Considero a embreagem automática um dos equipamentos mais úteis nos carros de câmbio manual, mas ela não “pegou” aqui, o que acho intrigante. Isso porque é um sistema automático que substitui muito bem a operação pelo tradicional pedal e sua utilidade reside num aspecto fundamental: só temos dois membros inferiores. O trabalhoso num carro manual quando dirigindo no trânsito congestionado, anda e para, é justamente usar a embreagem. Passar as marchas não dá trabalho algum.
Esse motivo de eu ser fã dos câmbios robotizados monoembreagem: ausência do pedal de embreagem, trocas manuais com toques na alavanca e, quando eu quiser, disponho de trocas automáticas.
Meu primeiro contato com a embreagem automática foi nos DKW-Vemag ainda na década 1960. Ela nunca foi item de série, sempre acessório original para montagem na concessionária. Seu nome era Saxomat e era produzida pela Fichtel & Sachs, atualmente só Sachs e pertencente à ZF. A Fichtel & Sachs fornecia a sua embreagem automática para várias fabricantes, como a Auto Union/DKW, Daimler-Benz, Borgward,as que me vêm à cabeça. Até Renault Dauphine tinha opção de embreagem automática no catálogo, sistema francês denominado Ferlec. Nem o alemão oriental Trabant 601 se furtou de oferecer o equipamento opcional chamado embreagem Hycomat.
Na foto de abertura a mensagem da propaganda é “Pedal por conta do Saxomat”, vendo-se o “X” de pedal de embreagem eliminado.
No regulamento técnico FIA Grupo A, vigente a partir de 1982, era permitido modificar a embreagem para automática mesmo que não fosse item homologado para o modelo. Durante muito tempo pilotos de rali tinham embreagem automática nos carros de competição justamente pela facilidade, os pés só precisavam se ocupar do freio e do acelerador. O punta-tacco era desnecessário.
Saxomat, sistema eletromecanicopneumático
O sistema automático Saxomat era misto: centrífugo, elétrico e pneumático. O centrífugo consistia de um platô de embreagem específico, com massas que se movimentavam por centrifugação e ao fazê-lo levavam a placa de pressão a pressionar o disco de embreagem, movimento correspondente a soltar o pedal de embreagem, ou seja, acoplar a embreagem para movimentar o veículo.
Veículo parado, motor ligado, era engatar primeira e acelerar. Exatamente como nos scooters de embreagem automática. Ou um carro de câmbio automático, basta acelerar para o veículo se movimentar.
Para as trocas ascendentes sucessivas e estando a embreagem acoplada — massas centrífugas expandidas — outro sistema encarregava-se de desacoplar a embreagem, para isso se valendo do vácuo do coletor de admissão para afastar a placa de pressão do disco.
Na alavanca de câmbio (que fazia parte do kit) havia um minicontato elétrico na sua base para que quando fosse tocada ao movimentá-la para engatar a marcha seguinte, um solenoide no interior de uma válvula era acionado e esta fazia a comunicação do vácuo do coletor admissão com a câmara de vácuo, semelhante à de um servofreio, que tinha força suficiente para movimentar uma alavanca de embreagem tipo das usadas nas embreagens comuns, que movimentava a árvore do garfo e o próprio, desacoplando a embreagem.
Tudo muito fácil de usar, era como se um motorista hábil estivesse usando a embreagem corretamente. era até possível fazer o motor pegar no tranco. Como?
Contrapesos
O platô de embreagem tinha três contrapesos com mola que se expandiam (centrifugavam) à menor rotação do motor. Com este desligado eles recolhiam e encaixavam-se numa coroa com rampas no cubo do disco de embreagem (foto abaixo). Isso permitir deixar o carro engrenado quando estacionado.
Um dia deduzi que eu sozinho podia ligar a ignição, engatar primeira, sair do carro.e empurrá-lo, sabendo que motores dois-tempos são leves para empurrar e pegam rápido. Sabia também que o motor, ao pegar logo, os três contrapesos imediatamente se expandiriam e a embreagem permaneceria desacoplada, uma vez que o motor estaria em marcha-lenta. Não deu outra.
Empurrei, o motor logo funcionou e o carro ficou parado esperando, com motor ligado, que o motorista (eu) se sentasse ao volante.
Quando eu fazia essa “demonstração” as pessoas ficavam impressionadas com o fato de o motor pegar e i carro ficar parado apesar de engrenado em primeira.
Hoje
Isso que contei acima é passado, ocorreu há 57 anos. Com a evolução aplicada aos veículos, a embreagem automática também evoluiu e são usadas sem que nos demos conta disso, pois estão em todo câmbio robotizado, seja de uma ou duas embreagens. Atuadores elétricos gerenciados por computador se encarregam de controlar a embreagem à perfeição.
Tivemos aqui bons exemplos de embreagem automática em câmbio manual, como o Mercedes-Benz A 160/190 AKS (sigla de sistema de embreagem automática em alemão) em 1999, o Fiat Palio Citymatic em 2000, e o Chevrolet Corsa AutoClutch em 2002, mas, como eu disse no começo, o mercado rejeitou. Até nosso leitor Telmo Ryoiti, dono de um Mercedes A 160, mandou colocar acionamento da embreagem a pedal no seu carro, com receio de problemas.
Em que pese muitos proprietários terem tido problema com a embreagem automática, sempre tinha solução rápida e não era tão caro o reparo. E grande parte dos problemas era o mesmo dos câmbios robotizados, achar que por a embreagem ser automática o carro pode ser mantido imobilizado num aclive “no motor”, superaquecendo a embreagem.
Em 2015 a Bosch propôs um controle eletrônico de embreagem chamado eCS (electronic clutch system) simples e inteligente, alvo de matéria aqui no AE. Lamentavelmente nenhum fabricante aqui o adotou. Vale a pena ler ou reler.
O automatismo da embreagem é mesmo um bônus. Basta entendê-lo e utilizar a comodidade corretamente.
BS
(Atualizada em 3/01/21 às 23h50, correção no texto, o Chevrolet Meriva Easytronic foi citado como tendo câmbio manual de embreagem automática, era robotizado de cinco marchas)