Não tem jeito. Carro usado sendo recuperado parece vira-lata que você catou na rua e colocou para dentro de casa. Ou, tentando ser politicamente correto: “quando você adota um filho canino SRD (Sem Raça Definida).
No começo ele come seu chinelo, uiva às 3h da matina, ataca o carteiro, não quer comer ração… Depois de um tempo, ele percebe que a vida está bem melhor, se aquieta e para de encher.
Pois bem, meu Civic 2002, um G7 com motor 1,.7 retificado, já está nessa fase depois de 2.200 km rodados e alguns chiliques devidamente acalmados. Como sempre faço, acompanho a evolução do amaciamento pelo consumo. Começou com trágicos 10 km/litro de gasolina (não é flex) e agora já está passando dos 13 km/l, sinal que as peças internas estão se dando melhor e o atrito diminui.
Se você chegou agora e não está entendendo nada, leia a primeira parte desta aventura com o nissei vira-lata aqui.
Claro, sempre o amaciamento de um motor retificado é mais demorado que o de um carro novo, já que o fabricante conta com ferramental muito mais preciso, computadorizado, o que permite um ajuste inicial melhor. Já no motor restaurado, este período geralmente vai até os 5.000 km rodados e, às vezes, continua melhorando de rendimento e consumo até os 10.000 km.
Isto não nenhuma regra técnica, mas a experiência de quem já tirou dezenas de motores da UTI.
Japinha safado
Feita a vistoria de transferência, já nos primeiros 10 km rodados, o Civic voltou para oficina com um dos cilindros falhando. Não acendeu a luz de injeção, logo era vela, bobina ou válvulas. Bicos injetores haviam sido limpos e testados. Velas OK, testamos as bobinas (ele já é moderninho, tem uma bobina para cada vela) e estava tudo bem. Tiramos a tampa de válvulas, folgas em ordem e nenhuma das 16 válvulas presas. Só podia ser injetor.
Tiramos, colocamos no aparelho de testes e lá estava: um dos injetores tinha pouca vazão. Perigoso em um motor amaciando, já que a sonda lamba “entende” que tem uma queima mais pobre (com falta de gasolina) e o gerenciamento do motor manda todo mundo, os quatro injetores, mandar combustível para valer, uma forma de proteção do motor. Além da falhação, este excesso “lava” o filme de lubrificante entre os cilindros e os anéis, nada aconselhável para um motor que ainda tem muito atrito entre esses componentes.
Pior, pode levar ao superaquecimento do catalisador,e derretimento do núcleo cerâmico inutilizando-o, como tratado nesta matéria recente.
Descobrimos que a peneirinha (filtro) dos bicos estava se dissolvendo e os detritos travavam seu funcionamento. Tiramos as peneiras, limpamos os injetores e colocamos filtros novos. O danado do Civic rodou 100 km e começou a falhar novamente.
Quatro injetores novos Keihin, marca original usada pela Honda, entraram na história e o motor “dormiu”, funcionando redondo.
No começo do amaciamento, o consumo era triste: mal chegava aos 10 km/litro, sempre rodando 70% na estrada e 30% no tränsito urbano. Claro, muita energia esta sendo perdida para vencer o atrito interno de peças que começam a assentar, principalmente anéis e camisas, além das bronzinas onde rodam virabrequim e biela.
Era para fazer a primeira troca de óleo entre 800 e 1.000 km rodados. Não deu. Em um só dia rodei quase 500 km, saindo de São Paulo indo para o Autódromo Tuiuti e de lá fui para Tatuí com escalas em outras cidades do interior paulista. Velocidade quase sempre 100/110 km/h, sempre seguindo o conselho de meu mecânico, o Renato Gaeta, para abusar do freio motor. Segundo ele, quando trabalhava na engenharia da VW, o amaciamento era encurtado com o motor sendo tracionado: no dinamômetro, o motor até desligado era forçado pelo motor elétrico do equipamento.
Na estrada, se consegue o mesmo efeito usando o freio-motor. Acelerava até um pouco mais de 120 km/h tirava o pé do acelerador em descidas e deixava a velocidade cair até uns 80 km/h. O nissei safado gostou e o consumo começou a passar a se aproximar dos 11 km/l. As aceleradas ocasionais ajudam também a ir aumentando a elasticidade do motor.
O primeiro lubrificante de um motor retificado considero um pouco um fluido de lavagem, que vai retirar pequenas partículas metálicas das peças em atrito, além de algumas sujeiras e restos de cola e juntas de montagem. Assim, não encontrando o bendito óleo recomendado, SAE 10W30, em Tatu[i.SP, inicialmente havíamos usado um 15W40 mineral que estava à mão. Na primeira troca, já com um pouco mais de 1.200 km rodados, saí caçando o lubrificante recomendado.
