Tudo começou em 1972, quando, junto com amigos, fui ä Interlagos assistir a primeira corrida de Fórmula 1 aqui no Brasil. A partir deste episódio, fui picado pelo mosquito das corridas, que injeta gasolina verde nas suas veias e o faz sonhar em ser um daqueles hábeis e destemidos homens que controlam aquelas máquinas velozes e barulhentas. Depois disso, não tirei mais a ideia da cabeça: ser piloto e fazer bonito nas pistas de todo o Brasil.
Completei meus estudos no segundo grau, formando técnico-mecânico em máquinas e motores, depois fui ser em mecânico de automóveis formado pelo Senai, além de trabalhar duro em uma oficina de preparação para carros de corrida no bairro paulistano do Cambuci. Lá aprendi muito sobre carros e motores com o preparador italiano Rafaelle Cecere, dono e meu chefe.
Curso técnico concluído, fiz vestibular para engenharia e fui, claro, para a FEI estudar engenharia automobilística. Durante os anos 70, além de estar frequentemente nos boxes como ajudante de mecânico, já escrevia textos sobre automóveis na Revista Oficina e em alguns jornais de bairro.
Era segundo semestre daquele mesmo ano de 1980. Eu estava focado que queria ser piloto e, com a ajuda dos meus amigos, faríamos a preparação do tal carro. Tinha paixão pelas competições desde a infância, quando primeiro me interessei pelos carros e, depois, pela competição entre eles.
Vale lembrar que o Bob Sharp já era um piloto de renome no cenário automobilístico brasileiro da época, tendo sido até mesmo campeão brasileiro de turismo pilotando um Maverick da equipe Mercantil-Finasa-Motorcraft, representante da Ford nas competições, Um dos caras bons que eu queria imitar. Nessa época, ele competia nas pistas e eu na arquibancada, assistia.
Para começar a ser piloto, mas sem muitos recursos financeiros, apelei para uma categoria, chamada pela Federação Paulista de Automobilismo da época, de “Estreantes e Novatos”, que exigia apenas a carteira de motorista do pretenso piloto: você se inscrevia e eles pediam só a CNH, te ensinavam o significado de algumas bandeiras e, pronto, você já era um pretenso piloto.
Depois de quatro ou cinco provas nessa categoria, você estava apto a reivindicar sua carteira de piloto de competição, agora profissional. Não precisava de escola de pilotagem ou curso, aprendia competindo na prática mesmo. Para isso, precisava ainda de um carro, por isso saí em busca de um…
Logo me surgiu um ótimo negócio, tudo conspirando a meu favor: um grande amigo meu tinha um pai que, digamos, era dos mais distraídos e distantes do mundo civilizado. Esse pai havia comprado em 1976 um Passat LS de duas portas, zero-quilômetro, mas até os anos 80 nunca havia pagado impostos, licenciamentos ou sequer as multas que recebia. Em resumo, o tal Passat estava pendurado em dívidas e, por isso e por não poder mais trafegar nas ruas, me foi vendido por um preço simbólico. Negócio de amigos mesmo.
Com ele em mãos, tinha o ponto de partida para um carro de corrida. Tudo precisava ser feito, e o dinheiro era bem curto: “santantônio”, pneus, rodas, suspensões completas, motor e câmbio, isso sem falar na estética. Tudo seria feito da estaca zero, e aí valeria o conhecimento que adquiri em toda a década de 70 sobre carros de corrida. Não só o meu, mas também de todos os meus amigos, que também mexiam com mecânica ou trabalhavam na área.
O “santantônio” aqueles tubos que fazem uma gaiola interna em caso de acidentes, foi gentilmente feito pelos nossos amigos da fábrica de escapamentos Grand Prix. O tal Passat não andava, pois já havíamos tirado seu motor e as portas para facilitar a fabricação da gaiola interna. Por isso, arrastávamos o carro com uma corda, sem motor, pela Zona Leste de São Paulo. Gaiola de proteção feita, focamos no motor, originalmente um 1.5 com carburador de corpo simples.
Levamos à uma retífica, também de amigos, que aumentaram o diâmetro dos cilindros com novos pistões de 1.5 para 1.6 (76,5 mm para 79,5 mm). Agora os pistões tinham cabeça plana para utilizar a novidade da época: álcool. No cabeçote tudo era original, até o comando de válvulas. Com os novos pistões, conseguimos 10,8:1 de taxa de compressão, que na época achamos absurda, já que estávamos habituados a 8:1 ou 8,5:1 quando usávamos gasolina. Mas diziam que com álcool haveria melhor performance com maior taxa de compressão.
