Tanto na própria Volkswagen, quanto feitos por terceiros, foram surgindo sucessivos EA (Entwicklung Auftrag – Ordem de Desenvolvimento) com vistas a uma eventual substituição do VW Fusca com as mais diferentes formas e soluções tecnológicas. Alguns deste protótipos foram mais um tipo de terapia ocupacional para o setor de design da Volkswagen, que treinava seu conhecimento desenvolvendo um carro.
A VW desenvolveu silenciosamente mais de 70 protótipos e desperdiçou milhões de marcos no processo — Heinz Nordhoff, o executivo-chefe da empresa, não chegou a se convencer de nenhum deles. A diretriz empresarial defendida ferrenhamente por Nordhoff era:
“Não mudamos para sermos diferentes dos outros, não para que as pessoas falem sobre nosso produto, mas para eliminar as fraquezas do nosso produto.”
Com isto o VW Fusca se manteve como carro-chefe da Volkswagen por tantos anos, tendo constantemente recebido melhorias técnicas e pequenas modificações de estilo. Lembrando que os Super Beetle, com suas significativas modificações, foram lançados quando Nordhoff (06/01/1899 – 12/04/1968) já havia falecido.
Grande quantidade de protótipos
Em 1967, os editores da revista Der Spiegel, Rudolf Glismann e Ferdinand Simoneit, foram contemplados com uma visão rara: no oval da pista de testes da Volkswagen foram expostos alguns dos protótipos, muitos de fachada, mas alguns eram operacionais, podiam ser dirigidos.
Dos cerca de 40 protótipos de “novos VW Fusca” apresentados naquela ocasião, talvez um punhado pudesse ser considerado como candidato real à sucessão do VW Fusca. Muitos dos demais modelos foram resultado de exercícios do departamento de estilo. Na foto de abertura tem-se uma visão parcial destes protótipos dispostos para os editores da revista Der Spiegel. E esta foi uma amostra dos protótipos feitos, pois, como veremos adiante, alguns foram destruídos e desapareceram sem deixar rastros — nem fotos.
Um funcionário daquela época lembrou: “Nordhoff segurou o ‘VW Käfer’ com mão de ferro. E, para que nossos estilistas tivessem algo a fazer, todos podiam projetar um carro a seu gosto.”
Daqui para frente vamos acompanhar as trajetórias de alguns dos protótipos, feitos para substituírem o VW Fusca, levando em consideração que houve desenvolvimentos feitos em paralelo, o que torna a cronologia meio confusa.
Tipo 534/535
Um primeiro “contra-design” de VW Fusca foi o Tipo 534/535, que foi apresentado a Nordhoff, para avaliação em 13 de outubro de 1953. Em comparação com o Tipo 1 (VW Fusca), o estudo teve uma distância entre eixos encurtada em 30 centímetros (2,10 m). A característica tecnicamente especial deste minicarro com motor de Fusca de 1.000 cm³ era a carroceria monobloco. Este estudo, construído por engenheiros da Porsche, teve que ser sucateado a mando de Nordhoff, para que não houvesse fotos dele.
EA 47 12
O EA 47 12 é o décimo-segundo de 15 protótipos que foram feitos entre meados de 1953 e o final de 1956. Este protótipo foi a primeira resposta a pedidos de um sucessor mais moderno do Beetle. O estúdio de design automobilístico Ghia, de Turim, Itália, projetou e fabricou carrocerias cujo estilo lembra fortemente o Karmann-Ghia. O protótipo também era o estado da arte em termos de tecnologia — com suspensão dianteira McPherson, suspensão traseira por barra de torção e caixa de câmbio de quatro marchas totalmente sincronizado.
EA 48
A Volkswagen começou em 1953 a trabalhar com a ideia de um carro pequeno tipo “city car”, posicionado um ponto abaixo do VW Fusca. Na época as vendas do VW Fusca eram, na melhor das hipóteses, baixas, e mostravam poucos sinais de melhora. Então os engenheiros queriam introduzir um modelo menor e mais acessível, a fim de ajudar a empresa a finalmente decolar. No papel, o carro era ambicioso. Foi o primeiro carro pequeno da Volkswagen e o primeiro protótipo projetado internamente por ela, sem nenhuma contribuição da Porsche. Liderado por Gustav Mayer, o projeto EA 48 começou oficialmente em outubro de 1953.
