Foi no início dos anos ’50 que o jovem Ottorino Bianco chegou ao Brasil vindo diretamente da Itália, então com pouco mais de 20 anos de idade. A especialidade de Toni, como ficou conhecido aqui no Brasil, era a funilaria: o jovem era capaz de moldar em chapas de aço qualquer forma que fosse necessária, apenas batendo e moldando. Em 1954, já trabalhava em uma oficina especializada em moldar carrocerias especiais para os carros da época. Adquirindo conhecimento nessa área, começou já no final dos anos 50 a trabalhar nos carros de competição, sua verdadeira paixão.
No início dos anos ’60, além de moldar carrocerias, já havia aperfeiçoado a arte de construir chassis tubulares com sistemas de suspensões para os carros de pista. Nessa época, com o então sócio e amigo, Chico Landi, nosso primeiro piloto de Fórmula 1, construiu um monoposto batizado de Fórmula Jr. O pequeno monoposto tinha a versatilidade de receber várias mecânicas, de acordo com o gosto do freguês. O primeiro tinha um motor 4-cilindros 2-L do FNM 2000 JK, que tinha duplo comando de válvulas e câmaras hemisféricas.
Em 1965, Toni passou a ser membro da famosa Equipe Willys de Competição, organizada equipe de corridas da marca, detentora de uma das melhores estruturas esportivas da época. Na equipe Willys, Toni Bianco trabalhou nos Renault Alpine A110, em 1966 construiu o protótipo Mark I (com mecânica Renault francesa), e em 1967 desenvolveu e construiu o lendário Mark II, carro de competição que ficou nacionalmente conhecido como Bino, um dos carros brasileiros que mais venceu corridas em nossas pistas, com chassi tubular e suspensões baseados no Lotus Europa. Na mecânica, Toni usou no Bino um potente motor Renault de competição de 1,3 litro, que desenvolvia cerca de 130 cv, trabalhando junto com um câmbio inglês Hewland de cinco marchas.
O design, a aerodinâmica, a carroceria, chassi e suspensões, todos frutos da genial criação de Toni Bianco. O carro tornou-se quase imbatível nas pistas brasileiras, sempre nas mãos do hábil piloto Luiz Pereira Bueno. Aproveitando a grande experiência que adquiriu no vitorioso Bino, Toni Bianco começou a desenvolver no início dos anos 1970 o Fúria, protótipo de competições biposto construído em chassi tubular, que poderia abrigar a mecânica que interessasse ao piloto. Esses protótipos foram feitos com mecânicas Alfa Romeo, Ferrari, Lamborghini e BMW, com resultados positivos e conduzidos por pilotos experientes de nosso automobilismo, como Camillo Christófaro e Jaime Silva. Também nessa época, Toni recebeu a incumbência da FNM de construir um esportivo com mecânica do FNM 2150, o qual foi feito apenas um protótipo, não chegou a ser produzido em pequena série.
Além de rápido nas competições, graças também ao bom chassi tubular e suspensões, o Fúria tinha um design bem atraente e interessante, que chegou até mesmo a receber elogios internacionais. Esse fato deu a Toni Bianco a ideia de fazer um carro de rua com as linhas básicas do Fúria, tão elogiadas. Assim nasceu o Bianco S, um esportivo nascido nos moldes de Puma, Miura, entre outros fora-de-série nacionais: a receita básica era o chassi rolante do VW Brasília, com toda a sua mecânica, incluindo o motor 1600 de dupla carburação com uma leve, estilosa e aerodinâmica carroceria construída em compósito de fibra de vidro.
Dos fora-de-série (foto de abertura), o Bianco S era um dos mais bonitos, com linhas oriundas diretamente das competições. Em sua primeira aparição, no Salão do Automóvel de 1976, o Bianco S já saiu com cerca de 180 encomendas de consumidores encantados com as linhas do novo esportivo que estava sendo lançado. O carro foi um tremendo sucesso, tanto que no Salão de 1978 já foi apresentada a Série II (ou Bianco SS, como ficou mais conhecido), com algumas mudanças estéticas e melhorias ergonômicas. Ao todo, mais de 1.000 unidades do Bianco foram produzidas somando as duas séries.