Só para que se tenha uma ideia, um motor moderno, se houvesse um totalmente movido a álcool, com todo o comando eletrônico antidetonação, funcionaria com ótima desenvoltura em taxas de compressão de 15:1. E eu com medo daqueles 10,8:1 pensando que o motor iria quebrar. Hoje, os flex podem ter até 13:2 (motores Fiat Firefly) sem problemas de durabilidade ou desgaste prematuro.
Como eu competiria na categoria de até 1.600 cm³, o carro deveria ter a mesma aparência de um Passat TS, e o meu era um LS. Então, em um desmanche, comprei os quatro faróis circulares e a grade de um TS acidentado, e lá mesmo encontrei quatro rodas do mesmo TS, que eram meia polegada mais largas. Elas mais adequadas para os pneus 175/70R13 originais do Passat esportivo, como previa o regulamento. Para minha sorte, consegui também o volante de quatro raios do TS, que caiu como uma luva no meu LS de corrida.
No motor, além da cilindrada aumentada, trouxe do desmanche o carburador de corpo duplo e o coletor especial daquele carro acidentado. Isso garantiria maior performance. E além disso, o coletor de escapamento, que tinha regulamento livre pela federação, acabou sendo um de tubos individuais do tipo 4 em 1, com saída pela lateral do carro.
Claro que tinham segredinhos internos que aprendi com o velho italiano preparador: pistões deveriam ter todos o mesmo peso, partindo sempre do mais leve e aliviando os mais pesados internamente, enquanto as bielas deveriam ser trabalhadas de maneira a todas terem o mesmo peso. Importante: os conjuntos bielas/pistões, que trabalhariam em sincronia, precisariam ter pesos semelhantes entre os quatro. Para terminar, polia, virabrequim, volante, platô foram balanceados.
As velas de ignição, por causa da maior taxa de compressão, precisavam ser mais frias, e na época foram fornecidas pela NGK. O motorzinho estava em ponto de bala, ao passo que o câmbio de quatro marchas ganhava novo lubrificante, isso sem falar na minha sorte de ter as mesmas relações de marchas que o pessoal de ponta usava. A dica era usar o câmbio do Passat LS, justamente o meu.
Mas eu sabia que o grande segredo das competições, além do capricho da montagem de todos os componentes do carro, estava no perfeito acerto da carburação com álcool e no conjunto mola/amortecedor, que dariam altura correta ao veículo e dinâmica “redonda” nas curvas. Nesse ponto dei outra sorte grande, que acabou sendo o pulo do gato para um início promissor nas corridas: perto do Aeroporto de Congonhas, existia a sede de uma equipe profissional de ponta, do Torneio Passat, uma categoria nacional que fazia a preliminar da Fórmula V e Super V, tudo com patrocínio da própria Volkswagen.
No Torneio Passat, apenas nomes de respeito dos que pilotavam com excelência carros de turismo: Toninho da Matta, Jorge de Freitas, Fabio Soto Mayor, Raffaele Rosito, Rômulo Gama, Attila Sipos, Egidio “Chichola” Micci, entre outros. Os carros eram verdadeiras balas, e o meu velho Passat tinha os mesmos quesitos do regulamento do torneio, mas o segredo era ter os acerto dessas máquinas de ponta.
Pois bem, fui na tal oficina, da equipe Castrol Rio Motor, em um sábado, e encontrei quem depois se tornou um grande amigo e sócio: Edson Magno, o saudoso Testa, mecânico que conhecia o fastback da VW como a palma de sua mão. Ele é o mecânico que está mexendo no motor do meu carro algumas fotos acima.
Conversei com ele e expliquei que era um piloto de estreia, e queria saber se ele poderia me dar dicas de acerto da carburação, molas e amortecedores. Ele, como um pai, fez mais e melhor: mandou que eu levasse o meu carro para lá, onde seria trocada a suspensão dianteira e traseira, trocado o carburador por outro especial de sua equipe, e pronto! O resultado final dessa “pequena” mudança foi abissal para a performance do carro.
Quando fui fazer o meu primeiro treino, descobri que aquele velho Passat do pai do meu amigo tinha virado uma verdadeira fera, um carro que poderia facilmente andar na ponta de qualquer corrida do campeonato paulista, tamanho o resultado prático. Após alguns treinos para aprender as artimanhas de Interlagos, fui para minha primeira corrida cheio de confiança: sabia que tinha um carro que poderia brigar com a liderança da corrida, e só minha falta de experiência atrapalharia.
Se contar nesse mesmo texto como foi minha primeira corrida, vai se tornar quase um livro. Fica para a próxima edição da coluna, mas adianto que o resultado foi surpreendente, e por causa dele acabei indo parar inclusive na Revista Quatro Rodas (acima), publicação que segui carreira na década seguinte e me desenvolvi bastante profissionalmente.
DM