Mayer decidiu que simplesmente “encolher” o Fusca não era suficiente; de fato, ele adotou uma abordagem completamente diferente para projetar este carro.
O plano era usar um motor boxer bicilindro de 800 cm³ instalado na frente. O veículo apresentado em 1955 tinha estrutura monobloco, tração dianteira e suspensão McPherson. O capô dianteiro formava peça única com os para-lamas.
EA 97/1
Ao contrário do habitual, o EA 97/1 foi desenvolvido pelo setor de testes da Volkswagen, do qual Rudolf Ringel era o gerente, e não pelo departamento de estilo.
No início dos anos 1950 iniciou o desenvolvimento de uma carroceria de três volumes (em alemão Pontonform¹) sobre o chassi do VW Fusca.
O veículo tinha praticamente todos os elementos de estilo do Besouro, faltando apenas os estribos, marca registrada do VW Fusca original. Obviamente este protótipo tinha um motor traseiro.
EA 700
Como eu já disse, a cronologia de tempos e da numeração dos EA, devido à concomitância de alguns desenvolvimentos acabou ficando um tanto conturbada. O EA 700 certamente é um protótipo muito estranho, uma quebra de paradigma.
Durante o mesmo período em que outros desenvolvimentos ocorriam, foi realizado o trabalho no EA 700, que foi desenvolvido pela Porsche para a Volkswagen entre 1956 e 1957.
Inicialmente, este chamado mini “carro de grande volume” era para ser propulsionado por um motor de apenas 600 cm³. Mais tarde, por consenso, o motor 1.192- cm³ de 30 cv do Besouro foi adotado.
EA 97
O objetivo original do EA 97 também era encontrar um sucessor para o VW Fusca. No curso de seu desenvolvimento, iniciado em 1957, os estilistas de Wolfsburg se distanciaram da forma de besouro e foram atraídos para uma carroceria puramente três-volumes (tipo Ponton) como o encontrado no Tipo 3 que estava sendo desenvolvido ao mesmo tempo; e que deveria ser produzido em massa a partir de 1961 como o Volkswagen 1500.
No entanto, depois de ter sido produzida uma série-piloto de 200 carros, o projeto foi abandonado, pois o EA 97 estava posicionado muito perto do Fusca e do Tipo 3. Em 1969, ele serviu de base para o brasileiro VW 1600 4 Portas (O “Zé do Caixão”) produzido até 1971; criando uma série brasileira com a Variant e o TL.
Mas, como veremos adiante, a família EA 97 teria sido completa, incluindo uma Variant e um belo cabriolé.
A Versão cabriolé seria muito bonita:
Praticamente todo os exemplares da série-piloto foram sucateados, ficando um exemplar sedan para o AutoMuseum Volkswagen em Wolfsburg.
EA 53 da Porsche
Desde o início de 1958 a Porsche trabalhou no projeto de encontrar um substituto para o Fusca. Para esta ordem de serviço a Porsche recebeu dois chassis de Fusca com a pedaleira deslocada em 80 mm. Estava previsto usar o motor 1.400 cm³ (código interno da Porsche: EA 724) que estava em desenvolvimento na empresa. Foram desenvolvidos um fastback e um três-volumes sob o código de desenvolvimento interno da Porsche: EA 726. Mas também foi apresentado um terceiro protótipo com uma distância entre eixos menor com código interno da Porsche: EA 728, de estrutura monobloco, sobre o qual comentarei adiante.
Com o EA 53 (código interno Porsche: EA 728), desenvolvido praticamente em paralelo ao EA 97 na década de 1950, iniciou-se uma nova fase no desenvolvimento de carros da Volkswagen. Pela primeira vez, um novo desenvolvimento abandonou o princípio usado anteriormente pela Volkswagen com um chassi e uma carroceria aparafusada, e voltou-se para a carroceria monobloco que já era comum na construção de automóveis de passageiros da época. Internamente, no entanto, houve uma forte oposição a esse princípio de design, especialmente porque alguns técnicos da Volkswagen acreditavam que a construção separada do chassi e da carroceria também tinha suas vantagens. Como em um chassi existente podia ser rápida e facilmente colocada em uma nova carroceria para reagir mais rapidamente às tendências da moda na engenharia automobilística.
