrevi “Um bom esportivo não precisa ser caro”, e o GT86 é o melhor exemplo que eu poderia dar. Para os padrões dos EUA e Europa, o GT86 e o BRZ são baratos. O problema é que aqui no Brasil nem mais a banana está barata. Barato, aqui, só rim humano.
Tudo isso me fez lembrar da história — piada, claro — da caneta da Nasa. Dizem que para o projeto Apollo, década de 1960, a agência espacial americana investiu um monte de dinheiro desenvolvendo uma caneta que escrevesse na ausência da gravidade. Gastaram um tampão e um dinheirão numa caneta com molinhas e tinta especial, até que foram ver como os soviéticos tinham resolvido esse problemão. Eles usavam um simples lápis de grafite. Pois é, para resolver o problema do autoentusiasta de raiz, basta que lhe ofereçam um esportivo simples, não caro, e empolgante realmente de guiar.
Bom, espero já ter convencido o leitor autoentusiasta de que esse carro é fascinante. Resta torcer para que ao menos uma das duas, Toyota ou Caoa, ache por bem trazê-lo. Para a nossa vizinha Argentina já o trouxeram. Nós, autoentusiastas brasileiros, também merecemos.
AK
TUDO COMEÇOU COM UM COROLLA
Por Marco Antônio Oliveira (MAO)
Para quem acha ainda que o Toyota Corolla é um carro sem graça e história, e que tudo de bom do GT86 veio da Subaru, pode parecer uma surpresa. Mas a realidade é que este carro, apesar de ser um maravilhoso mash-up de legados das duas empresas, nasceu na realidade por causa de um Corolla dos anos 1980. Mais precisamente, da lenda que o cerca. Sim, um Corolla lendário, conhecido pelo seu código interno AE86, ou, como o chamam seus entusiastas japoneses, Hachi-Roku(86 em japonês).
Era parte da quinta geração do Corolla (E80, 1983-1987), a primeira geração do carro-chefe da marca japonesa com tração dianteira. Como acontece as vezes em mudanças radicais deste tipo, o carro na verdade era oferecido com tração dianteira (AE82) ou com tração traseira (AE85).
Mas é a versão esportiva, o AE86 é o que interessa para o entusiasta. Oferecido apenas nas carrocerias “cupê” (que podia ser hatchback ou notchback), era equipado com um excelente quatro-em-linha de 1,6 litro, DOHC de 16 válvulas e 130 cv. Na dianteira, a suspensão era McPherson, e na traseira, um eixo rígido bem localizado por quatro barras de ligação. Em ambos os eixos, barras estabilizadoras completavam o sistema simples mas extremamente eficiente. Era vendido com dois nomes no Japão, fruto de uma conhecida tradição de modelos diferentes para concessionárias diferentes, direcionados para clientes específicos: Toyota Corolla Levin e Toyota Sprinter Trueno. O Levin tinha faróis fixos, o Trueno, retráteis.
Provavelmente nem a Toyota imaginava o quanto este simples carro teria sucesso. O Japão é um país montanhoso, com muitas estradas relativamente desertas por estas montanhas. Como era barato e extremamente equilibrado, e com potência decente para seu peso baixo, virou a arma preferida dos pilotos de fim de semana. O carro, como tinha pneus de tamanho contido, muito equilíbrio, tração traseira e potência contida, pedia uma guiada mais forte, próxima da de pilotos de rali, derrapando muito, mas em asfalto, para andar junto dos carros esporte como os Supra e os RX7. Foi um dos protagonistas do nascimento de uma peculiar forma de esporte que hoje conhecemos como “drifting”.
Mas a projeção do pequeno carro logo cresceria exponencialmente. Nos anos 1990, aparecia o mangá e o desenho animado “Initial D”. Criado para capturar esta cultura de corridas ilegais em montanhas japonesas, o desenho contava a história de Takumi Fujiwara, um jovem que fora treinado pelo pai (um ex-piloto e dono de uma loja de Tofu) para entregar tofu fresco a um hotel nas montanhas, toda a madrugada, desde os 13 anos de idade. Jogado por acidente nas competições ilegais, se torna em pouco tempo o rei das montanhas. O seu carro, é claro, era o velho Sprinter Trueno branco de seu pai, com o qual entregava tofu.
