Dando continuidade às narrativas de matérias recentes sobre o AutoPavilion da Volkswagen da África do Sul (VWSA), em especial sobre o trágico acidente que destruiu nove de seus exemplares mais importantes, restou uma certa estranheza e um monte de dúvidas sobre o modelo do último VW Kever/Beetle que também foi destruído naquela oportunidade.
Até meu amigo do Japão, Atsushi Nobusan, recentemente comentou na publicação da mais recente matéria sobre o AutoPavilion no Facebook que ele tem poucas informações e que gostaria de conhecer melhor este carro sul-africano. Com esta matéria eu pretendo esclarecer este assunto um pouco mais.
Algumas informações preliminares: Kever é o apelido do VW Beetle em africâner, que é um dos onze idiomas oficiais da África do Sul. Já o Apartheid foi um sistema de segregação racial institucionalizada que existiu na África do Sul e no Sudoeste da África de 1948 até o início dos anos 1990. Este sistema gerou muitas reações e sanções do resto do mundo contra a África do Sul.
Na foto de abertura o destaque é a lanterna traseira “tipo pata de elefante”, exclusiva da VWSA, uma das diferenças marcantes VW Kever/Beetle e que era muito maior do que as “tipo Fafá” brasileiras. Esta foto é um recorte de uma foto do SP 1600, o Sports Bug 1978, que também foi destruído no fatídico acidente:
O desenvolvimento de alternativas locais de modelos Volkswagen na África do Sul é, em termos da história da produção mundial da Volkswagen, único — e muito interessante. Por muitos anos o país foi alvo de sanções econômicas e políticas internacionais. Como resultado, a evolução dos veículos construídos na África do Sul desenvolveu-se não apenas sob a influência das condições locais de uso dos carros, mas também sob a influência de um país que vivia em relativo isolamento.
Esses temas se aplicam a toda a história do desenvolvimento automobilístico na África do Sul desde a década de 1960 até o fim do Apartheid em 1984. Dada uma longa história estabelecida de desenvolvimento isolado, a indústria automobilística sul-africana permanece, ainda hoje, um setor muito localizado e frequentemente é uma área de soluções únicas.
Enquanto se costuma discutir os mal-entendidos de emblemas europeus versus americanos e canadenses, e questões da terminologia, etc., os modelos sul-africanos VW Kewer/Beetle são, para os olhos dos entusiastas da Volkswagen europeus, norte-americanos e do resto do mundo, um pouco confusos. Os modelos de VW Kewer/Beetle produzidos na fábrica de Uitenhage (hoje Kariega) exibem peculiaridades de produção que não podem ser facilmente conciliadas com as mudanças de modelos europeus, norte-americanos, brasileiros ou mexicanos.
Por exemplo, as questões relacionadas aos emblemas ‘VW 1302 S’ e ‘VW 1303 S’, das versões alemãs dos Super Beetles, não surgem ao considerar os VW Kewer/Beetle sul-africanos: eles receberam os emblemas “VW_1600”. Ainda mais incomum foi a introdução em 1977 de um modelo “Super Bug”, nome comercial do 1600 S, com o para-brisa curvo e o painel associados do 1303 europeu, mas mantendo o tradicional arranjo de suspensão dianteira por braços arrastados superpostos e feixes de lâminas de torção, em vez da suspensão tipo McPherson do modelo alemão. Os 1600 S foram produzidos somente em 1977 e 1978.
A produção dos VW Kever/Beetles de Uitehange sempre foi envolta em reviravoltas que, além do mercado ter sido fechado, torna difícil a pesquisa de seus detalhes. As cores de pintura, por exemplo, não foram provenientes de uma paleta totalmente Volkswagen, mas de cores que foram compartilhadas também por outros fabricantes com bases de produção na África do Sul. Hoje em dia é difícil fazer um levantamento de que cores foram usadas.