Não é publicidade, mas pode ser útil. A cadeia americana de peças AutoZone está se expandindo pelo interior paulista e abriu um loja em Tatuí. Fui visitar, pois lembrava que eles têm uma marca própria de lubrificantes, a Peak, nos Estados Unidos. Tempos atrás trouxe alguns Peak sintéticos gringos e gostei. Pois é, eles trabalham com a Peak também no Brasil e havia o SAE 10W30 semissintético com preço atraente, pouco mais de R$ 20 por litro. Este motorzinho com bloco de alumínio aceita os três tipos de lubrificantes: mineral, semisintético e sintético, variando a quilometragem entre 5, 10 e 15 mil km, segundo catalogo da loja.
A loja da AutoZone segue os mesmos padrões estéticos das americanas, mas de modo geral o estoque de peças ainda é reduzido e os preços, um pouco elevados. A vantagem está no cheirinho da loja, idêntico as americanas, parece que você saiu do Brasil por alguns minutos. E abrem nos finais de semana, o que pode ser útil para alguma emergência. Não foi um comercial, mas um serviço para os leitores. Se alguém quiser avisar a AutoZone para mandar uma graninha para o Tio, agradeço.
Óleo bom e água sumindo
Boa surpresa: o motor funcionou mais suave com o lubrificante correto: mudou o ruído. Não acho importante respeitar a marca de lubrificante recomendado pelo fabricante do carro (geralmente é só um acordo comercial), mas suas especificações devem ser seguidas à risca. Já nos primeiros 100 km rodados como o novo lubrificante já deu para perceber que o consumo teve um pequeno degrau, chegando mais próximo dos 12 km/l.
Mas, água começou a desaparecer do radiador e não havia vazamentos nem infiltração de água nos cilindros. Acho este sistema adotado por japoneses (Honda e Toyota principalmente) um pouco tosco: há um reservatório não pressurizado que recebe o excesso de água (mais aditivo) quando o radiador se aquece. Quando a água resfria, seu volume diminui e o radiador chupa a água que foi para o reservatório. Isso funciona direitinho por alguns anos, principalmente enquanto o carro está na garantia. Depois de algum tempo, quando o carro já fugiu das autorizadas, começa a dar problemas em oficinas independentes.
Já briguei com a engenharia da Toyota e Honda sobre isso, perguntando por que não adotam circuito selado sob pressão como quase todos os fabricantes, mas eles alegam que não tem “relatórios de campo” sobre o problema. Claro, os carros que dão problemas não fazem mais manutenção no concessionário.
Briguei com este sistema no meu Cuitado, o Daihatsu/Toyota Charade 1995, até que cansei e fizemos um sistema selado sob pressão (com radiador do Civic e reservatório do Gol) e o problema acabou. Mas, resolvi tentar deixar original este “novo” Civic 2002 e fui pesquisar.
Primeiro, a tampa de radiador novinha e bonitinha estava errada: sua válvula de descarga para o reservatório abria com 0,9 bar e o correto seria 1.1 bar. Trocada, o radiador passou a mandar menos água para o reservatório. Mesmo assim, não recupera toda água enviada quando resfria.
Descobri também que a segunda ventoinha, que só ligava com o condicionador de ar, deveria funcionar sempre para resfriar mais rapidamente no tränsito urbano. Um sensor, um “cebolãozinho”, controla o funcionamento da segunda ventoinha, estava estragado, e foi trocado. O Civic está em Tatuí e eu em São Paulo. Renato, meu mecânico, rodou com o carrinho e afirma que agora as duas ventoinhas funcionam e parece que o nível de água se mantém no radiador. Espero ganhar a briga sem colocar uma gambiara no japinha.
Volta ao reino da incompetëncia
Enquanto o japinha rodava, aproveitei para descobrir detalhes e peças desaparecidas. Um enorme saco de lixo com uma colcha velha que passeava no porta-malas abrigava macaco, ferramentas, triangulo e um monte de peças sumidas, inclusive o bendito cinzeiro traseiro.
Mistério total: como se embrulha tudo isso em uma colcha que fede a sovaco de jacaré, quando se tem um grande Isopor embaixo da tampa do porta-malas com encaixe correto para tudo isso não fazer barulho.
Maia, uma pitbull do meu filho que acha que é um poodle, já se aproximou quando sentiu o cheiro da colcha e saiu feliz balançando o rabo depois de me lamber agradecendo a nova cama.
Detalhes foram consertados com a milagrosa cola instantânea e ferro quente para moldar o plástico e muita coisa foi reconstruída.
Na primeira viagem noturna, outros carros me jogavam luz alta na traseira logo depois da ultrapassagem. Parei num posto para checar se havia alguma luz de neblina acesa na traseira. Pior: Felipe Bitu já tinha me avisado e esqueci. Uma das lanternas de posição havia sido remendada. Alguém achou um pedaço de plástico com textura idêntica a da lanterna e fez um enxerto em local danificado. Detalhe: o remendo era branco, bem na frente da lâmpada, e eu rodava jogando uma “luz de ré” em quem vinha atrás. Envergonhado, desliguei a lanterna. Comprei uma lanterna nova “paralelinha”, que custou pouco mais de R$ 60. Provavelmente o remendo porco ficou mais caro. O valor de carros velhos nem sempre permite que se coloque apenas peças originais.
