Através do amigo Fernando Carvalho Ricardo recebi o texto escrito pelo coronel da PM Luiz Eduardo Pesce de Arruda, o qual é um tributo ao Fusca, na figura das rádio-patrulhas, e seus patrulheiros
A VELHA RáDIO-PATRULHA
Por Cel. Luiz Eduardo Pesce Arruda
A velha rádio-patrulha não era tão veloz; mas nenhum meliante, ainda que ágil, escapava à sua guarnição. Não era tão espaçosa; mas dezenas de crianças vieram ao mundo em seu estreito banco traseiro. Não era tão possante; mas retirou bois de piscinas, vítimas ilhadas de enchentes, motociclistas de precipícios, carros possantes e majestosos de fétidos atoleiros.
Não era sofisticada; mas rodava no asfalto e na lama, na pedra ou na água e na areia, e chegou mesmo a cruzar pontes trepidantes, sobre as quais nenhum outro veículo se arriscaria a passar.
E como era frágil de aparência… a rádio-patrulha não parecia um cavalo fogoso, um tigre ou uma águia, era mais parecida com um besouro, de que, aliás, imitou a técnica de parecer inviável, mas de dar certo; pois resistia às balas, ao serviço ininterrupto. Às mudanças abruptas de temperatura e a manutenção insuficiente, e, modesta, só exigia em troca combustível para rodar.
Seu rádio era tosco, mas acionava todo um povo nas calamidades. Não poderia ser classificada como bonita ou nobre, mas escoltou com dignidade rainhas e presidentes.
Não era tão confortável, mas serviu de habitat, dia e noite, sob chuva ou sob sol, às gerações de patrulheiros que com ela se pareciam. Pois atletas, isso não eram, mas não se tem notícia de que perdessem uma corrida, na maratona de perseguir um assaltante. Não eram pilotos festejados, mas eram inigualáveis, rápidos e seguros na babel do trânsito da cidade, socorrendo uma vítima ao hospital distante.
Não eram heróis de revistas de quadrinhos, e seu cinto, singelo como o de um franciscano, não possuía artifícios ou mil e uma utilidades, mas salvaram pessoas de carne e osso, deram conselhos, reconciliaram casais, sorriram e se emocionaram, impediram crimes e orientaram crianças, fizeram amigos e batizaram legiões de recém-nascidos.
E algumas vezes, morreram. Longe de casa, olhando para o teto da rádio-patrulha e para as estrelas cintilantes muito além, seus rostos banhados pela luz intermitente, vermelha, que piscava, nos braços de seu companheiro de guarnição.
Humildes e discretos, poucos os apontavam, reverentes, pelas ruas, mas os criminosos os odiavam e temiam. E os cidadãos de bem, que um dia deles precisaram, os veneravam.
Ninguém fez Polícia como eles; ninguém era tão versátil como eles; e ninguém viveu mais intensamente do que eles.
A eles, a Polícia Militar de nossos dias deve sua personalidade, sua autoridade, o respeito que a sociedade lhe devota. E o que sabe — e sabe muito — sobre como fazer Polícia.
E ninguém pode dizer que, um dia, foi Patrulheiro, sem haver sentido a vibração interior de haver sentado em seu banco, operado seu rádio, integrado uma guarnição; ou comandado um pelotão de rádio-patrulha.
Quem é o Cel. Luiz Eduardo Pesce de Arruda
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Luiz Eduardo Pesce de Arruda é graduado pela Academia de Polícia Militar do Barro Branco (1981), publicidade e propaganda pela ESPM (1986) e Direito (1997) pela FIG (Faculdades Integradas de Guarulhos. Especialista em liberdades públicas pela Escola Nacional de Administração de Paris. Mestre e Doutor em Ciências Policiais (CAES) e doutorando em História da Cultura pela Universidade Mackenzie. Tem quatro livros publicados e é membro da Academia Cristã de Letras, da Academia Brasileira de Letras dos Militares Estaduais e do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Professor universitário, é vice-presidente da Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho, mantenedora da faculdade de ciências médicas da Santa Casa de São Paulo. É o atual superintendente de Educação de Trânsito da Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo.
