Na Parte 3 acompanhamos o desenvolvimento do Concept 1 em seus detalhes, seguindo os dois modelos elaborados por Mays e Thomas que seguiram caminhos paralelos, porém com detalhes individuais. As divergências quanto ao projeto não ocorreram só na Alemanha, mas em Simi ValLey mesmo havia os “do contra” o Concept 1 e a ideia que ele representava. Agora na Parte 4 entramos no trabalho de converter uma ideia em realidade e vamos acompanhar as escaramuças que ocorreram na Alemanha até a definição do New Beetle em seu estágio final de desenvolvimento.
Depois do Salão de Detroit de 1994
Depois do enorme sucesso do Concept 1 no Salão de Detroit em 1994, a Volkswagen teve que ver se havia condições para colocá-lo em produção. Isso não era certeza, embora a crença de Thomas de que seria improvável a Volkswagen não fabricá-lo se concretizasse.
Para aqueles que trabalharam para transformar o Concept 1 em um modelo de produção viável, o tamanho real do carro final se tornou um problema sério. Para o New Beetle ser construído, ele teria que utilizar uma das plataformas VW existentes. Ou seja, a mecânica real sob o exterior — a carroceria, a estrutura “óssea” e as entranhas do carro. Na década de 1990, a VW tornou-se líder mundial na construção do maior número de modelos com o menor número de plataformas. A estratégia foi criticada por executivos de carros rivais por prejudicar a integridade dos designs da VW. Eka foi parcialmente responsável, no entanto, pelos ganhos de escala e retorno à lucratividade da empresa. Mays e Thomas imaginaram que o New Beetle pudesse ser construído a partir da menor plataforma da VW, a do Polo, um carro que não era vendido nos Estados Unidos. De fato, o Concept 1 mostrado no Salão foi baseado no Polo que na época era uma perua pequena de duas portas (comprimento: 3.765 mm; largura: 1. 570 mm; altura: 1.350 mm):
À medida que os engenheiros alemães começaram a desenvolver planos para o New Beetle, no entanto, eles perceberam que o Polo seria muito pequeno e caro para ser certificado de acordo com os requisitos de segurança de colisão dos EUA. Os engenheiros sugeriram a plataforma A, usada para o Golf e Jetta. Isso foi irônico porque surgiu a necessidade de um New Beetle precisamente porque nem o Golf nem o Jetta conquistaram adequadamente os corações ou bolsos do consumidor dos EUA.
Subir para a plataforma A exigiria mudanças substanciais no protótipo do Concept 1, que foi tão calorosamente recebido em Detroit. A distância entre eixos passaria de 2.335 mm para 2.512 mm. O carro cresceria quase 305 mm e teria quase o dobro de peso em ordem de marcha, de 649 kg para 1.230 kg. A plataforma maior teria outro efeito importante. Aqueles que defendiam a causa do novo Beetle estimavam que o carro poderia chegar ao mercado por cerca de US$ 12.000 ou US$ 13.000 — o que seria considerado adequado como o Beetle original. Só que construir o carro com a plataforma A certamente empurraria o preço público sugerido para a faixa US$ 15.000~20.000, que seria o nível do Golf e do Jetta. Com esse preço, o novo Beetle seria um concorrente direto do Golf e do Jetta, dividindo um único segmento de preço em três alternativas em vez de duas.
A viabilidade econômica do New Beetle dependia da venda de 100.000 carros em todo o mundo, pelo menos metade disso na América do Norte. Em 1994, a VW tinha acabado de retomar a venda do Golf e do Jetta nos Estados Unidos depois que a produção foi retomada após quase um ano de atrasos desgastantes e caros na fábrica de Puebla, no México. Ninguém queria canibalizar as vendas do Golf e do Jetta por causa do New Beetle. Apesar da resposta esmagadora ao Concept 1 no Salão de Detroit, a Alemanha ainda não havia aceitado totalmente a importância de um novo Beetle para o renascimento da marca VW nos Estados Unidos. Piëch havia aprovado o Concept 1 como carro-conceito, e ele continuaria a ser exibido em salões de automóveis. Mas faltava aprovar o carro para estudo, agora como um modelo de produção completo.
