Quando a Fiat lançou o Uno no Brasil, seu formato meio exótico gerou um apelido: “Bota ortopédica”. Mas logo vieram as explicações dos marqueteiros de Betim: se o carro agrada à primeira vista, seu visual se esgota rapidamente. Se provoca controvérsias, é sinal de que vai emplacar, principalmente se o design foi de Giorgetto Giugiaro…
Design sempre foi sujeito a chuvas e trovoadas. Nem Ferrari escapa: quando foi apresentado o FF (quatro lugares, tração nas quatro) em 2011, muitos fãs da marca não entenderam a traseira tão desconjuntada. Mas muitos pensaram o contrário. Beira a iconoclastia discordar de um designer italiano chamado Pininfarina.
Um americano que conseguiu dividir opiniões na Alemanha foi Chris Bangle, designer na Opel e Fiat antes de assumir o Centro de Estilo da BMW em 1992. Foi responsável por inúmeros lançamentos da marca, a maioria despertando controvérsias. Mas o sedã série 7 de 2002 foi o campeão de críticas e incluído em matéria da revistaTime entre os 50 mais feios automóveis do mundo, principalmente pelo estranho perfil da traseira. Ele deixou a BMW e o setor automobilístico em 2009 para montar seu próprio estúdio de design.
A turma mais conservadora da marca comemorou sua saída, desejada há anos e que ganhou até slogan: Bangle Muss Weg, (em alemão, Bangle tem que ir embora), numa brincadeira com as iniciais da própria marca. Ele ainda deixou “sequelas” em lançamentos posteriores, um deles o SUV X6, lançado no ano em que deixou a empresa. O X6 tem um estilo típico de Bangle, com perfil traseiro forte, intimidante e nada harmonioso.
Quem apoia Bangle tem um argumento em seu favor: o série 7 de 2002 (série E65) foi campeão de vendas e o suve X6, além de ir muito bem no mercado, ainda ganhou “meia cópia” da Mercedes, o GLC lançado em 2015.
Muito se discute sobre o design automobilístico. O conceito básico de que a forma deve contemplar função muitas vezes é negligenciado pelo projetista. A unanimidade se dá nas duas direções: automóveis de linhas extravagantes podem encantar ou desapontar. A dificuldade é fugir do lugar comum, criar algo diferente ou exótico que provoque controvérsia, mas ser bem sucedido, o que exige muito talento.
A imprensa não perde a oportunidade de relembrar Vinicius: “as feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”. E adora destacar carros exóticos em suas listas dos mais feios. Entre os mais famosos nos EUA, o Pontiac Aztek e o Ford Edsel. Na Europa, o Aston Martin Lagonda e o Fiat Multipla. Na Coreia do Sul, o Ssang Yong Action…
No Brasil, alguns projetos locais também causaram estranheza. Na Renault, o Clio sedã e o Logan. O Doblò da Fiat e a picape Hoggar da Peugeot. Na GM, o designer Carlo Barba “caprichou” em três modelos: Agile, Montana e Spin (também conhecida como “Capivara”). O primeiro foi desativado, os dois outros rapidamente reestilizados…
As controvérsias do design voltam no Brasil com o recente lançamento do Hyundai HB20 (foto de abertura. As novas linhas agradam, principalmente a traseira do sedã. Mas “Calcanhar de Aquiles” é a nova grade, de grandes proporções e que divide opiniões. Exatamente como na Audi há vinte anos, ao adotar uma grade enorme, meio trapezoidal e chamada de “single frame” (moldura única). Alterada dez anos mais tarde para um formato hexagonal, dura até hoje.
Quem estava na área de estilo da marca alemã, naquela época, era Peter Schreyer. Que foi depois (até recentemente) chefiar o setor de design da Hyunda-Kia. Se teve dedo de Schreyer em ambas, ninguém sabe. Seria coincidência?
O mercado acabou absorvendo o estilão frontal dos Audis. A “bota ortopédica” da Fiat foi sucesso de mercado durante trinta anos. Mas o Ford Edsel foi um tremendo fracasso de vendas…
Interrogação no ar sobre a reação do mercado ao novo design frontal do HB20: pega ou não pega?
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor..
Mais Boris? autopapo.com.br