A Griffith, universidade australiana, elege anualmente a melhor definição para expressões contemporâneas. Este ano, foi escolhida uma definição irretocável para “politicamente correto”: “É uma doutrina, sustentada por uma minoria iludida e sem lógica, que foi rapidamente promovida pelos meios de comunicação e que sustenta a ideia de que é inteiramente possível pegar um pedaço de merda pelo lado limpo.”
Não se pode mais cantar “Atirei o pau no gatô-tô…” sob risco de protestos ou processo pela Sociedade Protetora dos Animais. Livros do Monteiro Lobato que ilustraram nossa infância (e que não distorceram nosso comportamento…) serão reescritos, pois carregam um tom racista. Outra grave incorreção política é o automóvel, emissor de CO2 e considerado o maior responsável pelo efeito estufa que eleva a temperatura do planeta. Mas não o é: a emissão de gás carbônico provenientes de todo o setor de transportes (terra, mar e ar) representa meros 14% do volume total gerado no planeta. Outros 86% divididos entre queimadas, desmatamento, indústria, geração de energia elétrica e o …gado. Gado? Sim: mais de um bilhão de cabeças de ruminantes no mundo expelem metano (CH4), um gás nocivo vinte vezes mais ativo que o carbônico (CO2) na formação da capa térmica que impede o calor da Terra de se dissipar no espaço. A bufa das vacas responde por 23% do efeito estufa. (será que o Greenpeace sabe disso?).
Mas automóvel é prato cheio para ecologistas de plantão e a sociedade não sabe exatamente como combater o herói que virou vilão.
Entre outras, criou-se o “Dia Mundial Sem Carro” (22 de setembro) com o propósito de instigar uma reflexão sobre o automóvel, estimular simpósios de mobilidade e provar que existe vida além das quatro rodas. Talvez fosse mais adequado criar o “dia sem combustível fóssil” pois além da bicicleta, também os carros elétricos contribuem para a limpeza do ar que respiramos.
Existem também os marqueteiros de plantão que percebem ‘oportunidades”, não resistem e misturam as bolas. Ou melhor, os gases. Organizaram, por exemplo, numa concessionária de automóveis Volvo em São Paulo, um evento com a “limpeza ecológica” de seu showroom. Além de retirar todos os automóveis em 22/09, anunciaram uma cálida recepção para grupos de ciclistas.
Soube da história de um cliente que estava negociando um Volvo zero-km nesta revenda e, nos acertos finais com o vendedor, disse que iria viajar naquela semana e só poderia buscá-lo no sábado. E ouviu: “Não vai dar, doutor, pois sábado é dia 22 de setembro e vamos respeitar o Dia Mundial sem Carro”. O cliente, furioso, rasgou o cheque e tomou rumo ignorado.
Mas o exemplo vem da própria fábrica. No Salão do Automóvel de Los Angeles em novembro último, a Volvo teve uma ideia “genial”. Como o tema central do evento foi “Automobilidade”, ela não teve dúvida em sapecar um estande com mesas, poltronas e uma escultura “This is not a car” (“Isto não é um carro”), sem exibir nada sobre rodas (foto de abertura). Organizou debates sobre o futuro do automóvel e aspectos da mobilidade. Se o propósito era levantar controvérsias, atingiu plenamente seu objetivo, pois a dúvida gerada foi: duvidosa jogada de marketing — ou desrespeito ao cidadão que pagou para conhecer novos automóveis.
Se a Volvo pretendia estimular reflexão sobre o tema ou discutir os efeitos negativos dos veículos a combustão interna, o tema do salão se encaixava como uma luva para expor seus projetos, ideias e conceitos de carros para o futuro, híbridos ou elétricos.
Mas, se a empresa sueca (aliás, chinesa…) contesta o automóvel em sua essência e decide sequer exibi-lo no estande, só lhe resta uma opção em sintonia com sua postura conceitual: passar a fabricar bicicletas, patinetes ou… liquidificadores.
BF