Os VW Kever/Beetles produzidos em Uitenhage tinham rodas de cinco parafusos até o final da produção em 1979. A versão de rodas Rostyle da GUESTRO Industrie (Ltd) Pty, empresa sul-africana licenciada da Rubery Owen inglesa fabricante original deste modelo, deu uma aparência única a vários dos modelos, incluindo as séries especiais sul-africanas. Para comparação eu cito que as rodas de quatro parafusos surgiram no Brasil em 1970 no Fuscão e a partir de 1974 as rodas de quatro parafusos substituíram definitivamente as rodas de cinco parafusos em todos os Fuscas brasileiros.
Na foto acima do SP 1600 podem ser vistas as rodas Rostyle, que também equipavam carros de outras marcas na África do Sul como Rover e Ford.
O esquema abaixo dá um resumo de como o VW Kever/Beetle 1600 S foi criado com componentes do modelo Standard, que ainda era produzido pela VWSA e do modelo 1303 alemão:
Legenda:
Standard: modelo Standard sul-africano
Curved windshield: para-brisa curvo
Super: modelo 1303 alemão
Fenders: para-lamas
Real dash: painel de verdade (referindo-se ao do 1303, ressaltado em vez de plano))
Torsion tube suspension: suspensão com lâminas de torção
South African 1600 S: modelo 1600 S sul-africano
Weird taillights: luzes traseiras estranhas
One-off-hood: capo dianteiro único (existente só neste modelo) que concilia a estrutura básica do modelo Standard com a introdução do para-brisas curvo – sendo também um pouco mais inclinado que o do 1303.
A janela traseira do 1600 S também foi aumentada, em relação à janela do Standard e isto não aparece no diagrama acima.
Ao contrário do 1303 e do Standard sul-africano,as lanternas de seta dianteiras não estão sobre os para-lamas, mas no para-choque.
Foi feita a instalação de pequenos refletores dianteiros circulares brancos nos para-lamas dianteiros logo abaixo e na parte externa dos faróis. Este detalhe se aplica a todos os veículos sul-africanos produzidos em conformidade com a legislação de trânsito local; como se pode ver na foto abaixo:
Os encostos de cabeça eram separados dos bancos dianteiros num estilo novamente exclusivo da produção local em bancos com design e detalhes de acabamento igualmente exclusivos para os VW Kever/Beetles sul-africanos.
O custo para atualizar equipamentos e ferramentas para produzir o 1600 S foi mínimo, e este Super Bug foi a resposta da África do Sul para um novo design com investimento foi o menor possível. Há pouca informação disponível sobre esses carros, incluindo números de produção. Ainda assim, o fato permanece, o Super Bug sul-africano compõe um capítulo interessante na longa história da Volkswagen.
Catálogo VW Kever/Beetle 1977
Para completar esta matéria eu reproduzo este catálogo, escrito em inglês e africâner, com dados da série de VW Kever/Beetle que era produzida então, e os modelos que constam deste catálogo são o 1600 S, o esportivo SP 1600, o 1300 e o 1600 L. Este catálogo faz parte da coleção do site The Samba.
Este catálogo possui, além das informações em texto, que incluem a ficha técnica dos modelos nele retratados, fotografias dos detalhes dos modelos, dos quais ressalta o painel do 1600 S com o jeitão do painel do 1303, mas com apliques imitando madeira, e com o volante do lado direito de acordo com a mão de direção daquele país.
Nos dias de hoje os VW Kever/Beetle são muito disputados por colecionadores e entre eles se inclui o meu amigo búlgaro Bojidar Shebov, cuja coleção já foi retratada pela matéria “GIGANTESCA COLEÇÃO VOLKSWAGEN NA BULGÁRIA”. O Bojidar me enviou fotos dos seus exemplares de 1600 S que serão reformados em sua oficina especializada própria:
AG
Para esta matéria foram consultados os seguintes sites: Classic Car Africa, Mid America Motorworks, SEBeetles, Jalopnik, Aircooled VW South Africa, Classic & Vintage Volkswagens, The Samba e Wikipédia.
Agradeço ao amigo Bojidar Shebov o envio das fotos e do material inicial para esta matéria.
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