Em setembro próximo, precisamente no dia 12, comemorar-se-á (mesóclise homenageando a nossa colega Nora Gonzalez!) o 90º aniversário daquele que para muitos, pode ser considerado o primeiro avião leve para uso de lazer, transporte e treinamento: o Taylor E-2 Cub
Para compreender a história do Taylor E-2 Cub é necessário voltar no tempo a 1927, quando Clarence Gilbert Taylor (1898-1988) e seu irmão, Gordon Taylor (1902-1928) fundam a Taylor Brothers Aircraft Corporation, uma empresa voltada para o projeto e fabricação de aviões de pequeno porte.
Naquela época, com o feito de Charles Lindbergh, cruzar solitário o Atlântico Norte, ocorre um boom nos Estados Unidos no interesse popular pela aviação, com uma grande demanda por cursos de pilotagem e aeronaves.
C.G. Taylor, como é conhecido, começou seu empreendimento aeronáutico produzindo no estado de Nova York o modelo Taylor A-2 Chummy, um pequeno monoplano de asa alta (acima da fuselagem, chamada de “para-sol”), dotado de motor Anzani radial de 7 cilindros e 90 hp ou Siemens (também radial) de 125 hp. Custava, na época, US$ 3.985,00 (cerca de US$ 59 mil em valores de hoje).
A fuselagem consistia numa estrutura em treliça de tubos de aço cromo-molibdênio entelados com tecido de algodão (hoje usa-se uma variação do poliéster) e as asas, fabricadas com longarinas em madeira spruce, o pinho norte americano, também enteladas e sustentadas por montantes. Esse conceito de aeronave permaneceu praticamente inalterado desde o primeiro A-2 até o último PA-18-150 produzido (exceto que o PA-18 passou, depois de alguns anos, a empregar asa em estrutura totalmente metálica e não mais em madeira)
O slogan da empresa era “Buy Your Airplane Taylor Made”, que em um trocadilho com o nome Taylor e a palavra homófona “tailor”, poderia ser entendido como “Compre o seu avião sob medida”.
Gordon, irmão de Taylor, entretanto, faleceu num acidente com o Taylor A-2 em 1928 e simultaneamente, a despeito do ocorrido com o irmão, a Câmara de Comércio da Pensilvânia convence Clarence a mudar sua empresa para a cidade de Bradford no estado, onde um grupo de investidores optou por aportar cerca de US$ 50 mil para a implantação da empresa lá.
O alto preço do pequeno A-2 Chummy e a Grande Depressão de 1929 levaram a Taylor Brothers Aircraft Corporation à falência em 1930. Todavia, um dos sócios investidores, um engenheiro que fez fortuna com a prospecção de petróleo, chamado William Thomas Piper (1881-1970), adquiriu os ativos da Taylor Brothers por US$ 400,00 (cerca de US$ 6 mil em valores de 2020) e, numa atitude altamente, sagaz mantém Clarence Taylor como presidente e responsável técnico, reservado para si a diretoria financeira da nova empresa, que passa a se chamar Taylor Aircraft Company.
Entretanto, como diretriz básica William Piper convence Taylor que a aeronave produzida pela empresa deveria ter um custo de aquisição significativamente menor do que os modelos iniciais (o Taylor A-2 e variações como B2 e C-2), bem como sua operação deveria ser insignificante de tão barata, sendo uma aeronave simples e acessível a um número maior de pessoas. Nesta linha, Clarence Taylor cria o modelo E-2, que voa pela primeira vez em 12 de setembro de 1930.
Trata-se de um modelo já com as formas bastante similares ao que conhecemos como Piper Cub. Inicialmente dotado de um motor Brownbach Tiger Kitten de 20 hp, foi logo substituído por um radial de 9 cilindros francês Salmson AD-9 de 40 hp. Em virtude do nome do motor (Tiger Kitten — filhote de tigre) foi sugerido e acolhido por Taylor e Piper o nome de batismo de “Cub” (filhote de mamífero carnívoro) para o novo E-2.
Mas foi em 1931, com a introdução do motor Continental A-40 1,9-L e 37 hp que o Taylor E-2 decolou. Nesta época, o modelo custava US$ 895,00 (quase US$16 mil convertido para janeiro de 2020) sem motor ou US$1.325,00 com motor A-40 (cerca de US$ 23 mil)
Um total de 134 Taylor E-2/F-2 Cub (o F-2 era o E-2 com motor Aeromarine 3-cilindros radial) foram produzidos entre 1931 e 1934, um número que apesar de pequeno é bem significativo, uma vez serem esses anos o período mais agudos da Grande Depressão iniciada em outubro de 1929 pela quebra da Bolsa de Valores de Nova York..
Por sua vez o Cub, em 1935, decola de uma vez: 210 aeronaves foram produzidas e nessa época, Walter Jamouneau, um jovem engenheiro, é contratado para trabalhar na empresa, ficando na função de Clarence Taylor durante um período que esteve afastado da empresa por motivo de doença.
Walter Jamouneau, a pedido de Piper, introduziu modificações no modelo E-2 (o F-2, G-2 e H-2 foram variações do E-2 com motorizações diversas). O leme teve sua forma arredondada, bem como as pontas de asas e as pernas mais largas de trem de pouso, surgindo assim o Taylor J-2 Cub, inaugurando também o inicio da lendária pintura amarela decorada com o Urso segurando uma plaquinha escrita “Cub” no leme!
