Quando saiu na mídia a notícia que Gordon Murray faria um novo carro de passeio com semelhanças ao McLaren F1, de certa forma foi algo inesperado, afinal, estamos falando de quase 30 anos de diferença entre os modelos, e sem um verdadeiro sucessor ao F1.
Neste intervalo, Murray trabalhou em diversos outros projetos que nada tinham a ver com o antigo F1. Consolidou sua empresa, a Gordon Murray Design, mas ainda manteve uma pequena chama acesa sobre o que poderia vir depois do McLaren.
O resultado desta pequena chama que ficou iluminando ideias por 30 anos, chama-se T.50, que mostramos o esboço do projeto aqui no AE anteriormente, quando Murray divulgou as imagens dos desenhos conceituais do carro.
Falar de dados e números de desempenho, não são tão relevantes neste caso. O próprio criador do carro não se preocupou com a divulgação deles até agora, e não seremos nós que o faremos. Infelizmente ter a oportunidade de guiar um carro destes é bem remota, então falar de comportamento dinâmico, de como o carro deve se comportar, é mera especulação.
O que merece ser dito é que o T.50 não é só um novo McLaren F1, mas é uma homenagem ao verdadeiro espírito do carro esporte, que cada vez mais está desaparecendo com as novidades do mundo moderno. Assim como o F1, o T.50 foi feito para ser o melhor carro esporte do mundo, o que transmita ao motorista a melhor experiência ao volante para quem realmente gosta de dirigir.
A ideia básica é relativamente simples, assim como boa parte do conceito do carro. Um carro leve, com boa relação peso-potência, sem nenhuma baboseira que atrapalhe essa experiência ao volante.
Um carro apresentado em 2020 para produção em 2022 com um câmbio manual de seis marchas no clássico padrão H já demonstra que é um projeto sério o suficiente para ser notado. Nas palavras do próprio Murray, o carro nasceu baseado na ideia do F1 mas corrigindo todos os problemas que ele via no modelo original. “Fazer um carro melhor que o McLaren F1 em todos os meios possíveis.”
Questões de acesso ao interior, acesso aos compartimentos de carga, manutenção e usabilidade foram pontos muito trabalhados no T.50, pois eram questões que ainda incomodavam Murray no F1. Fazer um carro esporte rápido é relativamente fácil, o difícil é fazer um que, além de rápido, seja prático e confortável, e é exatamente o que o T.50 representa. Um verdadeiro carro esporte que pode ser usado normalmente.
A principal característica do novo carro é o grande exaustor montado na traseira do carro, assim como tinha no Brabham de F-1 dos anos 70, que teria facilmente ganhado todas as corridas que disputasse. É um recurso ousado e chamativo para um carro de passeio? Sim, mas o motivo dele existir é muito mais nobre do que apenas chamar a atenção. Como falamos no texto de apresentação do T.50 aqui no AE, a função básica deste exaustor é gerar downforce, a força vertical descendente, em conjunto com um sistema muito inteligente de entradas e saídas de ar sobre o carro e no assoalho.
Apenas gerar força vertical é uma parte das tarefas do sistema, mas o motivo dele existir é bem maior. Se você trabalha com grandes forças verticais aerodinâmicas na forma tradicional, com grandes extratores de ar, aletas, enormes asas montadas na traseira do carro, as forças estarão sempre lá, atuando, e quanto mais rápido se vai, mais força é gerada. Até ai, a ideia é essa mesma, mas há contrapontos. O carro tem que trabalhar com uma suspensão muito dura para suportar as forças aerodinâmicas que crescem com o aumento da velocidade.
Com o sistema do T.50, estas forças são “controláveis” e o carro pode ter uma suspensão mais macia e confortável para quando não está a 300 km/h, mas apenas passeando na estrada a 120 km/h. Em outras palavras, o downforce aparece só quando necessário.
