A empresa Vidal & Söhne (Vidal e Filhos) foi fundada em Hamburgo em 1883 para fornecer serviços de combate a incêndio em portos que recebiam navios trazendo carvão do exterior; Em 1927, com a economia alemã esmagada pelo peso das reparações de guerra impostas pelo Tratado de Versalhes com sua derrota na Primeira Guerra Mundial, o negócio de importação carvão entrou em declínio. O futuro da Vidal & Söhne era incerto.
Em busca de uma nova oportunidade, Max Vidal e seu filho, Oskar, decidiram partir para a indústria automobilística. Eles viram uma oportunidade de desenvolver um veículo comercial simples, semelhante ao popular Blitzkarren da Goliath. O resultado foi o Tempo T1, um triciclo de entregas movido por um motor monocilindro dois-tempos de 198 cm³. Juntamente com o T1, foi oferecida uma versão maior com motor de 400 cm³.
A Vidal & Söhne, cuja fábrica passou a ser chamada de Tempo-Werke, foi evoluindo seus produtos e aumentando seu renome no mercado, passou por triciclos maiores de múltiplas aplicações e lançou modelos de quatro rodas como mostra a foto de um estande em uma exposição em meados de 1930:
Em 1936, a Tempo-Werke respondeu a um contrato da Wehrmacht (exército) para um veículo utilitário leve com tração nas quatro rodas e sua resposta foi excepcionalmente heterodoxa. O G1200 foi baseado no A600 anterior, mas alimentado por dois motores Jlo de 600 cm³, um na frente e outro na traseira. Cada motor tinha sua própria caixa de câmbio e acionava separadamente os eixos dianteiro e traseiro que tinham suspensão independente. Os motores podiam ser operados juntos para tração total nas quatro rodas ou podiam funcionar independentemente para operação com tração dianteira ou traseira.
O exército alemão, entretanto, não favoreceu os motores de dois tempos e o G1200 foi rejeitado em favor do Stoewer LEPKW. A Tempo, então, buscou contratos de exportação. Foram vendidos 1.335 G1200 para países como Suécia, que fez o maior pedido único de 400 veículos, Finlândia, Letônia, Dinamarca, Romênia, Hungria, Brasil, Argentina, México e até Tailândia.
Passada a Segunda Guerra Mundial a Tempo-Werke estava arrasada pelos bombardeios dos aliados, já que seus produtos acabaram sendo usados pelas forças armadas alemãs. Como foi o caso dos triciclos, lentos demais para serem usados nas frentes de batalha, mas úteis, por exemplo, em tarefas como transporte em aeroportos.
A recuperação foi difícil e contou com entraves decorrentes da derrota alemã na guerra.
Surge o Tempo Matador
Em 1948, Dietrich Bergst, que trabalhava para a Tempo desde 1930, assumiu a posição de engenheiro-chefe da Tempo-Werke. Bergst imediatamente começou a modernizar a linha da Tempo-Werke. O resultado foi o Tempo Matador, lançado em 1949. Em muitos aspectos, o Tempo Matador era bem diferente de seus predecessores. Ele apresentava uma cabine montada na frente e era movido por um motor boxer Volkswagen de 1.131 cm³ montado sob o banco do motorista e acoplado a um transeixo Volkswagen (depois substituído por um transeixo ZF). A tração era obviamente dianteira.
No entanto, ainda apresentava o mesmo chassi tubular com suspensão independente na frente e atrás do Hanseat, sendo feixe de molas transversal com braços de controle triangulares inferiores na dianteira e semieixos oscilantes com molas helicoidais na traseira. A cabine manteve o assoalho de madeira e os acessórios espartanos.
O texto desta página do folheto dizia:
Este tipo está disponível com carroceria para carga alta ou baixa para que qualquer tipo de carga possa ser facilmente transportado. Uma área de carga notavelmente grande de 3 metros de comprimento e 1,64 metros de largura permite o transporte de cargas muito volumosas,
A cabina do condutor praticamente equipada e aquecida com vidro de segurança, a distribuição de carga igual em ambos os eixos, o câmbio bem escalonado, a excelente capacidade de subida, os freios hidráulicos muito eficientes, tudo tende a dar uma sensação de segurança, economia e conforto.
