Pesquisando sobre o assunto Speed 1600, encontrei publicação no blog “História que vivemos”, de Rui Amaral Jr. de um interessante material do piloto Pedro Garrafa contando como ele tinha feito o seu Speed 1600, postada em março de 2011. O Pedro foi além e comentou sobre alguns truques de que alguns mecânicos lançaram mão para ludibriar o severo regulamento da categoria.
Fazendo um Speed 1600
Por Pedro Garrafa
Neste material vou relatar de uma forma geral, e vou procurar usar uma linguagem bem simples sem muitos termos ou explicações técnicas, para que todos possam entender, o que é, ou melhor o que era, na minha época, a preparação de um Speed 1600.
A categoria Speed 1600 tornou-se a coqueluche do automobilismo paulista e posteriormente nacional, em virtude da fácil acessibilidade e baixo custo. Engana-se quem pensava que para se ter um Speed 1600 bastava tirar os para-choques, rebaixá-lo e pintar um número na lataria e pronto já tinha um carro de corrida. Grande engano, pois, mesmo sendo de fácil e barata preparação, exigia obviamente um retrabalho especial no carro todo. Vamos ao princípio:
Primeiramente era necessário ter um carro com um ótimo chassi, eu disse ótimo e não bem reformado, pois, caso contrário, era jogar dinheiro fora. Não pense que se podia montar um Speed 1600 comprando um chassi ou uma carcaça no ferro-velho, como se fazia com os bugues ou bajas da época. Era necessário ter um carro bom, mas bom mesmo, senão todo o trabalho de montagem e preparação ia por água abaixo quando o carro fosse para a pista iniciar os primeiros testes. Sim, porque não era possível entrar em uma corrida sem antes testar as modificações e a preparação realizada no carro.
O segundo passo, e o mais importante, era a montagem do carro, pois retirava-se do carro tudo o que era considerado desnecessário. Sendo assim era feita uma retirada completa das forrações internas, bancos originais, acessórios, som, e em alguns casos até componentes do painel, para incorporar ao mesmo o “Santo Antônio” (gaiola de proteção em caso de capotagem), sistema de tubulação, extintor de incêndio e banco especial de competição. Também eram instaladas chaves-gerais interna e externa, bem como reforço nos cabos elétricos e em especial na conexão à bateria. Todos esses itens eram obrigatórios, e o que podia ser feito opcionalmente era a instalação de conta-giros e instrumentos de medição de pressão do óleo e do combustível, bem como um volante esportivo. Com isso, internamente, já tínhamos nosso carro de corrida.
Partiremos agora para as modificações e implantações externas: os para-choques eram retirados, era permitido cortar uma pequena faixa de lata na saia traseira para melhor instalação do escapamento dimensionado para competição, que daria um ganho de preparação no motor de aproximadamente 4 a 5 cv. Isto com a adoção de um escapamento dimensionado certo para cada tipo de circuito, pois naquela época havia vários modelos como 4 em 1 (que era muito usado também pela Divisão 3), tínhamos o 4 em 2 paralelo ou sobreposto, e também o cruzado que era ideal para o circuito antigo de Interlagos, pois havia muitos trechos em reta e este tipo de escapamento rendia bem de velocidade final.
Os faróis eram retirados e substituídos por um molde de plástico e fibra, os frisos e acessórios externos como suporte de placa e luzes de placa, também eram retirados, porém os estribos originais tinham que ser mantidos. Os para-lamas, tanto dianteiros quanto traseiros, podiam ter suas bordas rebatidas, para que não que cortassem os pneus, pois, além de mais largos, eram de perfil alto com aro 14 e talas de 6 polegadas na dianteira e 6,5 ou 7 polegadas na traseira. Na época usávamos na dianteira o radial de medida 185/70R14 e na traseira. 195/70R14.. Na foto de abertura é possível ver o detalhe dos pneus usados nos Speed 1600 em plena ação; esta foto foi tirada durante a prova “Três Horas de Londrina”, PR, no ano 2000.
Mesmo com essas modificações o carro não poderia perder as suas características originais, ou melhor, a sua aparência original, regra essa que devia ser mantida também nos motores, que tinham que ser mantidos com aparência original também, não importando a preparação interna que deveria seguir rigidamente o regulamento da categoria (o que era o mais difícil, pois havia os espertos que achavam sempre um modo de burlar o regulamento, coisa que existe até os dias de hoje em qualquer categoria, pois infelizmente faz parte da cultura do brasileiro “sempre querer levar vantagem em tudo”).
Além dessas modificações, podia-se, também utilizar um radiador de óleo externo, bastando para isso uma abertura frontal na caixa de estepe e a instalação do radiador que podia ser de vários modelos, podendo ser de alumínio tipo colmeia, ou de arrefecimento do tipo convencional. Era permitido também colocar no motor uma bomba de circulação dupla de óleo do tipo Schadek ou fazer furação na carcaça para a instalação dos niples que fariam, através de mangueiras especiais tipo para solvente, a circulação do óleo do motor até à frente do carro para o arrefecimento do óleo do motor.
