Na Parte 2 vimos os primeiros passos internos deste projeto e conhecemos alguns de seus atores. Mas o trabalho continua e nesta parte da matéria vamos continuar a acompanhar os trabalhos e as escaramuças internas entre os favoráveis e os desfavoráveis ao lançamento de um New Beetle. Na foto de abertura, o Concept 1 estacionado na frente do estúdio de criação de Simi Valley.
De volta ao futuro Beetle
Na Audi, a influência de design mais forte vem da Escola Bauhaus. Os projetos de Mays para a Audi basearam-se fortemente nos princípios da Bauhaus, e o New Beetle não foi exceção. A Bauhaus era uma escola de design na Alemanha na década de 1920 que ensinava que deveria haver uma correlação entre criatividade e indústria e ciência modernas. A Bauhaus marcou o início do design industrial verdadeiramente criativo. O estilo Art Déco, por exemplo, surgiu da Escola Bauhaus.
Thomas teve a sua primeira experiência prática na Porsche, onde há mais ênfase cultural no design emotivo. Afinal, ninguém compra um Porsche por razões racionais. Os dois homens vieram de direções diferentes, mas a soma de suas perspectivas se mostrou correta. Ambos adotaram uma abordagem muito semelhante com a forma básica, e os dois continuaram compartilhando desenhos e ideias. Ao fazê-lo, um pegava elementos do design do outro e os incorporava. Thomas recebe crédito pelo que Mays chama de janelas “quentes e confusas” com cantos arredondados e suaves. Já o projeto de Mays tinha janelas com cantos agudos, afiados, e adotou uma frente achatada. A dianteira definida por Thomas tinha um nariz real para suportar o para-choque dianteiro.
Como qualquer fã de Fuscas sabe, o interior do carro é tão importante para a amabilidade e o caráter do carro quanto o exterior. O interior do Fusca original tinha uma superfície simples de metal pintada, com a pintura combinando com a cor externa do carro. Os únicos instrumentos eram o velocímetro e o medidor de gasolina. Os designs de painel de Thomas e Mays apresentavam um instrumento único, grande e circular atrás do volante em homenagem ao Fusca original.
O resto do novo interior teria um console central com saídas de ar e controles do ar-condicionado e lugar para o equipamento de som, e painéis coloridos combinando com o exterior do carro. A conhecida alça de segurança do lado do passageiro também estaria na nova versão. Ambos os homens concordaram com um toque original que lembrava o auge do Fusca original: um vasinho montado no painel para colocar uma flor. Pense “Flower Power!” Mais tarde, este vasinho virou um grande debate no estúdio de design entre os executivos alemães, que o acharam bobo. Este era um corpo executivo alemão que continuou a zombar dos americanos e de seus porta-copos, e até mesmo de sua exigência de câmbios automáticos em meados da década de 1990.
Como a personalidade do Fusca foi o motivo pelo qual ele permaneceu um ícone tão poderoso, ambos os designers colocaram muita reflexão e energia no que cada um chama de “rosto” do carro. Era importante que, como o original, o New Beetle “sorrisse” para o mundo, efeito criado pelos faróis circulares e para-lamas, que ficam acima das luzes que lembram globos oculares com sobrancelhas reais.
Depois de mexer sem parar com os modelos em escala ¼, Mays e Thomas decidiram fotografá-los. Claro, eles queriam luz natural brilhante para aquela luz solar, o que não faltava na Califórnia. Eles queriam muito levar o modelo para a praia para tirar as fotos, apesar da falta de sigilo por lá. Os transeuntes na praia de Malibu notaram os modelos amarelo e azul claro, ficaram boquiabertos e perguntaram: “Esses são algum tipo novo de Fusca?” Thomas engambelou os usuários do calçadão dizendo que eles eram estudantes universitários e que estavam apenas fotografando um projeto de arte.
No início de 1993, os dois designers se sentiram prontos para levar a ideia ao próximo nível, um modelo em escala real. Isso, no entanto, exigiria que Warkuss desembolsasse alguns fundos. Normalmente, os designers que procuram aprovação de um projeto simplesmente exibiam seus modelos, com o chefe no estúdio, e faziam uma apresentação do projeto. Mas, Mays e Thomas tomaram outro caminho.
