Conheço os desenhos do Pascal Meslet há muitos anos, tanto que no meu site Arte & Fusca, criado em 1999, ele ocupa várias páginas . Escrevi uma matéria para a revista francesa Super VW Magazine. Na época fiz contato com Jacky Morel, seu editor, e disso resultaram vários anos recebendo a revista.
A primeira coisa que eu fazia era ver a ilustração do editorial, que sempre trazia uma cuidadosamente feita pelo Pascal e que estava em linha com o que o editorial informava:
E depois eu procurava a matéria com as ilustrações do Pascal que, no caso deste exemplar da revista, que peguei a esmo, foi esta, com um projeto radical do que se chamou de “Volks-Rod”, à guisa dos Hot Rods:
Eu logo escaneava o material e limpava os textos que estavam em volta dos desenhos para destacar as imagens. As ilustrações da fotocomposição da foto de abertura são um exemplo deste trabalho. Com isto eu posso dizer que me sinto envolvido com o trabalho deste grande ilustrador Volkswagen, e, como vamos ver adiante, de todas as marcas e tipos de veículos. Até “naves espaciais VW”, como mostra o famoso desenho abaixo:
Pascal é muito fechado, vive meio recluso com seus trabalhos, como será visto adiante. Assim, é muito difícil encontrar uma foto dele, mas em 1984 a revista francesa Rod et Custom publicou a foto abaixo:
Ele gosta de desenhar a si mesmo em seu ambiente de trabalho. Um exemplo disso é o desenho abaixo:
Mas a busca por mais informações sobre Pascal continuava, pois a curiosidade não me deixava em paz. Uns meses atrás vi uma foto no Facebook com uma reportagem sobre ele na revista alemã VW Classic, edição nº 10, fevereiro de 2015.
E aí iniciou-se uma busca. Entrei em contato com vários amigos da Alemanha e Rainer Röttges, de Würzburg, me passou o contato de Edwin Baaske, chefe de Publicação Corporativa da conhecida editora Delius Classing, de Bielefeld. Edwin teve que ver se a cópia em PDF da revista ainda estava disponível. Por sorte estava, e a enviou para mim. O material é algo muito especial, pois da entrevista que Georg Otto fez com Pascal resultou praticamente a sua biografia em poucas palavras — algo que estava escondido do público apreciador do trabalho de Pascal. Traduzi este material:
Georg Otto comentou: “Os desenhos feitos com muito carinho por Pascal Meslet há muito alcançaram o status de cult entre os fãs da VW. Encontramo-nos com o tímido artista no sudoeste da França, aprendemos muito sobre sua vida e por que — como um fanático por carros — ele ainda não tem carteira de motorista ou computador até hoje!
Arès é uma cidade de quase 6.000 habitantes perto de Bordeaux, a poucos passos do Atlântico. Pascal Meslet vive e trabalha aqui. Escondida atrás de sebes altas e árvores antigas, numa rua tranquila, está sua casa tipicamente do sul da França. Em seu estúdio criou e continua a criar imagens de veículos de fórmula com eixos e motores de Fusca, aviões com fuselagens Karmann e trens com cara de Kombi.
“Nem sempre vivi tão longe de toda a agitação”, inicia nossa conversa o artista nascido em setembro de 1957. “Vi a luz do dia em Paris.” Pascal cresceu lá junto com seu irmão mais novo Vicente. “Comecei a desenhar ainda jovem, preferindo ficar em casa e me ocupar com lápis e tintas, enquanto meu irmão jogava futebol com seus amigos na rua.” O pai de Pascal, Henry Meslet, contador, e sua mãe, Simone, que trabalhava como enfermeira, notaram o talento do filho, mas não foram mais a fundo nisto. “Na década de 1960 não havia a profissão de desenhar quadrinhos”, lembra Meslet “Meu velho só disse que eu poderia estudar arquitetura mais tarde. Mas isso não me interessou nem um pouco. Casas? Não, carros! Esses eram os objetos do meu desejo! Meu avô me levava por ruas movimentadas e me ensinava as marcas desde cedo. Aos três anos eu apontava os carros que passavam rapidamente pela rua e comentava sobre Peugeot, Renault, Simca… A esse respeito, eu provavelmente era como qualquer menino — se anda e faz barulho, então sabe como fascinar.“
Quando Meslet tinha sete anos, seu pai morreu, mas isso não o impediu de desenhar. “Em 1973 minha mãe concordou que eu frequentasse uma escola de arte. Ela ainda tinha em mente uma carreira clássica para mim. Mas, nus ou naturezas-mortas não era o que eu queria fazer! Além disso, eu já havia aprendido muito por meio da observação dirigida. Por exemplo, a aparência de peças cromadas refletindo a luz. Aprendi isso na rua e não na escola de arte.“
A voz de Pascal permaneceu sempre calma e suave durante suas explicações. Ele é uma pessoa reservada, não gosta de ser visto em primeiro plano. “Três anos depois, em 1976, me formei, mas não sabia o que fazer a seguir. Para mim só havia uma maneira de ganhar dinheiro: desenhando veículos. Grandes revistas de carros empregavam pessoas como eu para criar desenhos de modelos de séries definitivas com base nas fotos Erlkönig (como são chamadas fotos de protótipos com pinturas de disfarce que dificultavam o reconhecimento das formas reais do carro). Mas eu estava mais com vontade de desenhar carros estilo Custom, Hot Rod e afins!“
Aos vinte anos, Pascal Meslet se candidatou no Studios Idéfix, o estúdio de animação do cocriador de Asterix, René Goscinny. Lá ele trabalhou nos filmes de Asterix e Lucky Luke, mas apenas por cerca de um ano. Goscinny, o motor e chefe criativo da empresa, morreu em 1978, o que também significou a dissolução dos Studios Idéfix.