Medidas: comprimento total 4.840 mm, largura total 1.820 mm, altura total 1.800 mm. Consumo de combustível 11,9 a 12,8 km/l. Velocidade máxima: 80 km/h.
O Matador provou ser um grande sucesso e entre 1950 e 1952 mais de 13.000 foram vendidos. Mas, em 1952, a Volkswagen jogou um balde de água fria nos planos da Tempo-Werke ao cessar o fornecimento de motores, pois não queria um concorrente para seu T2 Transporter. As tentativas do uso de outros motores acabaram não dando certo, mas esta é uma outra história.
A saga do Tempo Matador que acabou sendo do acervo do Museu Zeithaus (Casa do Tempo)
O Museu Zeithaus e um incrível museu multimarca que faz parte da Autostadt que é um parque temático de automóveis do Grupo Volkswagen, instalado no terreno da fábrica de Wolfsburg
Em 1951 este Tempo Matador novo foi originalmente vendido para um depósito de sucata austríaco e depois foi revendido a um fazendeiro austríaco antes de ser adquirido por um colecionador na Bélgica. Que foi Bob van Heyst da empresa BBT (importante centro de peças para VW antigos de todos os tipos), que coincidentemente eu conheço desde 1991. O Tempo Matador ficou na coleção do Bob no estado em que ele se encontrava, sem restauração, já com danos na carroceria com caçamba de madeira e com uma pintura diferente da original.
O colecionador americano Eric Parsons tem uma predileção por veículos de transporte antigos, em especial Volkswagens arrefecidos a ar e acabou se interessando por este que tem o motor VW, quando um amigo seu falou da descoberta que ele tinha feito na Bélgica. “Bastou algum dinheiro e um ano para chegar até aqui”, disse Eric.
Quando o Tempo Matador chegou em sua nova casa em Valley Village, Califórnia, Eric passou algum tempo examinando sua compra. “Era uma picape funcionando perfeitamente e apta para sair por aí dirigindo”, disse ele. “A madeira do fundo da carroceria estava muito deteriorada, mas havia muito pouca ferrugem na lataria da picape. Sou um grande preservacionista e foi uma difícil decisão desmontar o veículo completamente ou preservá-lo como estava” concluiu Eric, que afirmou: “O fator decisivo foi a pintura: a picape estar com cinco demãos do que parecia ser uma pintura caseira”.
A restauração do Tempo Matador levou 16 meses de trabalho em tempo integral. Como era de se esperar, encontrar peças de acabamento específicas para a picape acabou sendo um grande desafio — calotas, emblemas, o logotipo e outros detalhes.
Localizar um manual de montagem de fábrica em alemão por meio de um vendedor de livros antigos holandês “foi uma dádiva de Deus”, disse ele. “Além desse manual eu não tinha nenhuma referência, a não ser a própria picape”.
Ele também conseguiu encontrar um manual de montagem em inglês para a próxima geração do Tempo Matador, que compartilhava seu transeixo ZF de quatro marchas com os Tempo Matador de última geração com motor VW, como o do veículo em questão.
Abaixo, uma reminiscência dos tempos antigos, o documento de liberação da inspeção da picape na Áustria, com uma foto de maio de 1964:
A reconstrução do motor de Fusca de 25 cv foi confiada à Conemac Motors em Canoga Park, Califórnia.
A funilaria e a pintura foram feitas por Omar Lugo.
Embora não houvesse nenhum código de pintura conhecido, Eric conseguiu encontrar vestígios da tinta verde original da picape sob a borracha da janela traseira e assim ele pôde recriar a cor original e o fez em uretano PPG de dois estágios.
Pedro, da North Hollywood Upholstery, refez o acabamento interno e a tapeçaria.
O motor fica abaixo deste banco, vamos ver como se chega até ele nas duas fotos seguintes:
Depois são retiradas as tampas de madeira para se chegar ao motor.
Certamente os trabalhos de manutenção nestas condições podem demandar um pouco de contorcionismo.
Já que estamos na cabine vamos das uma olhada no painel deste Tempo Matador:
O fundo de madeira da carroceria, uma parte do projeto de restauração que havia incomodado Eric, foi reconstruído com madeira de choupo claro de primeira pelo mestre marceneiro Peter Spurr. “Eu lhe dei carta branca para recriá-lo”, disse ele. Eric se encarregou das tarefas de pesquisa, desmontagem e montagem.
