Esse jovem era eu e o ano, 1961. Eu já dirigia desde os 14 anos. Não dar apenas voltas no quarteirão, mas andar pela cidade do Rio de Janeiro. Mas o roteiro predileto era a Estrada da Gávea no trecho de serra, que entre subida de descida dava dois quilômetros. Pavimentação de concreto, linda. Era parte do Circuito de Gávea de 11.160 quilômetros. Era o “quintal” da casa da família naquele bairro até hoje charmoso. Grande parte do meu aprendizado de dirigir rápido foi naquela estrada de passado glorioso de 16 grandes prêmio entre 1933 e 19 54.
Em 17 de dezembro de 1960 eu conseguira minha carteira de habilitação — passei de primeira — e já podia circular sem a preocupação de ser flagrado pela polícia, ao mesmo tempo morrendo de vontade se ser parado para orgulhoso exibir meu “troféu”. Incrível, isso levou anos para acontecer.
Na turma do bairro havia um “agregado”, morador em outro bairro, Leblon, que namorava uma das meninas e logo ficamos amigos. Ele tinha um Fiat 500 C, do qual já falei aqui. Um dia ele apareceu com o carro da família, um Jaguar Mk VII, carro pelo qual eu já nutria grande admiração. Tinha uma aura especial, reunia luxo e desempenho. Era mesmo um belo sedã de quatro portas.
Eu vira um na primeira Mil Milhas Brasileiras, em novembro de 1956, reforçando meu encantamento. Esse Mk VII, entretanto, não terminou a corrida. Na primeira perna do “S” tocou o pequeno barranco interno que o fez tombar. Seu dono e piloto abandonou a prova.
O amigo, Luiz Carlos Barbará. logo me permitiu dirigir o Jaguar, que era 1954 (lançado em 1950 no Salão de Earls Court, em Londres), foi como se um sonho tivesse se tornado realidade. Eu o achava lindo (e continuo a achar), com seu porte grande, mesmo com o para-brisa de vidro plano dividido. Era comum ele aparecer lá em casa para andarmos no Jaguar — eu dirigindo-o, claro
Media 4.991 mm de comprimento com 3.048 mm entre-eixos , largura de 1.854 mm e altura, 1.600 mm. A construção era separada. carroceria sobre chassi. Seu interior era refinado, com amplo uso de madeira no painel e revestimentos, e couro nos bancos.
Mas havia outra admiração: sua mecânica. O motor de seis cilindros em linha de 3.4 litros (3.442 cm³) e sete mancais com a sempre atrativa imagem dos dois comandos de válvulas no cabeçote de alumínio e dois carburadores SU H6. que era o mesmo motor do famoso carro esporte XK 120 e que entregava a elevada potência (para a época) de 193 cv (potência líquida) a 5.500 rpm, com torque de 29 m·kgf a 2.500 rpm.
Para efeito de comparação, o Oldsmobile 88 1950 lá de casa tinha motor V-8 de 5 litros e 137 cv, potência SAE bruta.
Era pesado, 1.676 kg em ordem de marcha, mas seu desempenho, no seu tempo, era excelente, com 0 a 96,5 km/h em 13,7 segundos e velocidade máxima de 167 km/h. O câmbio era de quatro marchas com primeira não sincronizada e eu me divertia com a expressão dos amigos,— todos queriam andar comigo nas minha saídas com o Jaguar — vendo eu engatar a primeira com o carro em movimento por meio da dupla-embreagem com aceleração interina ou mesmo freando, usando a técnica do punta-tacco.
A suspensão dianteira era independente por triângulos superpostos com barra de torção e a traseira, eixo rígido com feixes de molas semielípticas. Freios eram a tambor de 305 mm de diâmetro e os pneus, diagonais 6.70-16.
Dirigi-lo era verdadeiramente prazeroso, apesar do volante enorme (mais de 400 mm de diâmetro tinha, seguramente, pois a direção não tinha assistência). Fazia curvas bem apesar do porte e peso, e os freios eram razoáveis para o seu tempo. O painel era bem instrumentado e com os dois instrumentos principais bem afastados um do outro. Por ser projeto inglês, o velocímetro ficou ao alcance visual do passageiro dianteiro e o conta-giros — de movimento anit-horário do ponteiro, que achei estranho já àquela altura — para o motorista. A alavanca de câmbio no assoalho era fina e delicada.
Esse Jaguar me marcou muito e posso dizer que foram momentos do meu início ao volante que me deram imensa alegria, pelo que ficarei eternamente grato ao amigo Luiz Carlos Barbará, que nunca mais vi, infelizmente, depois que me mudei para São Paulo em 1978.
BS