De fato, a reação da administração alemã da Volkswagen foi, na melhor das hipóteses, morna à resposta entusiástica dos Estados Unidos ao Concept 1 naquele Salão de Detroit. Passariam 11 meses antes da VW emitir um comunicado de imprensa para anunciar que estava avançando o desenvolvimento do Concept 1 para produção:
Comunicado de imprensa: WOLFSBURG, ALEMANHA: O automóvel popular Concept 1 da Volkswagen, um carro de estudo de design que criou sensação no público e na mídia ao ser apresentado no Salão Internacional do Automóvel da América do Norte em Detroit, Michigan, em 1994, será produzido e estará no mercado antes do ano 2000, a Volkswagen confirmou.
O Conselho de Administração da Volkswagen AG deu sua aprovação em novembro de 1994 para o desenvolvimento do Concept 1. A decisão veio em resposta a apelos de entusiastas de todo o mundo que abraçaram o conceito de design.
A Volkswagen AG disse que os Estados Unidos serão um dos principais mercados para o novo carro.
Não foi exatamente uma declaração cheia de emoção e antecipação.
A administração da Volkswagen estava num conflito tão intenso que não sacrificaria seus próprios engenheiros internos para desenvolver o protótipo do novo Beetle. A equipe estava ocupada desenvolvendo o Golf de próxima geração. O Golf era café pequeno nos Estados Unidos, mas a VW vendeu 700.000 unidades no mundo todo em 1994. Dado esse volume, é fácil entender por que os engenheiros alemães não ficaram impressionados com a reação ao Concept 1 nos Estados Unidos. Os mercados mundiais estavam satisfeitos com o Golf e dispostos a deixar o Fusca desvanecer nostalgicamente.
“O New Beetle era uma espécie de enteado”, admitiu Piëch. Ele confiou a construção do protótipo à Volcke, uma empresa de produção externa na Alemanha (sediada em Wolfsburg e que desenvolvia diferentes tarefas como subcontratada da VW), organizando uma equipe da Volcke para trabalhar com planejadores de produtos da VW da América do Norte. Isso foi semelhante ao acordo que a Volkswagen fez com a fabricante de carrocerias alemã Karmann, de Osnabrück.
Apesar do otimismo de Mays e Thomas e dos esforços da administração americana, ainda havia incerteza em 1994 se o carro realmente entraria em produção algum dia. Mesmo após o comunicado à imprensa, o resultado foi que ninguém na Alemanha ainda havia assumido a propriedade simbólica da ideia. Em uma empresa como a VW, se ninguém do Conselho abraçar uma ideia, ou defendê-la diante de todas as demandas existentes, é muito improvável que a ideia receba recursos. Mas o mais importante era que Piëch ainda tinha reservas sobre este projeto.
No final de 1994, nem mesmo o Dr. Jens Neumann, chefe dos negócios norte-americanos na Volkswagen AG, estava disposto defender a conclusão do Concept 1. Neumann, que havia sido um estudante de intercâmbio do ensino médio alemão em Baltimore, nos EUA, no início dos anos 1960, acreditava que o New Beetle deveria ser construído. Ele sabia o quão apreciado era o Fusca desde deu intercâmbio nos EUA. No entanto, as pessoas que trabalhavam para o Dr. Piëch aprenderam a não promover um plano a menos que tivessem 99,9% de certeza de que ele o apoiaria. Foi o suficiente durante o processo de desenvolvimento que Piëch tivesse permanecido neutro. (Um Piëch neutro significava que ele ainda precisava ser convencido, mas era uma liberação para continuar trabalhando no projeto).
Ferdinand Piëch sentou-se pela primeira vez ao volante de um protótipo do novo Fusca, feito pela Volcke, em 1995, no campo de provas da empresa em Ehra Lessien, não muito longe da sede de Wolfsburg. Piëch era um apreciador de carros sério de uma família de carros séria (lembrando que ele era neto de Ferdinand Porsche), ele não era um tipo financeiro que chegou ao topo.