Outro grupo de técnicos argumentou, por razões de peso, a favor da estrutura monobloco e conseguiu afirmar-se perante o Conselho de Administração. Mas no meio do trabalho chegou-se à conclusão de que ainda não se havia dominado a arte da construção leve. O projeto deste veículo acabou sendo mais difícil do que o planejado. E como a potência prevista do motor não era mais suficiente, os técnicos começaram a balançar entre aumentar a potência do motor e reduzir o peso do veículo. O EA 53 teria dois níveis de potência com cilindradas de 900 cm³ e 1.100 cm³, que ofereciam uma potência de 30 cv e 35 cv, respectivamente. O estudo para o EA 53 que acabou sendo desenvolvido pela Porsche foi o estudo A, sendo que houve mais três alternativas que foram abandonadas.
Os primeiros esboços começaram em 1954, a apresentação num pequeno círculo do Conselho de Administração foi realizada em 29 de março de 1960. Enquanto a parte frontal deste protótipo lembra muito o VW 1500/1600 (Tipo 3), a traseira impressionava por uma janela traseira fortemente abaulada.
EA 53 da Ghia
Esta é outra participação da Ghia na busca de um sucessor para o Fusca. As carrocerias desenhadas pela Ghia tinham que atender aos mesmos requisitos técnicos básicos impostos pela Volkswagen. A apresentação para o Conselho de Administração da Volkswagen ocorreu em 23 de março de 1961. Mas mesmo a oitava tentativa de criar um sucessor para o Fusca não foi aprovada pelo conselho. O “não” não foi uma surpresa, já que o veículo estava pesado demais, o motor de 1.100 cm³ e 35 cv não conseguiu prover o desempenho necessário.
(1) – O estilo ponton ou pontoon refere-se a um gênero de design de carro dos anos 1930-1960. A tendência surgiu quando a carroceria tipo ponton começou a envolver toda a largura e comprimento ininterrupto de um carro, incorporando os estribos e os para-lamas anteriormente salientes. Os para-lamas de um automóvel com estilo ponton também podem ser chamados de para-lamas ponton, e a tendência geral também pode ser conhecida como estilo envelope. Para maiores informações consulte a seguinte página da Wikipédia .
Link para parte 2
AG
Fica aqui o agradecimento ao Dr. Rüdiger Etzold, historiador e autor de vários livros (inclusive tipo “faça você mesmo” para a manutenção de Volkswagens) pelas fotos (que receberam marcas d’água conforme ele pediu) e informações sobre o assunto que é pouco conhecido no Brasil. Também agradeço a Armin Popp pelas dicas. Há algum tempo atrás troquei mensagens com o Saymon Machado exatamente sobre estes protótipos, foi o início deste trabalho, aproveito para agradecer a ele também.
Também neste caso foram necessárias pesquisas na internet em vários sites, como o sowirdsgemacht.com, www.aufwach-s-en.de, www.spiegel.de, www.sueddeutsche.de, blog.heritagepartscentre.com, www.coachbuild.com/forum/, www.automuseum-volkswagen.de, www.hemmings.com/blog/, books.google.com.br/books, etc.
NOTA: Nossos leitores são convidados a dar o seu parecer, fazer suas perguntas, sugerir material e, eventualmente, correções, etc. que poderão ser incluídos em eventual revisão deste trabalho.
Em alguns casos material pesquisado na Internet, portanto via de regra de domínio público, é utilizado neste trabalho com fins históricos/didáticos em conformidade com o espírito de preservação histórica que norteia este trabalho. No entanto, caso alguém se apresente como proprietário do material, independentemente de ter sido citado nos créditos ou não, e, mesmo tendo colocado à disposição num meio público, queira que créditos específicos sejam dados ou até mesmo que tal material seja retirado, solicitamos entrar em contato pelo e-mail alexander.gromow@autoentusiastas.com.br para que sejam tomadas as providências cabíveis. Não há nenhum intuito de infringir direitos ou auferir quaisquer lucros com este trabalho que não seja a função de registro histórico e sua divulgação aos interessados.
Nota de complementação: dia 30/03/2020, às 19h00 foi acrescentada a foto do protótipo EA 97/1 visto de frente, enviada após a publicação desta parte 1 por Armin Popp.
A coluna “Falando de Fusca & Afins” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.