Chega a impressionar o quanto um carro é capaz de evoluir em 20 anos. Claro que isso vai depender de quanto o fabricante está interessado em investir na evolução e na melhora do produto ao longo do tempo.
Há modelos, como o VW Gol, por exemplo, que praticamente ficaram estagnados ao longo dos anos, e evoluíram muito pouco tanto em design quanto em tecnologia. O resultado prático dessa política é a de que, cada vez menos, o público se interessa em comprar um modelo defasado ou que não mudou com o tempo.
Agora vamos ao outro extremo do exemplo: o Audi A3. Lançado no mercado nacional no começo de 1997, o modelo de entrada da marca dos quatro anéis entrelaçados compartilhava base mecânica com o VW Golf, um carro reverenciado mundialmente por reunir muitas das qualidades que um consumidor buscava em um veículo daquele segmento.
No mercado brasileiro, o A3 era inicialmente importado da Alemanha, mas já em 1999 passou a ser nacional, feito na fábrica da VW/Audi em São José dos Pinhais, PR, na região metropolitana de Curituba. De lá, não por acaso, também saía o Golf. Como ambos partilhavam de muitos componentes, a fábrica compartilhada entre as duas fabricantes — a Audi pertence ao Grupo Volkswagen — dava muito certo.
Pois bem. Foi um desses Audi A3 que encontramos em um raríssimo estado de boa conservação, com pouco mais de 48 mil km originais, ano 2002, em sua versão básica (câmbio manual, com bancos de tecido e sem teto solar), que colocamos ao lado de um novíssimo A3 Sportback 2022, cedido pela própria Audi. O objetivo? Ter a exata noção do quanto o modelo melhorou, e quanto nele foi investido durante esses vinte anos. Impressiona!
O carro 2002 foi a primeira geração do A3, até hoje bonito e charmoso. Na mecânica, ele podia utilizar um exclusivo motor 1,8 de cinco válvulas por cilindro (três de admissão e duas de escapamento), uma tecnologia até então exclusiva, geralmente encontrada nos carros de Fórmula 1. Com quatro cilindros, ele totalizava 20 válvulas, com duplo comando de válvulas no cabeçote, o que era uma construção inovadora.
Na versão básica desse modelo 2002 da comparação, ele desenvolvia 125 cv a 6.000 rpm e 17,3 m·kgf a 4.200 rpm.. Na época, a Audi vendia, inclusive, dois níveis de versões turbo desse mesmo motor, um com 150 cv e outro com 180 cv para as versões mais luxuosas. A base era sempre a mesma: o motor 1.8 20V.
Na transmissão, em 2002, os A3 poderiam trazer câmbio manual de 5 marchas, bem similar ao do Golf e equipado no carro das fotos, formando um conjunto bem resistente, robusto e capaz de levar o modelo 2002 km/h e atingir 100 km/h partindo da imobilidade em 9,7 segundos. Para quem buscava maior conforto, a Audi oferecia também o câmbio o automático Tiptronic de quatro marchas com trocas manuais por botões no volante,também compartilhada com o médio da VW e parelha com a concorrência da época.
Do Golf também vinha a suspensão independentes nas quatro rodas e direção com assistência hidráulica. Falando nas suspensões, essa foi, inclusive, uma das polêmicas na segunda nacionalização do A3, em 2015, quando ele trocou o suspensão traseira independente multibraço pelo tradicional eixo de torção, visando a facilidade e menores custos de produção e de manutenção.
Apesar das críticas dos meus colegas de profissão na época, sempre defendi que o A3 2015 nacional, mesmo mais simples construtivamente, se mantinha extremamente estável e dinamicamente apurado, além de ter sua manutenção facilitada por trazer um sistema mais simples e robusto que dispensava alinhamento. Foi uma perda até interessante.
Mas voltando ao carro 2002, na época, ele era conhecido e venerado pelo destacado desempenho, extremo silêncio ao rodar e dirigibilidade aprimorada quando comparado com seu meio-irmão Golf. Claro, ele era um Audi e não um Volkswagen, então também tinha virtudes na tecnologia embarcada e segurança, por exemplo. Tinha freio a disco nas quatro rodas, opção de bolsas infláveis laterais (assim equipado no carro aqui comparado), e até controle eletrônico de estabilidade como opcional.
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No conforto, algumas modernidades da época merecem destaque: ar-condicionado digital, sistema de som premium, computador de bordo em cores, bancos de couro, possibilidade de retrovisor interno fotocrômico e teto solar, faróis de xenônio, e muito mais. Era, para a época, um carro bem completo, requintado e luxuoso.
No tamanho, de carro médio, o A3 de primeira geração tinha 4,15 m de comprimento, 1,73 m de largura, 1,42 m de altura e 2,51 m na distância entre eixos. Outros números, como os 350 litros de capacidade do porta-malas, 55 litros do tanque de combustível e 1.160 kg de peso em ordem de marcha faziam um bom conjunto.