Ele detestou o protótipo. Era ruim de curva e impreciso, os freios eram a tambor em vez de a disco de última geração, na tentativa de manter o custo baixo. Os engenheiros da Volkswagen não construíram o carro, desse modo ele não refletia os padrões de Piëch. O fracasso em impressionar Piëch, Neumann ou qualquer um em Wolfsburg deveria ter acabado com a curta vida do carro. A má experiência no entanto, deu ao carro um impulso muito necessário!
“Quando realmente conseguimos dirigi-lo e vê-lo, fui levado adiante com a crença de que deveria ser construído, mas, ficamos tão desapontados com aquele protótipo que decidimos que uma versão melhor deveria ser construída dentro de nossas próprias instalações. “, disse o Dr. Neumann. “O Dr. Piëch ainda não estava totalmente convencido,” concluiu
Se o New Beetle fosse construído, ele não seria uma raridade de nicho que ficaria fora da família de veículos Volkswagen. Piëch não queria que o New Beetle fosse o equivalente ao Chevrolet Corvette, uma peça com seguidores cult que não tinha conexão com o resto da linha de produtos da Chevrolet.
Depois que Neumann ficou desapontado ao dirigir o protótipo da Volcke, ele e o diretor de design da Volkswagen, Hartmut Warkuss, uniram forças para defender a produção do carro dentro da Volkswagen. Eles começaram a pressionar Martin Winterkorn, o membro do Conselho da VW responsável pelo desenvolvimento técnico, afirmando que a versão correta do carro poderia virar as desanimadoras vendas americanas num piscar de olhos.
Eles convenceram Winterkom a revisar o carro da Volcke na Volkswagen e o convenceram, também, a dar seu apoio ao projeto junto a Piëch. Para ter sucesso, tanto Piëch quanto Winterkorn acharam que o carro tinha que ser um Volkswagen nas sua essência. Tinha que ser um carro sério, atendendo não apenas todos os padrões de segurança dos EUA, mas também os padrões de Piëch, de comportamento e desempenho mais rigorosos. “Certamente, o carro tinha que parecer cada centímetro um autêntico Volkswagen, ou eu nunca teria dado aprovação para que fosse construído”, disse Piëch “.
Piëch ordenou que uma equipe fosse destacada da equipe de desenvolvimento do Golf para trabalhar no New Beetle em um percurso paralelo. Quanto mais a equipe de design e engenharia transformava o carro em um Golf com as roupas do Fusca, mais ele se tornava um produto que eles podiam apoiar. Sob Winterkorn, o New Beetle, em comparação com o Concept 1, tornou-se um carro totalmente novo com capô e teto mais longos e para-choques maiores.
O Concept 1 parecia um brinquedo na escala da plataforma do Polo que era menor. O Concept 1, agora chamado de “New Beetle”, era um automóvel significativo, no nível de um Honda Civic, de um Toyota Corolla ou do próprio Golf. Outras mudanças se seguiram, especialmente no interior. Isso não é incomum no ramo automobilístico. Os carros apresentados em Salões de Automóveis, montados por designers de estúdio, são pensados para impressionar. Carros de exibição, no entanto, não são passam por um ajuste fino com os consumidores reais em mente, nem refletem as decisões tomadas antes da produção para manter os custos do carro nos parâmetros previstos. O que parece bonito na prancheta de desenho de um designer ou em um modelo de clay muitas vezes está longe do que os consumidores querem usar no dia a dia. Esses projetos também estão além do que a maioria das fabricantes pode produzir com lucro.
Esboços finais do projeto que se tornaria o New Beetle. A entrada de ar é a única abertura abaixo do para-choque dianteiro ladeada por dois faróis auxilares. O perfil lateral é composto por três cilindros, dois para os arcos das rodas e um grande que compõe o habitáculo:
O processo de encontrar a combinação certa de design e engenharia para o New Beetle na plataforma Golf não foi tão fácil quanto poderia ter sido se ele tivesse sido construído como um carro totalmente novo. Os designers e engenheiros se viram presos entre uma adaptação de um design lendário e uma plataforma que foi projetada para um carro totalmente diferente.