Dois problemas me incomodavam: “faltava som” na parte dianteira e a porta do passageiro estava barulhenta. As duas encrencas estavam ligadas. A porta havia sido remontada por alguém cuja progenitora certamente trabalhava na área de entretenimento erótico. O alto-falante estava sumido, assim como o limitador de abertura da porta. Tive de desmontar a porta do motorista (para checar o modelo do alto-falante) e fui salvo pelos meus cacarecos de estoque na garagem, onde havia um modelo igual em impedância e potência. O limitador de porta foi comprado original, em local onde mais se acha peças originais baratas: ferro-velho.
O resto da porta acompanhava a incompetência do cara que estava na profissão errada: fios soltos e sem isolamento, fechadura mal colocada, parafusos espanados, pinos de fixação de plástico desaparecidos, certamente usados como supositórios. Duas horas de trabalho recuperaram a porta que havia levado uma pancada, até bem consertada, mas montada por um trapalhão.
Executei dezenas de pequenos consertos e, claro, me ferrei em alguns. Os esguichadores de água no para-brisa estavam quebrados. Comprei novos, bonitinhos, e quando montei, eles esguichavam água na base do para-brisa, mesmo com o jato todo regulado para cima. Inúteis. Fui fuçar no lixo, resgatei os originais quebrados e fiz um gambiarra aquecendo canos metálicos para poder encaixar as mangueirinhas que levam água para lavar o vidro.
Pneus cantantes de Viena
Os pneus me lembravam um voo para Frankfurt, quando tiver o azar de compartilhar o avião com os Meninos Cantores de Viena, que voltavam de um tour pelo Brasil. No palco, eram uma graça. Mas, no avião eram uma peste, gritando e correndo a noite inteira.
Pois bem, os pneus “novos” (segundo o ex-dono de Civic que caiu em todas as armadilhas possíveis de manutenção) se tratavam de lindos exemplares remold de última qualidade. Cantavam na estrada, acima dos 100 km/h, a ponto de parar a cada hora para evitar dor de cabeça.
Ainnnn, mas remold é sempre uma droga… Não é bem assim. A maior desvantagem dos remold está na carcaça, geralmente diferente em pneus aparentemente iguais, e na menor durabilidade. Até existem remold com melhor qualidade, já usei, selo do Inmetro e tudo, só que seu custo se aproxima muito dos pneus novos. Uma equação complicada.
Os que estavam no Civic eram exemplares: lixo de dirigibilidade, lixo de aderência e não podiam ver uma nuvem mais escura que já começavam a aquaplanar até em pista seca. Chegamos até a checar rolamentos de roda achando que haviam estourado, mas estava tudo em ordem.
Só que aí entra um das minhas obsessões: rodas. O nissei de Sumaré, sendo um LX, veio com rodas de ferro aro 15″ e calotas. E alguém colocou rodas de liga estranhas e ainda por cima aro 14″.
Rodo com carro feio, sujo, de cor que não gosto… Mas rodas que não combinam com o carro me incomodam. Muito. Assim, além de pneus novos, tinha de caçar rodas. Depois de muita procura, encontrei um jogo do EX 2004, originais e usadas, com a pintura bem desgastada. Com essa pintura gasta fica mais fácil perceber que não tinhas soldas ou amassados. Gosto mais do modelo 2004, pois parecem “encher” mais a caixa de rodas, tirando aquela visão de traseira que lembra uma galinha ou o velho Frango da Sadia. E as rodas do modelo 2002, com raios “palito” ainda seriam mais difíceis de limpar.
Rodas pintadas, quatro pneus novos montados e balanceados (de uma marca asiática recomendada por amigos) e minha vida mudou. Sim, o dinheiro traz felicidade na forma de pneus quietos, com aderência, e rodas que combinam com o Civic Tiozinho. A primeira vez que cheguei a 120 km/h sem aquela gritaria no asfalto, comecei a rir sozinho. Ô, glória… E aparência do Civic passou a ficar bem mais agradável.
Mais um brinde: aquela gritaria dos pneus remold também significavam excesso de atrito com o asfalto, e veio mais um pequeno degrau de consumo. O Civic começou a fazer 13 km/l. Claro que ajudado pelos 2.000 km rodados com o novo motor.
Suspensão estranha
As rodas traseiras estavam “caídas” (com mais de 1º de câmber negativo) e havia barulhos nos amortecedores. Esta suspensão traseira independente do Civic é bastante eficiente e estável, mas trabalha com cinco buchas de borracha em cada roda, sofrendo bastante com a buraqueira. Desmontada, havia apenas uma bucha desgastada em cada roda (do braço superior, de apoio na carroceria) e os amortecedores foram trocados, colocados os Kayaba, marca original neste Civic. As rodas “zeraram” em sua posição (0º de câmber) e os barulhos na traseira desapareceram. Apenas o Renato rodou com o Civic vira-lata nesta nova fase, mas garante que já é outro carro.
Agora é partir para um bom tapa estético, comandado a distância pelo celular. O pessoal que faz manutenção nos meus carros, além de competente, sabe quanto um tio velho consegue ser pentelho. Vai demorar um pouco, mas virão novos capítulos.
JS