Não sou um fã dos suves. O mesmo vale para os jornalistas especializados em automóveis, com quem convivi por duas décadas. Mas eu e meus colegas somos voto vencido quando confrontados com a preferência do consumidor do mercado nacional. O brasileiro adora suve. Homens, mulheres, jovens e velhos. Quem experimenta não quer saber de outro carro. E a maioria que não gosta é porque ainda não dirigiu um.
Parece exagero? Não culpe a mim, são os números que dizem isso. Um estudo do ranking de vendas oficial da Fenabrave revela como o suve se tornou o objeto de desejo do brasileiro. Dê uma boa olhada no gráfico abaixo.
No primeiro semestre de 2010, a categoria de SUVs representava apenas 7,6% das vendas. Cinco anos depois eles já ocupavam 12,8% do mercado. Hoje somam espantosos 29,5%. Significa que sua participação quase quadruplicou em 10 anos, enquanto outros segmentos encolheram. É impressionante esse crescimento.
E garanto que os números poderiam ser bem maiores não fossem dois fatores limitantes. O principal: os suves são mais caros que os hatches de entrada ou pequenos, historicamente as categorias mais vendidas, segundo a Fenabrave.
O automóvel mais barato do país é o Renault Kwid, por R$ 34.990. Entre os suves, o título é do Caoa Chery Tiggo 2, por R$ 59.790. Se não for ele (pois alguns alegam que não é um suve), será outro ainda mais caro. Líder do segmento, o Jeep Renegade (foto de abertura) vende mais que VW Polo, Fiat Mobi ou Renault Sandero, todos mais baratos.
O segundo fator limitante é que o suve ainda é um desconhecido por boa parte do público. Muito motorista nunca teve poder aquisitivo suficiente para colocar esse carro na sua garagem.
Quer dizer que toda essa massa consumidora passou a comprar suves loucamente pelo seu design de veículo robusto, estilo de vida aventureiro ou por algum aspecto aspiracional? Só isso não explica um produto que cresce a taxas alucinantes e ainda é bem mais caro que a concorrência.
Além dos fatores emocionais, os suves entregam três benefícios bem racionais que cativam rapidamente quem tem a oportunidade de dirigi-lo por alguns dias. Vamos a eles.
Ponto H mais elevado
Geralmente o suve possui um ponto H mais alto. É a medida que vai da bacia do ocupante do veículo até o solo (o H vem de “hip”, quadril em inglês). Portanto, quanto maior o ponto H, mais elevada é a posição de dirigir. É tão importante para a engenharia que o veículo é todo projetado a partir dele.
Na prática, o ponto H elevado entrega ao motorista duas vantagens que ele não encontra num hatch ou sedã tradicional. Dirigindo um suve na cidade ou estrada, temos uma visão privilegiada e podemos acompanhar melhor o trânsito por cima do veículo da frente. Assim, nossas reações ao volante são mais rápidas.
Se um carro lá na frente parar de repente, você consegue frear ou desviar antes de o fluxo parar. Pode até escapar de um acidente. Depois de alguns dias encarando situações como essa, fica difícil voltar a um automóvel mais baixo.
Ao parar no sinal junto à calçada, percebe-se o segundo benefício do ponto H elevado, mais sutil. Qualquer pedestre ou vendedor ambulante que se aproximar da sua janela, mesmo fechada, vai causar apreensão. Nunca se sabe se é um assalto. Quando o motorista está mais baixo, há um grande desconforto psicológico, pois ele assume uma situação de submissão.
Já no suve, o condutor se sente menos intimidado. Basta você se imaginar sentado na cadeira de um escritório quando um convidado chega e conversa com você, enquanto ele permanece de pé.
Ângulo de entrada maior
É o ângulo que se forma entre o piso e a parte inferior frontal do veículo. Também chamado de ângulo de ataque, quanto maior ele for, mais fácil subir uma rampa inclinada ou uma calçada sem raspar o bico do veículo. É um atributo técnico muito valorizado em modelos off-road, mas na cidade ele tem mais utilidade do que parece.
Sabe qual é uma das primeiras alegrias do motorista que acaba de comprar um suve? Quando volta para casa, encara a rampa da garagem e vê que a frente não raspou. Antes, ele precisava passar devagar com seu sedã. Agora, percebe que pode até entrar mais rápido garagem.
Suspensão alta
Um suve que se preze tem o conjunto suspensão/pneu mais elevado do que seu equivalente hatch ou sedã. É verdade que essa característica tende a reduzir a estabilidade do veículo em curvas. Por isso, o fabricante precisa ajustar a rigidez das molas e amortecedores para amenizar essa tendência.
No entanto, se o dono de suve pode perder por um lado, ganha ao trafegar no piso tão irregular das ruas e rodovias brasileiras. O que se traduz em conforto e segurança no dia a dia.
Visualize a cena: você está dirigindo à noite. Numa via mal iluminada, surge de repente um grande buraco. Seu instinto é desviar desesperadamente, pois sabe que o obstáculo pode estourar o pneu e danificar a roda. Ou pior, deixá-lo a madrugada toda esperando pelo socorro. Se for numa rodovia deserta, o cenário piora exponencialmente.
Agora substitua o veículo por um suve e imagine sua surpresa ao encarar o buraco e perceber que o impacto foi bem menor do que esperava. Afinal, pneus de suves costumam ter um perfil mais alto e são mais resistentes, assim como a suspensão tem mais curso de atuação.
Em uma situação como essa, dificilmente o motorista pensará em voltar a dirigir um hatch ou sedã. Quando eu trabalhava na revista Quatro Rodas, recebia vários comentários de leitores que não gostavam do comportamento dinâmico do suve e eram apaixonados pela dirigibilidade de um sedã, mas diziam que optaram pelo suve por causa do nosso asfalto ruim, mesmo nas grandes cidades.
Nem o custo maior de manutenção era suficiente para fazê-los mudar de ideia, mesmo sabendo que boa parte das peças de reposição é mais cara que as de um sedã equivalente. É o caso dos pneus, que costumam custar de 70% a 120% a mais. E por que em um suve tudo é mais caro? Isso já é tema para outra coluna.
E você, o que acha dos suves?
ZC
A coluna “Panorama” é publicada quinzenalmente às sextas-feiras e é de exclusiva responsabilidade do seu autor
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