Todavia, Clarence Taylor não gostou das modificações feitas por Walter Jamouneau, demitindo-o, nascendo aí o pivô da separação de Taylor e Piper. Willian Piper recontratou Walter Jamouneau e desfez a sociedade com Taylor, adquirindo os ativos e o projeto Cub, enquanto Taylor segue para Alliance, no estado de Ohio onde forma a Taylor-Young Aircraft Company.
No inicio de 1937, um incêndio destrói a fábrica de Bradford e Piper decide mudar a fábrica para a cidade de Lock Haven, também na Pensilvânia, sendo rebatizada de Piper Aircraft Corporation. Apesar deste fato, 658 J-2 Cub foram produzidos.
Também é no final de 1937 que o Cub atinge a sua forma final no modelo J-3: Podia ser equipado com os motores Continental A-40, Franklin O-150 (2,5 L), ambos com 40 hp e em 1939, é introduzido a opção de motor Lycoming O-145, 2,4 L, bem como o motor Continental, com a introdução do modelo O-170 de 2,8 L, todos gerando 50 hp, além da motorização Franklin.
Em 1940, o Cub passa a vir com a motorização de 65 hp sem quaisquer opções de motores, permanecendo em produção até 1947, havendo uma breve interrupção entre 1942 até 1945 devido aos esforços de guerra.
Entretanto, no período de guerra o J-3 se transformou em Piper L-4 para Lgação e Observação. Basicamente, era um Piper J-3 dotado de uma área transparente maior, para observação, sendo conhecido como “Grasshopper” (gafanhoto). Ao todo, entre Piper J-3 e L-4 foram produzidos 20.038 unidades nos EUA e Canadá.
Em 1947 surge o Piper PA-11, essencialmente um Piper J-3 com ligeiras modificações como o motor carenado, montado com um pequeno ângulo visando melhorar a visibilidade e tanques de combustível na raiz das asas.
Em 1949, a Piper lança aquele que marcou a linhagem Cub: o Piper PA-18 Super Cub.
Embora seja um derivado direto do J-3, o Super Cub é uma aeronave maior, mais larga e com motores mais potentes, além de ser dotada de flapes e sistema elétrico. O protótipo voou com um motor Continental O-200 de 90 hp mas a esmagadora maioria foi equipada com motores Lycoming acima de 105 hp, chegando, nas versões de fábrica, a 150 hp, a mais vendida delas!
O Super Cub teve mais de 15 mil unidades produzidas entre 1949 e 1983, e entre 1988 e 1994.
O conceito básico do Piper Cub deu origem, dentro da Piper a uma série de aeronaves derivadas, algumas delas dentro da concepção básica, outras, evoluções naturais conforme veremos abaixo:
• Piper J-4 Coupe: Essencialmente um Piper Cub mas com assentos lado a lado. Podia vir equipado com um motor Continental O-170 de 50 hp, chegando até 75 hp nas versões mais novas
• Piper J-5 Cub Cruiser: Um triplace, com assentos lado a lado e um terceiro assento na parte traseira. Originalmente equipado com um Lycoming GO-145 de 75 hp a 3.200 rpm (precisava de redução na hélice), recebeu um Lycoming O-235 de 100 hp e 3,8-L
• Piper PA-12 Super Cruiser – Essencialmente um J-5 evoluído. Dotado de motor Lycoming O-235 de 100 hp, o PA-12 tinha tanques de combustível aumentados e localizado na raiz das asas
• Piper PA-14 Family Cruiser – Evolução do PA-12, um quadriplace barato produzido por pouco tempo no pós-guerra
• Piper PA-15/PA-17 Vagabond – Conhecido como “avião de homem pobre”, era um biplace (lado a lado), completamente despojado e feito para custar pouco. Era equipado com um Lycoming O-145 de 65 hp enquanto o PA-17 vinha com o Continental O-170, de mesma potência. A única coisa a mais que o PA-17 possuía a mais era os comandos duplos e amortecedores no trem de pouso, coisa que no PA-15 era feita única e exclusivamente pelos pneus balão.
• Piper PA-16 – Quadriplace (4 lugares) com um motor Lycoming O-235 de 110 hp. Não foi uma aeronave representativa.
• Piper PA-20/PA-22 Esses foram verdadeiros quadriplaces produzidos pela Piper. O PA-20 vinha equipado com motor Lycoming O-290 de 125 hp (posteriormente, 135 hp) e 4,75 L de cilindrada.
A versão de trem de pouso triciclo era o PA-22 Tri-Pacer e foi o último projeto da Piper feito tendo como base a construção de tubo e tela. A produção do Tri-Pacer e do treinador Colt (o PA-22 com apenas dois lugares e motor de Lycoming O-235 de 108 hp) permaneceram em produção até 1960 (1964 para o Colt) quando ai foi substituído pelo modelo PA-28 Cherokee, modelo totalmente metálico e de grande sucesso, sendo inclusive montado no Brasil pela Neiva, subsidiária da Embraer, na forma do Corisco, Tupi e Carioca.
E assim como acontece como qualquer bom projeto, o conceito básico do Piper Cub serviu de base para diversas outras aeronaves, como o nosso EAY-201 Ypiranga (que veio a se tornar o Paulistinha), outra história que já foi contada aqui no AUTOentusiastas e complementada pela vivência do Bob Sharp com suas experiências.
Por ser uma aeronave representativa, talvez a pioneira no sentido de criar um segmento de aviação leve, os 90 anos do Cub merecem ser lembrados e sua história, contada, para que todos conheçam a aeronave que foi a primeira asa de muitos grandes pilotos em todo o mundo.
DA