Olhando a picape de baixo é possível avaliar a qualidade do trabalho de marcenaria que foi executado:
Um detalhe que pode ser visto no canto direito superior da foto acima é a mola helicoidal da suspensão traseira esquerda, que é independente em ambos os lados. Como a carga útil era de uma tonelada foram empregadas molas duplas de cada lado com amortecedores.
Já a suspensão dianteira independente tinha um feixe de molas transversal e braços triangulares.
Alguns poderiam ter considerado que nesta altura dos acontecimentos a restauração estaria completa, mas ainda faltava uma peça importante para Eric: um tema, algo que individualizasse este Tempo Matador. “Eu sempre faço o que faço com um tema”, explicou ele. A inspiração veio quando ele visitou um amigo no norte da Califórnia que acabara de receber dois contêineres de antiguidades enviados da Alemanha, entre os quais havia várias caixas de garrafas de cerveja verde da Weizenbierbrauerei (cervejaria de cerveja de trigo) em Reisbach, Alemanha. Eric tinha seus adereços e mandou pintar à mão o logotipo da cervejaria nas portas dianteiras da cabine da picape. Vamos às ilustrações deste tema:
E como ficou a caracterização temática que o Eric fez? Dez caixas de cerveja com suas garrafas simulam uma carga de cerveja de trigo:
Nada de adesivos feitos por computador, o nome da cervejaria foi pintado à mão nas portas do Tempo Matador:
Há detalhes incríveis na restauração deste Tempo Matador, como o uso de parafusos e porcas de cabeça quadrada no acabamento da carroceria:
Outra curiosidade do Tempo Matador é o local escolhido para o tanque de gasolinaque é na protuberância da parte frontal da cabine, um local definitivamente perigoso:
No final das contas este Tempo Matador acabou sendo vendido para a Volkswagen para fazer parte de seu acervo de veículos clássicos de diversas marcas expostos no Museum Zeithaus.
Para fechar a matéria com chave de ouro apresento um vídeo (05:12) da DW (Televisão estatal alemã) deste Tempo Matador andando por uma estrada secundária próxima a Wolfsburg, com narração da DW e de Christof Bauer, piloto de teste dos carros do acervo da Volkswagen.
O vídeo está em alemão e tem legendas originalmente em alemão, mas o YouTube oferece a opção de traduzir estas legendas para vários idiomas.
Para ativar a tradução de legendas no YouTube siga os passos abaixo:
Selecione o ícone de legendas, pause o vídeo e
- Clique no ícone de configurações abaixo da tela do vídeo (roda dentada);
- Clique em Legendas/CC;
- Clique em “Traduzir Automaticamente”;
- Selecione um idioma.
Nas pesquisas que fiz para esta matéria eu encontrei um farto material fotográfico no site oldbug.com do meu amigo americano Randy Carlson, que é um conhecido ícone do mundo Volkswagen nos Estados Unidos. Liguei para ele na sexta-feira mesmo e obtive a permissão dele para usar as aquelas fotos. Ele já colaborou com matérias nesta coluna como a matéria “Herbie por Randy Carlson” e a matéria “Salvo por uma plaqueta”. Agradeço ao Randy por mais esta importante colaboração para o meu trabalho.
A qualidade da restauração feita sob o comando do Eric Parsons é realmente digna de nota e trouxe este Tempo Matador para o nível dos veículos expostos em Amelia Island, um dos concursos de elegância automobilística mais famosos do mundo.
O Tempo Matador poderia ter tido um grande sucesso e até ter rivalizado ombro a ombro com o VW Kombi, pois até tinha várias vantagens, mas o tino estratégico do Heinrich Nordhoff detectou acertadamente este perigo e cortou o fornecimento do motor VW para a Tempo-Werke interrompendo o que certamente teria sido um incrível sucesso.
AG
Para esta matéria foram consultados os sites: oldbug.com com o trabalho de Randy Carlson; tempohanseat.blogspot.com; hemmings.com com o trabalho de David LaChance; Wikipedia. Informações sobre esta fontes podem ser dados sob consulta.
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