O desenho mostra técnicas de pilotagem reais, carros reais, cenários bem interessantes, e uma original história de um jovem com uma imensa experiência ao volante aos 18 anos. Dirigir rápido, para Takumi, era tão natural quanto andar ou respirar. Logo se torna um culto, e a fama dos pequenos Toyota Hachi-roku se espalha e expande. Hoje, carros originais comandam preços inimagináveis no Japão. O que tinha o baixo preço como um dos principais atrativos, hoje é um amado objeto cultural.
E os americanos, que raramente entendem outros povos de verdade, resolvem então capitalizar nesta fantástica nuance cultural da ilha do sol nascente. O resultado, obviamente desastroso, é a franquia “Velozes e Furiosos”. O principal, a habilidade na direção em estradas realmente truncadas, é deixado de fora, substituído por um mar de luz neon, meninas seminuas dançando inexplicavelmente no meio de carros, e garrafas azuis de N2O. o óxido nitroso. Inacreditável.
Mas hoje, pelo menos o AE86 tem uma homenagem à sua altura, no fantástico Toyota GT86. Ele merece!
MAO
TÉCNICA + ARTE = GT86
Por Bob Sharp
Para muitos, a turma do sol nascente faz carros muito bons, duráveis, mas sem alma. Pois nada mais errado. Desde 1969, quando surgiu o Datsun (Nissan) 240 z, exemplos de carros com caráter eminentemente esportivo vieram em sucessão. Honda S2000, Mazda Miata, Honda NSX, Nissan 300/350/370 Z, Lexus LFA. Até Le Mans ganharam com o Mazda 787B rotativo, em 1991. E as motocicletas que invadiram e dominaram o mundo a partir da década de 1970? Por isso, quando vi GT86 no Salão de Genebra de 2012 foi paixão à primeira vista. Tanto pelo visual quant0, principalmente, as características.
Impressiona como é baixo, não o carro, de 1.420 mm de altura, mas o banco. Para entrar é quase se agachar. O ponto H, junção da coxa com os quadris, medida fundamental no desenho de automóveis por indicar a altura do banco em relação ao solo, num carro compacto é da ordem de 460 mm: estimo que no GT86 seja metade ou até um pouco menos que isso. A impressão que dá é de se estar rente ao solo. Uma vez sentado no banco bem envolvente, a sensação é de amplitude, a boa altura do teto contribuindo para isso.
A posição de dirigir é perfeita, tudo está onde deve estar. É um carro no qual não se entra , se veste. A visão à frente com os pára-lamas visíveis, é perfeita. Tudo parece ser uma extensão de você, principalmente os comandos. É de se imaginar o quanto foi trabalhado nesse ponto, que reputo dos mais importantes num automóvel, especialmente aqueles destinados a produzir alegria ao dirigi-lo. Só isso já apaixona quem é minimamente autoentusiasta. Mas tem o resto.
O conjunto motriz é de primeira grandeza. Pensar que é um carro de rua com motor aspirado de 100 cv/l que pode rodar normalmente em baixas rotações, é de causar admiração. Só que o boxer — com som de boxer! — vai ao corte a 7.500 rpm com uma voracidade notável. Dá vontade de vê-lo e ouvi-lo gritar o tempo todo, dá prazer. Incrível que faz isso sem dar o menor sinal de que está sendo forçado de alguma maneira. Ao parar, marcha-lenta a 750 rpm. O câmbio, de comando direto, foi feito especialmente para o GT86 e seus irmãos Subaru BRZ e Scion FR-S. Só isso dá para avaliar o esmero na concepção do GT86: poderia ser colocado um câmbio qualquer das dezenas existentes “na prateleira” da fábrica, mas em vez disso fizeram um novo.
As qualidade de rodagem e comportamento evidenciam-se logo que se vê o carro: quatro rodas com pneus de mesma medida. Nada de jogar com seções diferentes para produzir esse ou aquele efeito. E com estepe 100% operacional, nada de kit de reparo e bomba de ar, muito menos pneu “de moto 125-cm³”. O Arnaldo já falou bastante do jeito do carro andar, mas não custa repetir que a precisão empolga. A direção é mais rápida que já dirigi, relação de 13:1 (até então o recorde era do Honda Civic Si, 13,6:1) e mesmo assim não mostra sensibilidade em excesso, está na dose certa para o carro. Os pneus de seção contida, apenas 215 mm, nada têm de “patas” e pressupõem boa resistência a aquaplanagem para quem não se intimida e até curte um piso molhado.
Portanto, a curiosidade acerca do GT86 que eu, o Paulo e o Keller foi sanada graças à disposição da Toyota do Brasil em ceder seu único GT86 para teste de imprensa, que serviu para mostrar algo feito com arte e técnica e que pode ser usado no dia a dia sem qualquer restrição, nem mesmo os dejetos viários chamados lombadas o intimidam graças aos 130 mm de vão livre.
