Não gosto dessa polarização, para usar uma palavra da moda, entre homens e mulheres. Sempre achei que tanto uns quanto outros podem e devem fazer o que bem entendem. Mulher não pode ser mecânica de carros? Desde quando? Por isso fiquei agradavelmente surpresa quando o leitor Hernán Saavedra me sugeriu escrever sobre mulheres que fizeram história dentro da indústria automobilística. Deparei-me (fazia tempo que não usava uma ênclise) com alguns exemplos realmente interessantes principalmente porque são de décadas atrás. Literalmente, do século passado ou retrasado.
Fiquei ainda mais surpresa porque não sabia que havia tantas invenções e tão úteis feitas por mulheres, mas a verdade é que nunca havia me atentado muito para saber quem havia inventado o limpador de para-brisa, por exemplo.
Então, vamos lá. Não vou falar de mulheres que pilotam ou pilotaram carros, pois já abordei esse assunto neste espaço e em outras ocasiões dediquei uma coluna inteira a algumas delas. Não, desta vez vou falar das mulheres que pouco ou nada sentaram atrás de um volante de forma competitiva, mas nem por isso são menos relevantes para a história do automobilismo mundial.
Mais uma vez, a ordem em que aparecem é totalmente aleatória. Não teria como fazer uma lista por importância ou mesmo cronológica, pois algumas datas se sobrepõem.
Florence Lawrence
Adorei pesquisar sobre ela. Florence nasceu no Canadá em 1886 e ficou mais conhecida nos cinemas. Os mais fanáticos a consideram a primeira estrela do universo cinematográfico, mas é fato que na década de 1910 era, sim, uma estrela. Mas o que mais me interessou foi que foi ela quem inventou as luzes de seta (ou pisca-pisca, dependendo da região do Brasil) e de freio para automóveis em 1914. Parece incrível, mas antes de Florence, os motoristas gesticulavam com os braços para fora do carro quando iam fazer uma curva (lembrei do meu exame direção, quando tinha que acionar a seta, mas também fazer o gesto com o braço).
A criação de Florence era simples e eficiente: uma dupla de bandeirinhas que eram fixadas atrás dos para-lamas que, ativadas por botões elétricos no painel do carro, levantavam uma bandeirinha indicando a direção da curva que seria feita. Na parte posterior do veículo, uma placa com a palavra “Stop” (“pare” em inglês) era ativada automaticamente quando se pisava no pedal do freio. Tudo muito simples, eficiente e certamente melhorou em muito a segurança veicular na época. Na verdade, nada disso mudou muito em mais de um século e hoje o que usamos é basicamente o mesmo sistema que Florence criou. Numa entrevista ao jornal The New York Times ela declarou: “A mulher comum faz seus próprios reparos. Ela é curiosa o suficiente para investigar cada pequeno ruído em seu carro e consertá-lo”.
Mary Anderson
Outro nome que me encantou. Mary nasceu em 1866 no estado do Alabama (Estados Unidos) e era fazendeira e empresária da construção civil. Certamente era observadora e curiosa, pois um dia durante uma viagem a Nova York, em 1902, no inverno e num dia em que chovia muito, percebeu que os motoristas dirigiam com a cabeça para fora da janela e muitas vezes tinham que parar os carros para limpar o para-brisa, pois os vidros acumulavam água e embaçavam muito. Ela pegou um caderno e rascunhou um protótipo de uma engenhoca que foi muito elogiada pelo próprio Henry Ford: um limpador de para-brisa (foto Mary Anderson registro de patentes). A ideia foi considerada tão genial que oito anos depois absolutamente todo os veículos fabricados nos Estados Unidos já saiam de fábrica com os limpadores criados por Mary.
Em novembro de 1903, Mary recebeu a primeira patente concedida para um dispositivo de limpeza de para-brisa controlado desde o interior do veículo. O acessório que usamos até hoje também não mudou tanto assim. Aquele projetado no início dos anos 1900 era um braço metálico revestido por uma borracha resistente que era acionado por uma manivela dentro do veículo para limpar o vidro sempre que necessário. Simples e genial.
Alice Ramsey
Alice não inventou algo, mas foi a primeira mulher a atravessar os Estados Unidos dirigindo um carro. Isso em 1909. Só consigo imaginar a condição das estradas e, por que não, dos carros naquela época. O mais incrível é que ela fez isso aos 22 anos e com mais três amigas.
Ela levou 41 dias e percorreu exatos 6.116 quilômetros entre Nova York e San Francisco, na Califórnia. Algo que nos dá uma ideia do que deve ter sido esta viagem é que ela gastou 11 pneus. Atravessou trechos desafiadores, enfrentou temporais, encontrou diversas tribos de indígenas e até mesmo com um grupo de homens a cavalo que perseguiam um assassino. E, claro, sofreu várias panes mecânicas ao longo do percurso. Tudo isto está contado no livro “Veil, duster and tire iron”, algo assim como “Véu, espanador e chave de roda”. Se até agora ela não lhes pareceu suficientemente feminista, vejam uma declaração dela, na época: “Dirigir bem não tem nada a ver com gênero sexual. Tudo o que envolve isto fica acima do pescoço”. Alice Ramsay é uma das quatro mulheres que está no Hall da Fama Automotivo, junto com 271 homens.
Bertha Benz (foto de abertura)
Ela não inventou propriamente algum acessório, como Florence Lawrence ou Mary Anderson, mas foi a primeira mulher a realizar a primeira viagem de longa distância num carro particular movido a gasolina na história – certo, um recorde ligeiramente diferente do de Alice Ramsey, mas que está valendo na História. E esta é mais uma feminista com “f” maiúsculo e no verdadeiro sentido da palavra: um belo dia ela resolveu ir visitar a mãe e levar os dois filhos. A distância era de meros 106 quilômetros, mas em 1888 era uma verdadeira odisseia. Ela, que era casada com o engenheiro Karl Benz nem avisou o marido que iria até a casa da mãe, em Pforzheim, com o carro.
Pegou um protótipo de três rodas desenvolvido por ele, o Motorwagen, traçou a rota incluindo paradas para comprar ligroína (um destilado de petróleo que se usava como solvente e, no caso do Motorwagen, como combustível) e partiu de Mannheim para a casa da mãe. Durante a viagem ela precisou consertar o veículo várias vezes, mas chegou ao seu destino, com tudo e todos bem. Ela morreu em 1944.
Bertha era sócia de Karl e o fato gerou muita curiosidade e interesse comercial em torno da marca, de onde se deduz que a questão não era apenas uma visita familiar, mas sim uma ação de marketing. Mesmo assim, ponto para Bertha que também encarou sozinha os desafios de consertar um carro no final dos anos 1800. Não é pouca coisa.
Mudando de assunto: este ano desisti oficialmente de fazer previsões sobre a Fórmula 1. Com tantas mudanças a cada corrida, não arrisco sequer num sábado estimar quem será o pole position no domingo, que dirá quem será o campeão deste ano. Tenho, é claro, minha torcida, mas o melhor mesmo está sendo ver tantas disputas e equipes que vem melhorando. Faz tempo que gosto das ultrapassagens de Sergio Pérez, que não me decepcionou no GP de Barcelona, e adorei a disputa entre George Russell e Max Verstappen. Aliás, estou adorando as disputas limpas, na pista, sem sujeira, que tenho visto este ano todo. Dá gosto ver isso, assim como pódios com gente feliz e que se respeita. Aleluia!
NG