A convite de Mays, Warkuss chegou a Simi Valley com dois assistentes, esperando ser levado ao estúdio. Em vez disso, ele foi levado a uma pequena sala de conferências para uma apresentação multimídia (algo que uma agência de publicidade poderia reunir para vender uma estratégia de campanha). Um vídeo começou a rodar, com a trilha sonora do filme “Grand Canyon”. O vídeo narrou a ascensão e queda da Volkswagen nos Estados Unidos, de vender apenas dois em 1949 para meio milhão no início de 1970, de volta para menos de 50.000 em 1992.
Após a apresentação, Warkuss se levantou e, com seus assistentes, começou a bater na mesa de conferência com os nós dos dedos, a versão alemã de um aplauso em pé. “Não foi uma abordagem usual para nós, mas este é um projeto muito especial, uma ideia especial, que exige um tratamento especial”, diz Thomas.
Rudiger Folten, que liderou a equipe de design na Alemanha que levaria o design do Concept 1 e o transformaria no New Beetle, dá muito crédito ao estúdio da Califórnia. Folten afirmou em entrevistas que este design nunca poderia ter se originado na Alemanha, porque o Fusca não era mais vendido lá há mais de 20 anos, e poucos permaneciam em uso ativo. O Fusca simplesmente não fazia mais parte do mercado alemão. Na ensolarada Califórnia, muito mais gentil com os carros mais antigos do que com os climas frios, úmidos e indutores de ferrugem da Alemanha, os Besouros ainda povoavam as estradas, e ainda eram o principal meio de transporte para milhares de pessoas que cuidavam de seus amados Fuscas antigos continuamente de um ano para o outro.
Warkuss voltou a Wolfsburg para traçar a estratégia, sabendo que tinha uma enorme batalha a travar se o “Lightning Bug” fosse algum dia chegar à produção. Enquanto isso, Mays e Thomas tinham certeza de apenas uma coisa: se o público dos EUA tivesse um vislumbre de um novo Fusca, seria mais difícil para a VW não o construir do que construí-lo. Eles sabiam que tinham tocado em algo especial. As ideias que eles tiveram para prestar homenagem emocional ao Fusca original, ao mesmo tempo em que eliminavam suas deficiências irritantes, embora cativantes (barulhento internamente, ar quente deficiente, segurança insuficiente em caso de colisão), deveriam produzir um sucesso para a VW. Os designers estavam tão certos do sucesso que começaram a trabalhar os detalhes para um modelo de produção em escala real imediatamente após Warkuss voltar para a Alemanha. Eles abraçaram as seguintes tarefas: as especificações e calibrações para os faróis, espelhos, painel, tamanhos de bancos, para-choques, janelas.
Assim como Freeman Thomas havia suspeitado que ia ocorrer, uma divisão se desenvolveu no estúdio Simi Valley quando ficou óbvio para o resto da equipe de design no que estava sendo trabalhado. Alguns eram contra um novo Fusca. Ao contrário da atmosfera amistosa normal, os pessimistas nem olhavam para os designs ou modelos em escala. “Houve tensão dentro do estúdio, com certeza”, diz Thomas. “O pessoal da VW estava confuso. A maioria deles estava apenas pegando produtos existentes e fazendo gráficos de respingos e afins. O que queríamos era um verdadeiro reflexo da marca Volkswagen, mas com modernidade. Warkuss entendeu logo e apreciou isso.”
Em meados de 1993, Warkuss mostrou os modelos em escala para Piëch em um lugar em Wolfsburg que a empresa chama de “Valhalla”, o salão mitológico dos deuses nórdicos. Foi aqui que o presidente original da VW, Heinz Nordhoff, revisou as mudanças e melhorias propostas para o Fusca, a Kombi e o Karmann Ghia, a maioria dos quais nunca chegou a ser colocado em prática. “Éramos como crianças esperando ao lado do telefone”, diz Thomas. Piëch adorou o que viu. Não é um homem para desperdiçar palavras, sua resposta foi “In Ordnung”, que é alemão para “Em ordem” o que se subentendia como: “Considere ordenado”. Ele expressou a vontade de mostrá-lo no Salão de Detroit, que se realizaria em menos de 6 meses.