E com uma vantagem adicional: se seu proprietário for do tipo sedentário, o agacha/levanta para entrar e sair o ajudarão a sair desse estado…
BS
Veja o vídeo:
FICHA TÉCNICA TOYOTA GT 86 (SUBARU BRZ E SCION FR-S) | |
MOTOR | |
Tipo | D-45, Ignição por centelha, 4 tempos |
Instalação | Dianteiro,longitudinal |
Material do bloco/cabeçote | Alumínio |
N° de cilindros/configuração | 4 / horizontais opostos |
Diâmetro x curso (mm) | 86 x 86 |
Cilindrada (cm³) | 1.998 cm³ |
Aspiração | Atmosférica |
Taxa de compressão | 12,5:1 |
Potência máxima | 200 cv a 7.000 rpm |
Torque máximo | 20,9 m·kgf de 6.400 a 6.600 rpm |
N° de válvulas por cilindro | 4 |
N° de comando de válvulas /localização | 2 / cabeçote, com variador de fase de admissão e escapamento, corrente |
Formação de mistura | Injeção no duto e direta |
Rotação de corte | 7.500 rpm |
ALIMENTAÇÃO | |
Combustível | Gasolina 98 RON |
SISTEMA ELÉTRICO | |
Tensão | 12 volts |
Gerador | Alternador, potência N.D. |
Capacidade da bateria | N.D. |
TRANSMISSÃO | |
Rodas motrizes | Traseiras |
Câmbio | Manual |
N° de marchas | 6 à frente e uma à ré, esta sincronizada |
Relações das marchas | 1ª. 3,626:1; 2ª. 2,188:1; 3ª. 1,541:1; 4ª.1,213:1; 5ª. direta; 6ª 0,767; ré 3,437 |
Relação de diferencial | 4,1:1 (autobloqueante Torsen) |
FREIOS | |
De serviço | Hidráulico, servoassistido |
Dianteiro | Disco ventilado Ø 296 mm |
Traseiro | Disco ventilado Ø 290 mm |
Controle | ABS, EBD, BAS |
SUSPENSÃO | |
Dianteira | Independente, McPherson com subchassi de alumíno, braço triangular, mola helicoidal, amortecedor pressurizado e barra estabilizadora |
Traseira | Independente, multibraço, mola helicoidal e amortecedor pressurizado concêntrisos e barra estabilizadora |
DIREÇÃO | |
Tipo | Pinhão e cremalheira, assistência elétrica |
Diâmetro mínimo de curva | 10,8 m |
Relação de direção | 13:1 |
Voltas entre batentes | 2,5 |
RODAS E PNEUS | |
Rodas | Alumínio 7Jx17 (inclusive estepe) |
Pneus | 215/45R17W (inclusive estepe) |
PESOS | |
Em ordem de marcha | 1.230 kg |
Carga máxima | 440 kg |
CARROCERIA | |
Tipo | Monobloco em aço, capô de alumínio, cupê, 2 portas, 2+2 lugares, subchassi dianteiro e traseiro |
DIMENSÕES EXTERNAS | |
Comprimento | .4.240 mm |
Largura sem espelhos | 1.775 mm |
Altura | 1.425 mm |
Distância entre eixos | 2.570 mm |
Bitola dianteira/traseira | 1.520/1.549 mm |
Vão livre do solo | 130 mm |
AERODINÂMICA | |
Coeficiente de arrasto (Cx) | 0,28 |
Área frontal (A) (calculada) | 2,02 m² |
Área frontal corrigida (Cx x A) | 0,56 m² |
CAPACIDADES (L) | |
Porta-malas | 245 litros |
Tanque de combustível | 50 litros |
DESEMPENHO | |
Velocidade máxima | 226 km/h |
Aceleração 0-100 km | 7,6 s |
CONSUMO DE COMBUSTÍVEL (ciclo FTP 75, EUA) | |
Cidade | 9,3 km/l |
Estrada | 12,7 km/l |
CÁLCULOS DE CÂMBIO | |
v/1000 em 6ª | 36,3 km/h |
Rotação do motor a 120 km/h em 6ª | 3.300 rpm |
Rotação do motor à vel. máxima (6ª) | 6.200 rpm |
Alcance nas marchas (km/h) | 1ª 54; 2ª 90; 3ª 127; 4ª 161; 5ª 195; 6ª 226 |