A Citroën não existe mais como fabricante, sendo uma marca do Groupe PSA desde 1974 — ano da criação da PSA quando a Peugeot começou o processo de aquisição do controle acionário da Automobiles Citroën, pertencente aos Irmãos Michelin e sua indústria de pneus homônima desde 1934. Mas essas são questões apenas históricas, porque nos corações e mentes dos autoentusiastas a Citroën é a mesma fabricante fundada por André Citroën em março de 1919, mal terminada a Primeira Guerra Mundial.
Tal certeza confirmou-se mais uma vez na comemoração do 100º aniversário da Citroën promovida pela PSA do Brasil nesta segunda-feira (17/6), no pavilhão Ciccillo Matarazzo, o da Bienal do Parque do Ibirapuera. Numa atmosfera única de paixão pela marca, a imprensa automobilística brasileira viveu momentos admiráveis com o engajamento da PSA para falar sobre a Citroën e suas realizações nesses 100 anos.
A cerimônia incluiu a história da Citroën mostrada num primoroso audiovisual, workshop onde foi mostrada ao vivo a desmontagem e montagem de um 2CV em minutos, e o crème de la crème, a oportunidade de dirigirmos vários modelo antigos. Logo eu, que aprendi a dirigir num Citroën 11 L 1947 do querido tio Paulo Amaral, me apressei em pegar um para lembrar dos velhos tempos — põe velho nisso, 1952!
Tudo exatamente como vivenciei em 1952, com quase 10 anos. Parecia que o havia dirigido poucos dias antes. É impressionante como a memória, quando boa, nos recompensa e dá alegria. Essa mostra de carros antigos que pudéssemos dirigir foi um trabalho admirável do diretor de Comunicação da PSA, o jornalista Marcus Brier, com incansáveis reuniões com colecionadores.
Tínhamos que dirigir acompanhados de alguém, preferencialmente o dono do carro, nada mais justo e correto. Levei o dono do 11, J. Pohli. Começamos a andar e ele logo disse — achei estranho — para não tentar passar a primeira com o carro em movimento, dado que a primeira não era sincronizada. “Como não pode, Pohli? É claro que pode,” e ato contínuo lhe mostrei, com uma redução para primeira perfeita. Ele ficou surpreso, me disse que não sabia ser possível, e mais admirado ainda como era feito, com a técnica da dupla-embreagem de que tanto já falei aqui no AE.
Claro, foram anos guiando carros com primeira “seca”, o Citroën, o dois Fuscas lá de casa (’53 e ’55), a nossa Kombi ’55, o DKW-Vemag ’59 e até o meu Renault 1093 anos mais tarde. Inclusive o Jeep ’53 capô alto do pai de amigo que morava na mesma rua, no qual não só eu engatava a primeira andando, como a reduzida sem parar o Jeep, também pela dupla-embreagem.
Assim foi durante uma hora e mais, dirigindo Citroëns. Havia uma ID 19 Break Familiale 1974, a perua de sete lugares em que os dois bancos traseiros da terceira fileira são escamoteáveis e deixam a superfície do porta-malas completamente plana. Acompanhou-me o amigo Rubem Duailibi, muito conhecido no mundo antigomobilista. Câmbio de cinco marchas na coluna, atrás do volante monorraio e freio de serviço acionado pelo pé num botão em vez do tradicional pedal: dosa-se a intensidade da frenagem por pressão no botão, não por movimento. Suspensão hidropneumática, altura de rodagem constante. Pensar nessas soluções num carro de 64 anos atrás é intrigante.
A cereja do bolo
Entre os vários carros à disposição para dirigir havia um em que eu estava de olho: um 2CV 1954. Quando ficou livre sentei-me logo ao volante para dirigi-lo da Bienal ao Jockey Club, onde haveria o almoço.
Mas fui avisado que o esse percurso era para ser feito por alguém da organização dirigindo, a quem agradeci (ir de passageiro nesse caso não tinha nada a ver), Foi-me dito, porém, que poderia dirigi-lo depois do almoço, Pegamos carona num Cactus da organização, dirigidopor um membro da equipe da TSO, conhecida firma de logística de veículos em eventos e que atende a várias fábricas.
Depois do almoço, promessa cumprida, eu poderia não só dirigir mais carros, como poderia voltar ào Parque do Ibirapuera dirigindo um. E desta vez a sorte estava do meu lado: o 2CV 1954 ainda estava lá.
O Henrique Pereira voltou comigo e fez esse vídeo de 30 segundos para registrar o momento.
Esse modelo 1954 ainda tinha o primeiro motor de produção, o bicilindro boxer de 375 cm³ e 9 cv, arrefecido a ar. É carro minimalista ao extremo. Mesmo pesando apenas 600 kg, seu desempenho é apenas suficiente para rodar, como o 0-40 km/h em 42,4 segundos e velocidade máxima de 64 km/h.O curioso é que mesmo tão lento dá para rodar numa cidade como São Paulo, exceto nas marginais.
O curioso é o carro estar com pneus Michelin X, radiais, com seu desenho de banda de rodagem inconfundível, o primeiro pneu radial do mundo, surgido em 1947.
A alavanca de câmbio sai do painel e seu formato é aproximadamente o de um cabo de guarda-chuva, de movimento para trás e para frente, e o “cabo” gira para os lados para fazer a seleção de canais. É surpreendente como funciona bem. O diagrama das marchas é Ré-1ª, 2ª-3ª e 4ª perna-de-cachorro para frente.
A bem da verdade, onde se esperava ver o número 4 esta a letra ‘S’, e eu e Henrique ficamos imaginando o significado de ‘S’, até que já em casa, eureka! ‘S’ de surmultipliqué! Será que o leitor ou leitora acha que um francês colocaria ali a letra ‘O’, de overdrive? Jamais!
O 2CV foi produzido durante 42 anos e seu volume totalizou 3.867.932 unidades. Após 1988 toda a produção ficou em Portugal, em Mangualde, cidade de sua última fábrica. Em 27 de julho de 1990, às 16h30, o último 2CV, ao som de uma fanfarra, deixou a linha de montagem, um modelo Charleston bitom cinza Carmoran/cinza Nocturne, após 5.114.961 veículos produzidos nos dois períodos.
A comemoração dos 100 anos da Citroën, no Brasil, foi mesmo um belo momento tanto da PSA quanto da minha vida profissional e, creio, de muitos jornalistas.
Parabéns Citroën, parabéns PSA!
BS