No mesmo Salão do Automóvel de 1978 onde Toni mostrou o Bianco SS, também foi apresentado seu novo protótipo, batizado de Dardo e baseado no Fiat X1/9, um roadster italiano de dois lugares com motor central-traseiro transversa e capota targa. O Dardo F-1.3, como foi batizado oficialmente, foi o primeiro carro de rua a ser produzido com motor entre eixos (motor1300 e câmbio eram do Fiat 147 Rallye), que equilibra o peso entre os eixos, melhorando a estabilidade e a dinâmica do carro. Toni Bianco foi diretor da empresa Corona, fabricante do Dardo F-1.3, onde foi responsável pela área automobilística.
Em 1983, Toni começou a trabalhar no projeto de uma minivan, que seria o primeiro carro nacional nesse segmento. Pegando por base o conceito de um protótipo Matra apresentado no final dos anos 70 de um monovolume espaçoso para 7 passageiros, que acabou sendo adquirido pela Renault com o nome de Espace e lançado em série em meados de 1984. Toni era sempre atento ao mercado mundial, e baseado no bloqueio das importações no Brasil, com apoio da concessionária Ford Grancar, resolveu ele mesmo conceber e produzir sua minivan, totalmente baseado no design do projeto Renault.
A minivan criada por Toni Bianco, batizada de Grancar Futura, utilizava toda a mecânica da Belina, que na época era produzida pela Autolatina com câmbio e motor VW AP-1800 a carburador. Suspensão, direção, freios e interior eram da perua da Ford, tudo montado em um chassi tubular, e a carroceria era em compósito fibra de vidro. Vendida por cerca de 30 mil dólares, o monovolume familiar foi um sucesso de vendas, chegando a 157 unidades produzidas. Segundo Toni, o projeto foi interrompido quando o governo Collor congelou todas as contas bancárias brasileiras, inclusive as da empresa que gerenciava o projeto Futura. Nesse momento, a empresa acabou fechando as portas pois estava totalmente sem capital, encerrando a produção do modelo.
Depois disso, Toni Bianco prosseguiu fazendo alguns protótipos de carros especiais, utilizando sua experiência de produzir qualquer carro a partir de uma simples fotografia. Chegou a fazer esse trabalho para colecionadores e museus. Para o Museu do Automobilismo Brasileiro, sediado em Passo Fundo, RS, Toni chegou a criar, a partir de fotos e miniaturas, cinco réplicas de carros raros, que só existiam em imagens ou em algumas poucas unidades guardadas pelo mundo. Uma genialidade que poucos experts seriam capazes de fazer.
Hoje, aos 89 anos de idade, Toni Bianco se orgulha em dizer que completará 90 anos em janeiro de 2021. Seu último trabalho foi a execução do projeto Bruna, um esportivo conversível baseado visualmente no Bugatti Veyron, e que utiliza motor 2-L e câmbio automático do Hyundai i30, além de suspensão, freios e direção eletroassistida também vindos do modelo sul-coreano. Pesando cerca de 800 kg, o carro consegue ser rápido e ágil, e tem sua carroceria toda moldada em chapas de alumínio.
Até hoje, apenas um Bruna foi feito, e, em que pese a idade, Toni se diz capaz de produzir mais unidades do modelo se aparecerem interessados. Por curiosidade, o Bruna foi feito sem ajuda, unicamente por Toni, que demorou cerca de 3 anos trabalhando cerca de 8 horas por dia para finalizar o carro.
Toni Bianco é um nome que ajudou a escrever a história automobilística brasileira, graças ao seu empenho, criatividade e conhecimentos.
DM
Douglas Mendonça escreve a coluna “Perfume de carro” quinzenalmente às sextas-feiras.
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