Depois desses passos, chegou a hora de mexer na suspensão que precisava ser enrijecida e rebaixada para dar melhor estabilidade ao carro. No início desta categoria não se podia fazer muita coisa em termos de retrabalho na suspensão. Porém, depois, em virtude da necessidade do aumento de segurança e devido ao desenvolvimento dos motores e seu aumento de potência, foi necessário mexer bastante na suspensão. Foram permitidos retrabalhos nos braços e nos pivôs, pois no início era aplicado o sistema de rebaixamento com catracas reguláveis, e havia poucas opções de amortecedores, que na época eram apenas endurecidos. Depois, com o tempo, foram sendo implantados amortecedores com regulagens de compressão e distensão, quero dizer altura, força para descida e subida e flexibilidade, mais duro ou mais mole.
Bom, até este estágio estamos praticamente com o carro montado. Ia quase me esquecendo dos freios, que também, conforme o regulamento, deveriam ser originais sem modificações, porém era possível a instalação do cilindro-mestre duplo do VW Brasília. O câmbio também devia ser original do VW Brasília cuja relação de diferencial não podia ser modificada, utilizando-se da coroa e pinhão original 33:8 dentes sem nenhum retrabalho.
Bom agora vamos ao mais importante: o motor. Esse, tanto quanto o câmbio, na sua essência também deveria ser original sem retrabalho, porém com pequenos detalhes de preparação que poderiam variar de preparador para preparador conforme a sua interpretação do regulamento. Para não me aprofundar demais nesse item, tentarei ser o mais claro possível, pois seria muito extenso falar todos os pormenores. A cilindrada permitida era a de 1.600 cm³, porém, acreditem ou não, havia espertalhões que, na época, conseguiam fazer verdadeiras mágicas em termos de burlar o regulamento. Por uma questão de ética, vou preservar os nomes dos “mágicos”. Basta dizer que tínhamos motores mistos, ou melhor, por incrível que pareça, de um lado o motor era de 1.584 cm³ ou melhor dois cilindros originais, e do outro lado, os outros dois cilindros eram de 1.800 cm³. Utilizava-se esse recurso fora do regulamento, porém, na hora da abertura para verificação ao final de cada prova, quando fosse solicitado ou sorteado, o motor era desmontado apenas de um lado, o lado original de 1.600 cm³, é claro.
O comando de válvulas também podia ser substituído por um que aumentasse a potência. No princípio usava-se o comando do VW Kombi com a numeração de final 116 (desculpem, mas não me lembro no momento a numeração inteira, mas com certeza era final 116), porém devido a vários artifícios de se burlar o regulamento, a própria federação passou a fornecer os comandos que eram numerados de acordo com o participante afiliado à categoria e ao carro correspondente, para se evitar que fossem alterados. Depois também isso foi abandonado e foi implantado o comando importado que na essência seria um de 294° de duração.
Os carburadores utilizados eram os Solex 32 originais, sem modificações externas, e as bases deveriam, conforme o regulamento, ser também de 32 mm de diâmetro, porém conseguíamos achar bases com 35 mm de diâmetro com aparência de originais, um excelente trabalho de torneiros especializados, que retrabalhavam as borboletas e eixos sem deixar vestígios.
Os motores bem trabalhados, conseguiam chegar a uma faixa de 5.900 a 6.000 rpm, com álcool como combustível, com 13:1 de taxa de compressão nos cabeçotes, que aparentemente também não podiam sofrer retrabalho. O resto do motor era todo original, virabrequim, bielas, pistões e cilindros, tudo do motor a álcool.
Enfim essa era a essência. Logicamente a preparação é que fazia a diferença, associada ao talento de cada piloto, pois além da categoria Speed 1600 ser considerada uma categoria-escola, por ela passaram grandes nomes do nosso automobilismo, não citarei nomes para não cometer injustiça caso eu esquecesse de algum.
Com certeza a categoria Speed 1600 marcou uma época de ouro no nosso automobilismo, pois ela foi precursora de uma das mais sensacionais categorias já existentes, que foi a Divisão 3. Seria impossível falar da Speed 1600 sem citar a Divisão 3.
Talvez vocês tenham notado que todos os carros do Pedro Garrafa tinham a adesivação “Truck Escapamentos” que era uma fábrica de escapamentos dele.
Agradeço tanto ao Pedro Garrafa, como ao Rui Amaral Jr. pela colaboração para esta coluna. Este material deixou um gancho relativo aos VW Fuscas da Divisão 3, um assunto que também poderá aparecer por aqui no futuro.
Link para a Parte 1
AG
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