2022: 20 anos depois
Três gerações depois, eis o A3 hatch novamente, mas com o sobrenome Sportback e 20 anos mais evoluído. A segunda geração veio em 2006, e a terceira em 2013. O modelo mais novo, lançado na Europa em 2020 e novamente importado da Alemanha, mostra números infinitamente superiores quando comparado ao carro de duas décadas atrás, e não é para menos, afinal traz um conjunto mecânico muito mais moderno e totalmente diferente.
Explico: seu motor 2-litros turbo de 204 cv e 32,6 m·kgf em injeção direta e duplo comando variável, é aliado a um câmbio robotizado de dupla embreagem com sete marchas e agilidade de sobra, trocas rápidas e funcionamento silencioso. Esse motor, na realidade o EA-888 concebido pela VW, tem algumas cartas na manga, como a mudança para ciclo Atkinson quando pouco exigido, o que garante números de consumo de populares 1-L e pouquíssimas emissões de poluentes.
Na prática, o A3 Sportback 2022 acelera de 0 a 100 km/h em 7,4 segundos e alcança 241 km/h, com uma relação peso-potência de apenas 7,2 kg/cv. Consegue também médias de quase 20 km/l de gasolina no uso rodoviário, tudo graças a tecnologias inexistentes há duas décadas. Admirável.
As mudanças estão também, principalmente, na plataforma: o A3 2002 era a PQ34, mesma do VW Golf, mas agora, o 2022, traz a base modular MQB Evo, uma espécie de “versão renovada” da VW MQB utilizada pelo último Golf vendido no Brasil. O Audi e o VW são parentes, mas em um nível acima e, claro, um pouquinho mais distantes. Além disso, o modelo 2022 trocou, novamente, o eixo traseiro de torção por multibraço, e conta com direção eletroassistida, freios a disco maiores nas quatro rodas e por aí vai.
Tecnologicamente falando, o A3 evoluiu bastante nesses últimos 20 anos, mas, na realidade, ele mantém boa parte dos mimos de 2002, só que aprimorados. O mesmo pode ser dito do nível de acabamento, também melhorado nesse período, ou nível de segurança, substancialmente aumentado pela construção atual em aços de altíssima resistência estampados a quente contra impactos.
O ar-condicionado digital, por exemplo, agora tem duas zonas de temperatura; o retrovisor, que já era fotocrômico, ganhou estrutura sem moldura; o teto solar cresceu; as rodas, antes prata de aro 15, agora são de 18” e diamantadas; o rádio multifuncional deu lugar à uma multimídia tátil de 10”; o sistema de som premium hoje é assinado pela Bang&Olufsen; a iluminação, de xenônio passou a LED; o painel de instrumentos, que tinha apenas uma tela em cores, hoje é inteiramente digital; de quatro bolsas infláveis em 2002, hoje ele tem sete; etc.
Mas e no tamanho? O A3 cresceu bastante, e está maior para todos os lados (e consequentemente bem mais pesado): hoje mede 4,34 m de comprimento, 1,82 m de largura, os mesmos 1,43 m de altura (o que explica o ótimo coeficiente aerodinâmico (Cx) desde a primeira geração, que baixou de 0,32 para 0,29 no carro moderno), e ganhou bastante no entre-eixos, passando para 2,64 m e refletindo diretamente em um maior espaço interno. Aumentou também no porta-malas (de 350 pra 380 litros), mas perdeu 5 litros na capacidade do tanque. Outro carro.
O preço, vinte anos depois
Para quem se pergunta de valores, o Audi A3 melhorou, mas também encareceu nessas duas décadas. É complicado comparar um mercado daquela época com o atual, mas faremos aqui uma base partindo dos seus preços convertidos em dólar.
O carro prata, 2002, custava 0-km cerca de 22 mil dólares em valores da época, o que, convertido na cotação atual seria algo em torno dos 115 mil reais. Hoje, seu equivalente próximo, falando de valores, seria um VW Nivus, crossover derivado do Polo.
Em contrapartida, um Novo A3 Sportback 2022, maior, mais moderno, potente, requintado e tecnológico, custa oficialmente a partir de R$ 264 mil, o que dá algo próximo dos 53 mil dólares. Lembrando que o carro 2002 das fotos é nacional, feito no Paraná, e o 2022 importado de Ingolstadt, na Alemanha.
Fica claro que nesses 20 anos a Audi investiu pesado no seu modelo de entrada, e, por isso, temos um carro que reúne segurança, baixo consumo, boa dirigibilidade e alta tecnologia. Mas o consumidor, claro, paga por esse investimento. Essa é a lei do mercado.
DM