Estamos no início do século 20, e o Ford Modelo T começava a inundar o mercado americano, graças ao baixo preço, simplicidade construtiva e baixíssimo custo de manutenção. Um absoluto sucesso que começou a ser imitado por todos os concorrentes em todo o mundo. E essa versatilidade construtiva do Modelo T levou o genial Henry Ford a criar um segmento no recém-criado mercado de automóveis que nenhum fabricante tinha se dado conta: Um pequeno caminhão que pudesse ser ágil e prático para cargas leves e medianas.
Assim, em julho de 1917, a Ford lançou o primeiro conceito de picape no mundo (foto de abertura). Batizado de TT, o então novo modelo era vendido inicialmente com a parte dianteira semelhante à do Modelo T, e na parte traseira apenas o chassi, para que seu comprador colocasse sobre as longarinas o que lhe conviesse, seja uma carroceria de madeira ou um pequeno baú para transportar carga. Em vez de usar o leve chassi do T, a robusta picape TT era baseada no chassi do trator Fordson, com longarinas mais espessas e adequadas ao peso, e um eixo traseiro e feixe de molas que permitiam o transporte de até 1 tonelada de carga. Um espanto para a época.
O modelo TT, que pode ser classificado como a primeira picape do mundo, era equipada com um motor de quatro cilindros e 3.3 litros, podendo ter duas opções de câmbio: uma com relações mais curtas que limitava a velocidade em 24 km/h, para locais onde tivessem muitos aclives e o veículo transportasse quase sempre sua capacidade máxima de carga, e outra mais longa que permitia o automóvel atingir os 35 km/h em locais onde as características topográficas fossem mais favoráveis.
Uma curiosidade interessante é a de que, durante a Primeira Guerra Mundial, o Ford Modelo TT foi a primeira ambulância utilizada para salvar vidas nos campos de batalha, justamente por sua agilidade e por conseguir trafegar em difíceis condições de terreno.
Essa pioneira picape foi a tábua de salvação também para os sitiantes e fazendeiros americanos (e depois por todo o mundo, inclusive no Brasil), já que era uma útil ferramenta de trabalho para o campo, onde transportava animais, alimentos, feno e por aí vai. Era muito superior aos cavalos e carroças utilizadas na época. Surgiu assim a picape como ferramenta de trabalho para quem necessitava transportar menores cargas com maior rapidez.
Aqui no Brasil, a Ford foi a primeira indústria automobilística a se instalar, na Rua Florêncio de Abreu, no centro de São Paulo. De lá saíram os Modelo T e, a partir de 1923, também o Modelo TT, nossa primeira picape. Em 11 anos de produção, foram fabricados cerca de 1,5 milhão de unidades do Ford TT pelo mundo, e esse sucesso continuou em 1927 com o lançamento da picape do Modelo A (sucessor do T).
Chamada de Modelo AA, essa novidade reunia as qualidades do Modelo TT e várias outras, como, por exemplo, um design mais atual, mas sempre mantendo a robustez e facilidade de manutenção como pontos fortes. Sua mecânica era a mesma do TT, gerando algo ao redor dos 40 hp, e com duas opções de relação do câmbio de quatro marchas: mais curta e mais longa. O Ford Modelo AA tinha seu maior diferenciador na capacidade de carga aumentada para 1,5 tonelada, obtida graças a reforços nas longarinas do chassi, feixes de mola e eixo traseiro. Se a picape TT já era pau para toda obra, o Modelo AA virou a preferências das indústrias, fazendeiros e sitiantes mundo afora.
Em 1933, o modelo AA foi substituído pelo mais moderno BB, baseada no Modelo B, que trazia soluções construtivas ainda mais modernas. Logo depois, em 1935, outro grande marco para a história das picapes: a Ford lançava a primeira picape com motor V-8, um flathead que surgiu em 1932, e agora era destaque sob o capô desse novo modelo que unia um melhor desempenho ao transporte de carga, ainda com o baixo custo de manutenção e grande resistência mecânica.
No final da década de 30, quando foi deflagrada a Segunda Guerra Mundial, a Ford desenvolveu para sua picape de combate, de maneira inédita, um sistema de tração 4×4, fato que permitia ao utilitário trafegar em qualquer terreno. Além de ter sido útil no campo de batalha, essa nova versão com tração integral foi muito útil no uso do campo nas épocas de chuva, fato que elevou ainda mais a utilidade fundamental das picapes Ford como ferramentas de trabalho.
Com o final da guerra em 2 de setembro de 1945, a engenharia da Ford se esforçou na criação da nova família de picapes da marca: As lendárias Série F, que tinham diversos portes e dimensões (desde F-1 até F-8, que depois seriam renomeadas para F-100, F-250 e F-350), e que se tornariam um fenômeno de vendas da Ford no mundo todo.
Com construção mais moderna e atual, a Série F permitia diversas modernidades, como ar-condicionado, rádio e até câmbio automático, deixando as picapes cada vez mais versáteis para o uso profissional e pessoal. A proposta era a de ter um carro que poderia ser usado para o trabalho durante a semana e também no lazer nos dias de folga.
A mecânica era bem diferente daquelas trazidas pelos Modelo TT, Modelo AA e Modelo BB, e agora contava com opções de motores que iam desde um 6-cilindros em linha até enormes V-8 de mais de 5 litros, todos mais do que suficientes para o trabalho pesado de carregar peso na caçamba e, ainda assim, tão resistentes quanto seus antecessores. Aqui no Brasil, as integrantes da família F foram lançadas em 1957, com destaque para a consagrada F-100, que marcou como nenhuma outra o mercado de picapes da década de 1960.
E foi na Série F que nasceu outro nome de peso da categoria de picapes: Ranger, que surgiu como uma versão de luxo da também lendária F-150 em 1965. Essa versão fez tanto sucesso que, quatro anos depois, teve seu nome reutilizado em um outro carro menor, mais compacto que a Série F. Estamos falando da Ford Ranger, que já brilha em quase 40 anos de vendas mundo afora, e que já teve sua história de sucesso contada aqui.
Sendo literalmente a criadora da picape, a Ford é a líder de vendas mundial no ramo de caminhonetes, sejam elas monobloco, carroceria sobre chassi, com motor a diesel, gasolina, ou então de tamanho pequeno, médio ou grande. Só para que se tenha uma ideia, a inigualável Série F já emplacou mais de 26 milhões de unidades pelo mundo em seus 73 anos de estrada, e ano após ano ela se garante na liderança de vendas do colossal mercado americano.
Por lá, inclusive, a Série F é cultuada com louvor pelos apaixonados por carros, e para muitos ela é o modelo mais lendário da história do mercado automobilístico das terras do Tio Sam. Nenhuma rival sequer chegou perto do seu sucesso. Com experiência ímpar no segmento das picapes, a Ford é a referência no assunto, seja no Brasil, Estados Unidos ou qualquer outro canto do mundo. Se estivesse vivo, Henry Ford estaria mais do que orgulhoso da sua brilhante invenção, e não seria para menos.
DM
A coluna “Perfume de carro” ´é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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