Em um dos últimos dias de trabalho, Meslet conheceu na cantina um editor da revista francesa L’Automobile. Esta revista tinha seus escritórios no mesmo prédio. Os dois iniciaram uma conversa, falaram sobre hot rods e carros preparados dos em geral. O jovem mostrou-lhe alguns de seus desenhos quando seu colega de conversa lhe fez uma oferta. Ele começaria em breve uma nova revista e queria contratar Meslet. Parecia tentador, especialmente porque a nova revista estava sendo planejada para ser pouco convencional. E, de fato, em 1979, Pascal recebeu um telefonema dessa mesma pessoa, Jacky Morel. A Auto-Loisirs Magazine foi lançada e Pascal Meslet estava a bordo.
O ilustrador lembra: “A mesma editora também lançou a revista Rod et Custom e assim pude me esbaldar com minhas visões e ideias em duas revistas. O contato entre Jacky e eu tornou-se cada vez mais próximo, hoje estamos ligados por uma profunda amizade.“
No entanto, os bons tempos duraram apenas seis anos: o responsável pela gráfica da editora desapareceu em 1984, não sem antes saquear a conta da empresa. Mas o nosso francês ficou na rua por pouco tempo, pois uma empresa que vendia acessórios para caminhões o contratou. Lá seus desenhos eram usados para propagandas. “Isto não me fazia feliz, mas pelo menos eu estava ganhando dinheiro.”
Nesse meio tempo, Jacky Morel chegou ao cargo de editor-chefe da revista francesa Nitro e ele entrava em contato comigo com frequência. “Pascal, precisamos lançar uma revista específica para os VW arrefecidos a ar!”, me dizia. E, de fato, primeiro foi publicada uma edição Spécial Volkswagen e depois uma segunda. Ambas tiveram um sucesso incrível no mercado. Em 1987, Jacky começou a Super VW Magazine e de novo eu tinha um trabalho que gostava!“
Até 2012, Pascal desenhava mês após mês a imagem do editorial e outras páginas da conhecida revista francesa sobre VW. Por exemplo, a história de Victor William McBottle, mais conhecido como Papy (famoso preparador e customizador americano de VW). “Começamos com a 100ª edição da Super VW Magazine e a editora queria limitar a série a cerca de um ano. Em duas a quatro páginas em cada edição, contei a história do tuning americano de VW de uma forma ligeiramente modificada, baseada na vida de Papy. À medida que o ano passava não podíamos parar, enquanto os leitores continuavam querendo saber mais sobre Victor W. McBottle. No final foram 113 episódios”, concluiu Pascal, não sem orgulho.
Desde que foi demitido da Super VW Magazine em 2012 como resultado de medidas de austeridade, Meslet ampliou seu repertório. Além de cartazes para encontros de carros, ele também desenha e pinta aviões. No entanto, ainda sem ajuda de computador. “Meu irmão me deu um smartphone para que eu finalmente tivesse acesso à internet”, diz ele. “Não tenho computadores. Nunca lidei com tecnologia moderna, nem mesmo com carros modernos.” É por isso que seu foco principal no desenho continua sendo os veículos clássicos.