Murray é adepto da filosofia minimalista. Nada de asas, aerofólios, flapes e penduricalhos no carro. A forma tem que ser pura e simples. A grande magia (e desafio) da engenharia é exatamente essa, fazer algo simples que funcione como esperado. Seus tempos de projetista de carros de Fórmula 1 só reforçaram essa lógica. O McLaren F1 nasceu desta ideologia, com os recursos que tinham disponíveis na época. A ideia do extrator trabalhando junto com exaustores elétricos já existia nele, mas de uma forma mais discreta, porém, com a mesma proposta.
Além da aerodinâmica supermoderna, o T.50 tem um dos motores a combustão interna mais espetaculares já vistos em um carro de passeio. A Cosworth criou um V-12 aspirado de 4 litros que gira a mais de 12.000 rpm e entrega mais de 660 cv. É uma potência parecida com o V-12 da BMW do McLaren F1, mas num conjunto mais compacto e mais leve. Murray se orgulha de ser o motor nesta configuração de maior potência específica de um carro de passeio, com 166 cv/L num motor de aspiração atmosférica. Nada de tecnologia híbrida ou elétrica, como é a moda atual dos supercarros. Potência puramente mecânica.
O som do motor era algo muito importante no projeto, pois faz parte da experiência de dirigir, ainda mais com um V-12 aspirado como este. A atenção aos detalhes chegou ao ponto de terem trabalhado a espessura da fibra de carbono do duto de indução de ar que fica em cima da cabine para criar a frequência de ressonância acústica mais agradável para passar o som do motor para os ocupantes.
Já foi dito que o T.50 não irá perseguir o antigo recorde de velocidade do F1. Velocidade máxima não é o objetivo do T.50, e também não era do F1, mas foi uma consequência do projeto como um todo. Obviamente, depois que viram o potencial do carro, trabalharam em cima do tema, mas o carro não nasceu para ser o mais veloz do mundo, como foi o Bugatti Veyron.
Leveza é o foco do projeto. Um carro leve é um carro rápido, ágil, e também mais econômico. Os conceitos de construção de fibra de carbono são os mais modernos que existem. O monobloco de compósito é duas vez mais rígido que o F1 e o carro todo pesa só 986 kg, incríveis 150 kg mais leve que o seu antecessor.
Pode parecer simples dizer que conseguiram fazer um carro mais leve que o McLaren, pois hoje a tecnologia de materiais é muito mais evoluída, que o carro não tem nada de recursos, etc, etc. Não é o caso, pois diferente do F1, o carro tem um ar-condicionado que realmente funciona, tem mais espaço para bagagem e seus três ocupantes, sistema de som com 10 alto falantes, GPS, e tudo que se precisa. Veja bem, tudo que se precisa, não que está disponível no mercado.
O T.50 é pequeno, do tamanho de um Porsche Boxster moderno. Novamente, um carro pequeno é um carro ágil. Mas estamos falando de um Boxster de 660 cv, e mesmo assim, o carro é equilibrado. Os pneus, por exemplo, são de tamanhos convencionais e nada exagerados. Os dianteiros, 235/35 aro 19” e os traseiros 295/30 aro 20”. E não devem custar uma fortuna como os do F1, que eram especiais por conta da velocidade máxima.
Assim como o F1, o T.50 foi feito para agradar o motorista, e um dos principais pontos em um carro esporte é a conexão e sensibilidade da direção com o solo. A verdadeira pureza pede que não existam interferências entre o pneu e o motorista, e o T.50 respeita isso. A direção é basicamente desassistida, nas condições normais de uso. Mas como o F1 era ruim de manobrar e isto era um problema, Murray colocou uma assistência elétrica que atua somente em baixas velocidades para manobra. Em uso, o carro não tem assistência, para manter a pureza que ele julgava necessária para seu projeto.
Em uma entrevista recente, Murray foi perguntado por que nunca ninguém fez um outro McLaren F1 nestes 30 anos. Existiram vários outros grandes carros neste período, como diversos Ferraris, Porsches, Bugattis e mesmo McLarens, mas nenhum na mesma linha do F1. A resposta de Murray foi simples e objetiva, e acho que certeira: nunca entenderam o que existe por trás do conceito. E provavelmente ele está certo.