Mays, Thomas e Toser recorreram a Dave Huyett para obter conselhos sobre como reunir todas as pessoas certas da Volkswagen AG para que o carro fosse exibido adequadamente em Detroit. Foi uma tarefa difícil porque a Volkswagen não havia dado muita importância ao Salão de Detroit. O display que eles tinham nos Estados Unidos não era muito bom, e a Volkswagen of America não tinha dinheiro para encomendar algum display de última hora. O projeto ia precisar de ajuda da Alemanha. “Nós ainda éramos considerados como leprosos”, disse Huyett. “Os executivos alemães realmente queriam ter pouco a ver conosco… e não tínhamos um padrinho em Wolfsburg para lutar por nós.” Só porque Piëch encomendou o carro para ser exibido no Salão de Detroit não significava que ele iria pessoalmente passar um cheque para que isso acontecesse. Os apoiadores do Conceito 1 teriam que trabalhar o sistema.
O vídeo dos designers, que tinha sido produzido para Warkuss, precisava ser mostrado ao Dr. Werner Schmidt, chefe da Volkswagen AG, para ver se ele financiaria parte da apresentação do Concept 1 no Salão de Detroit..
Huyett informou que a reunião deveria ocorrer no salão Valhalla, onde Piëch havia aprovado o projeto. E Huyett disse: “É onde Deus vem para as reuniões.” Os organizadores de participações em salões do automóvel da Volkswagen AG foram convidados, assim como o chefe de marketing mundial Dieter Dahlhoff. O chefe de desenvolvimento técnico Ullie Seiffert também seria convidado. Mas Seiffert seria “um osso duro de roer”, pois era fortemente contra. Em sua opinião, seria jogar um bom dinheiro atrás de um mau resultado nos Estados Unidos, e especialmente em um Beetle reencarnado.
A apresentação foi feita em inglês e alemão. Mays apresentou em alemão e distribuiu um folheto sobre o Concept 1, produzido pela mesma empresa criativa que o ajudou a produzir o vídeo que vendeu a ideia para Warkuss e Piëch. Huyett trouxe canecas de café com o slogan “Os carros mais amados do mundo”, slogan publicitário da Volkswagen of América na época. “Os alemães adoram presentes… até mesmo canecas de café de três dólares, e isso ajuda a promover uma causa”, disse Huyett. A tarefa hercúlea dos designers dali em diante era pressionar os alemães a fazer algo que nunca haviam feito antes: construir um carro especificamente para os Estados Unidos. Até aquele ponto, todos os carros da Volkswagen foram construídos para os mercados mundiais, incluindo o Fusca original. Um novo Fusca era claramente algo para os Estados Unidos em primeiro lugar e, em segundo lugar, para outros mercados, como Europa e Japão.
Dahlhoff estava convencido de que valia a pena prosseguir com o projeto do Concept 1 e concordou em ajudar a financiar parte das despesas de levar o carro ao Salão de Detroit. Isto foi um grande ganho para o projeto. No entanto, Shaver e o presidente da Volkswagen of America, John Kerr, que não havia feito a viagem para participar daquela reunião, tinham pouco entusiasmo pelo projeto do New Beetle, especialmente por ter que comprometer metade da verba necessária para participar no Salão de Detroit com todos os equipamentos necessários. Assim, em um movimento para economizar dinheiro, o grupo do salão de automóveis de Auburn Hills foi despachado para Wolfsburg para explorar o porão da Volkswagen AG, mendigando o que podiam dos materiais de estande europeu.
Esse processo conta muito sobre o funcionamento da VW e mostra como ela é uma empresa única. Apesar do fato de Kerr e Shaver não terem apoiado a ideia do New Beetle, eles não tiveram nenhum problema com seu chefe de marketing, Dave Huyett, trabalhando com os designers e indo sozinhos a Wolfsburg para montar o projeto. Essa era a realidade na VW. Shaver reconheceu que Huyett, com mais de 20 anos na VW, tinha melhores relacionamentos em Wolfsburg do que ele. “É uma empresa única na medida em que essa dinâmica pode continuar dessa maneira”, diz Huyett. “Não há muitas empresas onde esse processo poderia ter progredido da maneira que aconteceu. E pode não haver nenhuma.”
Na Parte 4 veremos o capítulo: Depois do Salão do Automóvel (de 1994)
Navegador entre as partes desta matéria:
Parte 1
Parte 2
Parte 4
Parte 5
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