Encontrei um amigo que passou alguns meses no México. Ele comentou que me ouviu no Auto Papo (rádio), falando de uma operação de fiscalização da ANP na capital paulista.
Eram fiscais (acompanhados da polícia) que encontraram uma das maiores lambanças ao chegar num posto que estava sendo abastecido de gasolina por um caminhão-tanque.
Para começo de conversa, o posto tinha sua licença revogada e operava ilegalmente. Além disso, a gasolina do caminhão não continha uma gota sequer de álcool, necessariamente adicionado (em 27%) para que ela chegue à octanagem regulamentar. Pura, ela prejudica o desempenho e pode até provocar a quebra do motor caso este não tenha a salvaguarda do sensor de detonação.
E a “cereja do bolo”: o caminhão era roubado…
O amigo me contou, a propósito, ser inimaginável a audácia da máfia mexicana que controla a adulteração de gasolina e seu roubo em caminhões-tanques e até em oleodutos. É tão marcante no país que até ganhou nome: Huachicol.
Os mafiosos foram agora ainda mais ousados ao idealizarem uma variação sobre o Huachicol nos postos: tomar de assalto as cabines de pedágio nas principais rodovias federais.
Chegam armados, obrigam o operador da cabine a deixar a cancela aberta e sumir do mapa. Postam-se então encapuzados na pista de acesso para cada cabine com uma mochila na cintura e param os veículos, exigindo um valor para liberá-los. O motorista deve colocar sua “contribuição” pelo zíper aberto da mochila e o mafioso decide se o valor é coerente a partir de critérios subjetivos: o tipo de veículo, o jeitão do motorista, número de passageiros, etc. O motorista se vê forçado a aceitar a extorsão até por não saber (mas imaginar…) o que mais contém aquela mochila. A operação é chamada “Huachicol dos pedágios” e assim noticiada pela imprensa local e internacional.
A polícia? Às vezes a Guardia Nacional prende um ou outro mafioso para simular combate ao crime organizado. Mas há quem diga que a polícia tem o seu quinhão para deixar em paz os “huachicualeros”.
O governo mexicano? Só falta declarar expressamente ser incapaz de combater o crime. O presidente do país chegou a sugerir “Abrazos en lugar de balazos” (“Abraços em vez de tiros”).
A máfia brasileira não é tão afrontosa, mas também cuida muito bem de seu “modelo de negócios”. Em relação aos combustíveis, comete os mais variados crimes:
Sonegação de impostos – O imposto estadual (ICMS) difere em cada estado. O combustível então é adquirido com nota fiscal (irregular) em outro estado para reduzir os tributos estaduais. Só este crime representa dezenas de bilhões de reais sonegados anualmente. Já se tentou uniformizar o imposto estadual em todo o país para evitar este desvio, mas há todo tipo de obstáculos.
Adulteração do combustível – O posto desonesto aumenta a proporção de álcool (que é mais barato) na gasolina. Ou acrescenta nafta. E entrega gato por lebre. O álcool também não escapa e recebe maior volume de água. O diesel é fornecido sem o obrigatório biodiesel. Adulteram até o Arla 32, um líquido que reduz as emissões dos motores diesel. Sofrem o motor e a atmosfera.
“Bomba baixa” – Por controle remoto, o posto altera o volume de combustível entregue ao dono do carro. Se chega um fiscal, o controle remoto corrige a fraude.
Roubos em oleodutos – A placa “Cuidado ao escavar: oleoduto a uma profundidade de x metros” é um convite às perfurações. São centenas destes perigosos roubos que provocam vazamentos com riscos de incêndios.
Todas essas atividades criminosas representam centenas de bilhões de reais desviados anualmente das empresas, cofres públicos e consumidor. A maioria destes postos pertence a quadrilhas organizadas (tipo PCC) que também os utilizam na lavagem de dinheiro do tráfico de drogas.
E quase inviabilizam a operação dos empresários honestos, incapazes de competir por ter custos obviamente maiores, pois recolhem tributos e fornecem combustível de qualidade e quantidade corretas.
As grandes distribuidoras de combustíveis no Brasil estão descredenciando postos flagrados em operações fraudulentas. Só a BR cortou recentemente o contrato de cerca de 700 deles, 10% do total de sua rede. Também a Ipiranga, Raízen e Ale enfrentam o mesmo problema e procuram eliminar empresários mafiosos (ou seus “laranjas”) de suas redes de distribuição.
Uma das tristes conclusões de tudo isso é a dificuldade de o motorista brasileiro confiar num posto, pois tanto alguns franqueados por grandes marcas, como outros que não pertencem às suas redes (“bandeira branca”), prejudicam governo e consumidor.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva reponsabilidade do seu autor.
Mais Boris? autopapo.com.br!