Desde os primeiros Lotus de Colin Chapman com sua filosofia minimalista e sua evolução, o carro esporte puro vem sofrendo cada vez mais contra os requisitos do mercado moderno. Infelizmente é verdade, mas quase não se procura mais um carro pelo puro prazer de dirigir, nos moldes do F1 e do T.50. O mercado é mínimo para este nicho. Não quer dizer que os outros carros são ruins, longe disso, mas possuem outra proposta, diferente do que Murray acredita.
Uma facilidade que o T.50 teve para ser concebido foi o fato de não estar no portfólio de nenhuma grande empresa de produção de carros em massa. Na sua própria empresa, Murray faz as coisas como acha que devem ser feitas, faz correções no projeto com grande agilidade e não precisa passar pelas burocracias que estão cada vez mais acabando com a indústria.
Falando em indústria, o T.50 terá todos os seus principais componentes (chassi, carroceria, motor e transmissão) feitos na Inglaterra, pois é um projeto inglês e lá deve ser fabricado.
Existe uma frase que acabou pegando como um slogan do T.50 diz que ele deve ser o último grande carro analógico do mundo. É possível que seja verdade, pois é muito improvável que alguém faça algo similar com as mesmas ideologias e o refinamento deste carro. Mesmo com controles de estabilidade, ABS e alguns outros recursos eletrônicos, o T.50 não deixa de ser “analógico” se comparado com carros como o McLaren P1 e Porsche 918, repletos de outros controles eletrônicos e motores elétricos. Acredito que Murray fez os sistemas de auxilio ao motorista da forma menos intrusiva possível, para não interferir na experiência de pilotar.
Quando os primeiros carros estiverem prontos e começarem a aparecer na mídia, teremos uma noção dos números de desempenho, mas, sinceramente, acredito que não vão refletir o verdadeiro significado deste carro. O que Murray se propôs a fazer não é definido em números, mas em sensações, percepções e atenção aos detalhes. Isso não pode ser medido, só vivenciado.
Vamos torcer para que o último carro analógico feito para entusiastas não seja uma homenagem final ao prazer de dirigir, cada vez mais deixado de lado em prol do irreal mundo perfeito da poluição zero e carros autônomos que dispensam motoristas.
MB
FICHA TÉCNICA GMA T.50 | |
MOTOR | |
Designação | Cosworth GMA |
Descrição | V-12 a 65º semiestrutural, arrefecido a líquido com dois radiadores de alumínio na dianteira, bloco e cabeçotes de alumínio, bielas de titânio, duplo comando com acionamento por engrenagens, variador de fase admissão e escapamento, 4 válvulas de titânio por cilindro inclinadas, captação de ar dinâmico com 4 corpos de borboleta, sistema de ruído de aspiração, injeção direta, lubrificação por cárter seco, escapamento de Inconel e titânio, radiador de óleo na traseira, ignição direta por 12 bobinas, 4 catalisadores e injeção de ar secundária, coxins semiestruturais, alternador-motor de partida arrefecido a líquido com radiador e ventilador, módulo potência arrefecido a líquido |
Cilindrada (cm³) | 3.994 |
Diâmetro x curso (mm) | 81,5 x 63,8 |
Potência (cv/rpm) | 663/11.500 |
Torque (m·kgf/rpm) | 47.6/9.000 |
Potência específica (cv/L) | 166 |
Taxa de compressão (:1) | 14 |
Flexibilidade (% do torque máx./rpm) | 71 / 2.500 |
Corte de rotação (rpm) | 12.100 |
Relação potência-peso (cv por t) | 672 |
Relação peso-potência (kg/100 cv | 150 |
Motor de partida/alternador | Motor de partida/gerador de 48 V, acionamento por engrenagem |
Peso total do motor (kg) | 178 |
TRANSMISSÃO | |
Arrefecimento | Radiador de alumínio |