Quando perguntado por que um fã tão grande de carros não tem carteira de motorista, o artista hesita por um momento, mas depois responde com uma entonação séria: “Quando eu tinha cinco anos, eu estava com meu avô em seu Renault Dauphine. Chegamos a uma passagem de nível cujas cancelas estavam fechadas. Como os últimos da fila, esperamos como todo mundo o trem passar. De repente, do nada, fomos atingidos por trás! Um motorista que seguia por aquela rua não se apercebeu de que havia uma fila parada esperando as cancelas abrirem, colidiu conosco, empurrou o motor traseiro do carro para o seu interior. O motor me atingiu na parte inferior das costas, me jogou para a frente e eu aterrissei na área dos pés, na frente do habitáculo. Felizmente nada aconteceu comigo além de algumas contusões, escoriações e do trauma causado pela repentina aceleração. Meu avô também sobreviveu ao acidente praticamente ileso. Mas essa experiência traumática me deixou com medo de dirigir. Eu teria que ficar checando o espelho retrovisor a todo momento para ter certeza de que não havia ninguém atrás de mim. Ser passageiro, por outro lado, não me incomoda. Bem, é assim que é.” E acrescenta com um sorriso: “Isto costumava ser um segredo de família.“
Muito bem. Isto revela o passado, mas que planos o mestre tem para o futuro? Desde a separação da Super VW Magazine tem havido uma falta de trabalhos publicados regularmente. E, sendo assim, seus seguidores sentem muita saudade dos desenhos inspiradores e muitas vezes divertidos. Uma página foi aberta no Facebook por um grupo de fãs de raiz de Pascal, na qual eles demandam veementemente novos desenhos. “Gostaria de publicar um livro. Talvez uma espécie de livro ilustrado — ou uma história em quadrinhos de verdade. Então provavelmente com Victor W. McBottle no papel principal — além de vários VW, é claro! E é claro que seria bom voltar a desenhar para uma revista regularmente…”
Registro que quando Pascal foi demitido, Jacky Morel já não estava mais na revista. Eu continuo em contato com Jacky através das redes sociais. Além disto, eu acho que com a saída do Pascal a Super VW Magazine acabou perdendo um grande atrativo e a maneira “seca” com a qual a revista comunicou o fato em seu editorial deixou muitos leitores mais do que decepcionados:
Finalmente, pela primeira vez na história da Super VW Magazine, você não encontrará as ilustrações de Pascal Meslet neste editorial e na seção “Extreme Wagen”. Assim como você, lamentaremos, e desejamos-lhe felicidades.
Tenha uma boa leitura e aproveite o seu passeio de primavera num VW!
O mundo amplo do Pascal Meslet
Com tanto tempo trabalhando na Super VW Magazine, o trabalho voltado para os veículos VW ficou muito mais conhecido, mas ele desenha carros de todas as marcas e todos os tipos de veículos. A revista Rod & Custom publicou em maio de 1984 uma edição especial dedicada ao trabalho do Pascal Meslet com o mote: “Les meilleurs dessins de Pascal Meslet depuis 1979” (Os melhores desenhos de Pascal Meslet após1979). A quantidade de desenhos deste número especial é muito grande, são centenas. Veja alguns deles, seguindo a nomenclatura da revista para cada grupo:
Hot Rods
Street Customs
Leadsled Customs
Call Look Customs
Racing
Picapes
Vans
E os “outros”, incluindo revista em quadrinhos
Também foram apresentados alguns trabalhos especiais
Curiosidades
Vários desenhos do Pascal Meslet viraram realidade no mundo das miniaturas como se pode ver na foto abaixo:
E muitos outros desenhos são transformados em dioramas (representações em três dimensões) com muito sucesso
Com o Pascal “na pele”
Após a publicação desta matéria eu recebi uma mensagem pelo WhatsApp do Che, como o Marcelo é conhecido no grupo de WhatsApp “Fuscas US/SO” (US- Última Série e SO – Série Ouro) e no mundo dos carros antigos. Ele disse: “Tenho um desenho de Meslet tatuado nas minhas costas! (risos)”. Foi o suficiente para eu pedir uma foto e ele enviou duas. Uma do desenho do Meslet que foi tomado por base para a tatuagem, e outra da tatuagem em si:
Adiante o Che falou sobre a sua coleção de Fuscas: “Tenho uma pequena coleção de 15 Fuscas, que vão de um Zwitter ’52 a um Série Ouro com 2.500 kms rodados, passando por uma réplica de um Divisão 3 ’79 do Amadeo Campos.” Ele também disse que aprecia o meu trabalho, o que eu agradeço.
Acho que a versatilidade e genialidade do Pascal ficou bem evidenciada com estes exemplos, e olhe que há muitos mais.
Com esta matéria eu completo um conhecimento que eu mesmo ainda não tinha e olhe que ficou claro que o nosso herói é uma pessoa muito especial. E eu desejo a ele que consiga, aos 64 anos, realizar o que ele gostaria de fazer e que logo ele volte a trabalhar em uma revista.
Cabe aqui o agradecimento a Rainer Zerrath e Edwin Baaske.
AG
Nota de atualização: foi acrescentado o item referente a <<Com o Pascal “na pele”>> realizada em 05/05/2022 às 01h30m.
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