Thomas, Mays e agora Folten estavam muito conscientes de que estavam mexendo com uma lenda, um pedaço de Americana (que é qualquer artefato — como livros, móveis ou arte — que seja distintivo e intrínseco dos Estados Unidos da América — ou seja, o Fusca entrou nesta categoria!). De certa forma, era como um diretor de cinema tentando refazer um filme clássico como “Casablanca”, de 1942, ou “O Mágico de Oz”, de 1939. Agora nas mãos dos alemães (que no começo não estavam nada apaixonados pela ideia), o projeto teve que evoluir para tornar o carro prático e econômico de construir, mantendo-se fiel ao design que estava dominando e encantando multidões em salões de automóvel.
Abaixo desenhos tipo raio-X do New Beetle e do Golf IV, doador da mecânica para o New Beetle, ambas as mecânicas são praticamente as mesmas:
Rumores e vazamentos de imprensa de como o Concept 1 estavam evoluindo para o New Beetle eram desenfreados, com revistas de carros importantes como a Auto Motor und Sport publicando croquis de artistas não oficiais de novos Beetles de péssima aparência. Para reprimir as especulações negativas e até bobas sobre o New Beetle, um protótipo baseado na plataforma Golf foi preparado para o outono de 1995, para ser exibido no Salão de Tóquio.
Algumas das características do Concept 1, tiradas diretamente do Beetle original, foram descartadas pela equipe alemã de Winterkorn por necessidade. Além de serem maiores agora, as aberturas sob a janela traseira e as entradas de ar duplas na frente do carro foram descartadas. A equipe de Folten teve que equilibrar a nostalgia do Fusca com a responsabilidade de criar um design verdadeiramente novo. A última coisa que alguém queria era uma piada sobre rodas.
New Beetle foi recebido com aplausos naquele Salão de Tóquio. O Fusca original tem um grande número de entusiastas no Japão, e tanto a imprensa quanto o público ficaram aliviados ao ver que alguns dos desenhos publicados pela imprensa automobilística eram falsos. Veja fotos do New Beetle preto exposto em Tóquio:
Poucos meses após o Salão de Tóquio, em março de 1996, o design do New Beetle estava completo e o protótipo foi apresentado no Salão de Genebra. Oitenta por cento do veículo sob a carroceria do carro era o mesmo que o Golf, levando analistas e jornalistas a se preocuparem com o fato de o carro ter que custar cerca de US$ 20.000, o que foi considerado alto demais para atender às metas de volume de vendas.
Algumas fotos do protótipo apresentado no Salão de Genebra em março de 1996:
Para dar uma visão no tempo e dos carros da época, um vídeo do Salão de Genebra de 1996 (03:10) no qual se pode ver o New Beelte no minuto 01:28 como um dos destaques da mostra:
Na Parte 5 vamos encerrar esta matéria com as partes: “O megaestande no Salão do Automóvel (de 1998)” e “O burburinho do Besouro”
Navegador entre as partes desta matéria:
Parte 1
Parte 2
Parte 3
Parte 5
AG
NOTA: Nossos leitores são convidados a dar o seu parecer, fazer suas perguntas, sugerir material e, eventualmente, correções, etc. que poderão ser incluídos em eventual revisão deste trabalho.
Em alguns casos material pesquisado na internet, portanto via de regra de domínio público, é utilizado neste trabalho com fins históricos/didáticos em conformidade com o espírito de preservação histórica que norteia este trabalho. No entanto, caso alguém se apresente como proprietário do material, independentemente de ter sido citado nos créditos ou não, e, mesmo tendo colocado à disposição num meio público, queira que créditos específicos sejam dados ou até mesmo que tal material seja retirado, solicitamos entrar em contato pelo e-mail alexander.gromow@autoentusiastas.com.br para que sejam tomadas as providências cabíveis. Não há nenhum intuito de infringir direitos ou auferir quaisquer lucros com este trabalho que não seja a função de registro histórico e sua divulgação aos interessados.
A coluna “Falando de Fusca & Afins” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.