Embreagem (Ø mm) | 184, três discos de silicone e titânio |
Câmbio | Transeixo transversal, carcaça de liga de alumínio com câmbio manual de 6 marchas e ré (com trava física separada), todas sincronizadas, engrenagens do câmbio retas e do par final cônicas, lubrificação forçada por bomba, radiador de alumínio, diferencial de deslizamento limitado (Salisbury), tração traseira |
Relações das marchas (:1) | 1ª 2,833; 2ª 2,095; 3ª 1,577; 4ª 1,226; 5ª 0.971; 6ª 0,744 |
Par cônico de entrada (:1) | 1,688 |
Relação de diferencial (:1) | 3,176:1 |
Semiárvores de tração | Ocas por usinagem com juntas tripóides |
Sexta marcha longa opcional (:1) | 0,595 |
Peso (kg) | 80,5 |
CHASSI | |
Suspensão dianteira | Triângulos superpostos de alumínio forjado, conjunto mola de aço e amortecedor de alumínio concêntricos atuado por haste de compressão que altera a progressivamente a constante elástica da mola, barra antirrolagem e manga de eixo de liga de alumínio |
Suspensão traseira | Triângulos superpostos de alumínio forjado com braço de controle de convergência, conjunto mola de aço e amortecedor de alumínio concêntricos atuado por haste de compressão que altera a progressivamente a constante elástica da mola,e manga de eixo de liga de alumínio |
DIREÇÃO | |
Tipo | Pinhão e cremalheira com eletroassistência em baixa velocidade apenas |
RODAS | Alumínio forjado, dianteiras 8,5×19, traseiras 11×20, fixação central em cubos leves tipo Fórmula 1 |
PNEUS | Dianteiros 235/35R19, traseiros 295/30R20, Michelin Sport 4 S |
FREIOS | |
Especificação | Disco Bembo carbocerâmicos, ABS, assistência a vácuo |
Dianteiros (Ø/espessura, mm) | 370/34 |
Traseiros (Ø/espessura, mm) | 340/34 |
Pinças de freio dianteiraa/traseiras | Monobloco de liga de alumínio, 6 pistões/idem 4 pistões |
Freio de estacionamento | Manual por alavanca, dois cabos, soltura rápida |
CONSTRUÇÃO | |
Descrição | Sanduíche de múltiplos painéis de fibra de carbono com núcleo de colméia de alumínio colados com insertos de carbono ou metálicos |
Carroceria | Monopeça e painéis com núcleo de fibra de carbono |
AERODINÂMICA | |
Princípio básico | Efeito solo com sistema aerodinâmico de ventilador interativo, defletores duplos na traseira |
Ventilador | Multipá de passo fixo |
Motor do ventilador (kW/V) | 8,5/48 |
Rotação máxima do ventilador (rpm) | 7.000 |
Empuxo do ventilador (kg) | 15 |
Difusor ativo | Atuação elétrica |
Defletores | Atuação elétrica |
Modos aerodinâmicos | Auto (automático), intensificador de frenagem (automático), configurador aerodinâmico (selecionável a bordo), intensificação de velocidade máxima (selecionável a bordo), intensificador de frenagem (automático), força vertical descendente máxima (selecionável a bordo), teste (selecionável a bordo) |
SISTEMA DE ALIMENTAÇÃO | |
Descrição | Tanque de liga de alumínio de 80 litros incluindo 6 litros de reserva; bombas de combustível submersas e bomba principal de alta pressão |
ASSISTÊNCIA AO MOTORISTA | Controle de estabilidade e tração (desligáveis) |
CONTROLES PRIMÁRIOS | |
Descrição | Volante de direção de fibra de carbono de Ø 350 mm, pedais de freio e embreagem de liga de alumínio, pedal de acelerador de titânio, alavanca de câmbio de titânio |
CONTROLES SECUNDÁRIOS | |
Interruptores rotativos | Modo de motor, modo aerodinâmico, luzes, aquecimento e climatização, lavador/limpador de para-brisa, infotenimento |
Telas de informação | Direita para infotenimento, esquerda para dados do carro, motor, aerodinâmica |
Sistema de áudio | Arcam, 700 W, 10 alto-falantes |
Instrumentos | conta-giros analógico de Ø 120 mm |