Também como resultado da publicação da matéria “PROPAGANDAS SOBRE MODELOS ESPECIAIS VOLKSWAGEN DA DÉCADA DE 60/70” o leitor Giuseppe Giraldi postou como comentário na matéria um texto envolvendo outro veículo especial da época: Kombis para Serviço Funerário, que, por oportuno, reproduzimos aqui.
NO INCÊNDIO DO JOELMA
Por Giuseppe Giraldi
Em 1961, meu pai era o chefe da oficina mecânica do Serviço Funerário de São Paulo. Neste ano a Prefeitura decide substituir os carros americanos de enterro por um lote de 30 Kombis.
Meu pai, um autoentusiasta em prosa e verso, foi convidado pela Volkswagen do Brasil a fazer um curso de 15 dias de manutenção de Kombis. Abriu e fechou motores, caixas de câmbio com os complicados semieixos que giravam em sentido oposto ao da roda traseira, desmontou e montou suspensão dianteira e traseira, esta com os complicados graus do facão na barra de torção. No fim do curso foi eleito pelos professores como o melhor aluno e ganhou um par de canetas Sheaffer.
Treze anos depois, em 1974, meu pai era diretor de divisão do Serviço Funerário e eu tinha seis meses de Carteira de Habilitação. Infelizmente nesse ano o Edifício Joelma incendiou-se e mais de 150 pessoas morreram.
A frota de Kombis tinha subido para 100 unidades, porém no incêndio só 8 motoristas trabalhavam e não davam conta da remoção dos cadáveres. Meu pai me liga pedindo que eu pegasse uma Kombi e ajudasse no translado dos mortos até o IML. Trabalhei 10 horas seguidas transportando humanos calcinados no Joelma.
O valor social da Kombi na cidade é inestimável.
O incêndio do Joelma
O incêndio no Edifício Joelma, atual Edifício Praça da Bandeira, na região central de São Paulo, foi uma tragédia ocorrida na sexta-feira 1° de fevereiro de 1974 que provocou a morte de 187 pessoas, deixando mais de 300 feridos.
O incêndio aconteceu menos de dois anos após outro prédio arder em chamas no centro da cidade, o Edifício Andraus. A tragédia do Joelma continua a ser o terceiro pior incêndio em arranha-céus por número de fatalidades no mundo, após o colapso das Torres Gêmeas do World Trade Center em Nova York em 11 de setembro de 2001.
O fogo começou às 8h45, no 12º andar, e em quatro minutos passou para o andar de cima, provocando pânico. Quando os bombeiros chegaram, às 9h10, as chamas já atingiam o 20º andar e várias pessoas começavam a se atirar do alto do prédio.
O socorro às vítimas mobilizou equipes e ambulâncias de todos os hospitais públicos e particulares da cidade, 14 helicópteros, 39 viaturas do corpo de bombeiros, todos os carros-pipa da prefeitura, e um grande número de voluntários que acorreu aos postos atendendo aos apelos de doação de sangue.
AG
Fica aqui o agradecimento ao Fernando Carvalho Ricardo, que eu conheço desde menino quando ia com seu saudoso pai participar dos eventos do Fusca Clube do Brasil. Também cabe aqui o agradecimento ao Cel. Luiz Eduardo Pesce de Arruda e os parabéns por seu texto em homenagem à Rádio-Patrulha.
Não tive como fazer contato com o Giuseppe Giraldi e fico devendo aos meus leitores e leitoras a sua apresentação. Mas o seu relato foi contundente, ligando as Kombis do Serviço Funerário da cidade de São Paulo ao pavoroso incêndio do Edifício Joelma. Parabéns a ele por este registro.
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Nota do autor: Com a reforma ortográfica de 1990, de uso obrigatório pelos meios de comunicação, o termo rádio-patrulha passou a ser grafado radiopatrulha. Em respeito à história foi mantida a grafia antiga.