Assim como no caso do VW SP2, o projeto do VW Brasília partiu de uma ideia do então presidente da Volkswagen do Brasil, o alemão Rudolf Leiding. No caso do VW SP2, Leiding sugeriu a Márcio Pancastelli e sua equipe que se inspirassem no Chevrolet Corvair Testudo (foto abaixo), um carro desenhado por Bertone, mas que nunca entrou em produção por ser muito arrojado para a época.
Já para o “Projeto Brasília”, Leiding trouxe um croqui e algumas condições de contorno. Ele queria um carro com balanços curtos, ou seja, pouca carroceria além das rodas, largo e com uma grande área envidraçada. Também tinha sido especificada uma traseira tipo fastback em voga na época. Ademais ele acompanhou pessoalmente o desenvolvimento do design, já que ele tinha um senso artístico apurado e um grande interesse no carro.
A base mecânica seria o VW Fusca, e Piancastelli fez um esboço inicial plotando as linhas do futuro carro sobre o perfil de um VW Fusca:
O material fotográfico que mostra o trabalho de Márcio Piancastelli foi compilado por mim a partir de uma documentação que Marcelo Lóss, genro de Piancastelli e curador do acervo deixado por seu sogro, trouxe para a comemoração dos 50 anos do VW Brasília realizado na Volkswagen no dia 19 de junho último.
A primeira etapa dos trabalhos foi a definição do design do novo carro. Para tanto foram feitos muitos desenhos com diversas alternativas de frente, de traseira, lateral e detalhes, várias alternativas de entrada de ar para o motor e assim por diante.
Os desenhos que Marcelo Lóos levou para o evento estavam em envelopes plásticos transparentes em uma pasta, e eu não me atrevi a tirá-los de lá, já que são documentos históricos e não havia luvas ou espaço conveniente para manipulá-los. Com isto há alguns reflexos e, dadas as condições de fotografia, algumas distorções de perspectiva, que foram corrigidos na medida do possível. Mas o que vale são as imagens em si, certamente inéditas para muitos de vocês.
Vejamos alguns dos estudos para a frente do carro, quando o estepe ainda seria alojado na frente sobre o tanque de combustível. As ilustrações abaixo não estão em ordem cronológica:
Quando o trabalho passou para o projeto, Guenter Karl Hix, chefe de Estilo na época, contou que foi feito um trabalho para encontrar um outro lugar para o estepe, de modo a liberar espaço de porta-malas dianteiro, já que traseiro era acanhado.
A esta altura Hix coordenava o Projeto, setor que assumia o trabalho depois do Estilo, tratando das tarefas de engenharia de modo a trazer o carro para as condições de fabricação. No começo do “Projeto Brasília” ele coordenava o Estilo, setor que ele implantou na Volkswagen do Brasil, para o qual voltou após ter estado no Projeto.
Através de um modelo em escala 1:4 e de uma roda torneada em madeira na mesma escala acabou sendo aberto um espaço para o estepe no bico do carro. Disto resultou a “frente de barco” do VW Brasília, comentou Hix. Este trabalho foi interativo e envolveu também o Design que revisou os desenhos conforme a nova frente do veículo.
Na parte traseira do VW Brasília, a questão era, nesta fase, o escapamento estar embutido, aparecendo só a ponteira de saída no para-choque. Aqui também as fotos não estão em ordem cronológica:
Em relação à traseira, Hix conta que a posição do transeixo do VW Brasília é naturalmente fixa em relação ao eixo traseiro e, para atender às bases do projeto lançadas por Leiding, a distância entre este eixo e o fim do carro era bem curta. O motor coube naquele exíguo espaço, mas o escapamento não. Portanto, as soluções esboçadas pelo Design, ou seja, com escapamento embutido não teve como ser concretizado.
Aí foi aberto um espaço para o escapamento por meio de recorte na chapa terminal traseira da carroceria e o acabamento estético ficou por conta da grade que já vinha sendo usada em outros modelos da marca. Mais um problema resolvido.
No desenho acima já está a versão final do projeto. O detalhe fica para esta versão das lanterna traseiras “com DNA de Mercedes Benz,” como Hix comentou.
A primeira versão do painel, segundo ele, tinha o DNA do DKW-Vemag Fissore e, com seu perfil baixo, ajudou na sensação de amplitude interna do carro, fator que foi realçado nas propagandas do VW Brasília e fomentou a sua aceitação pelo público. Abaixo, os estudos do painel:
Os detalhes citados nesta matéria nem de longe foram as únicas definições que o “Projeto Brasília” precisou para ficar pronto, mas elas demonstram a multiplicidade de aspectos que surgiram durante o seu processamento.
Abaixo, alguns exemplos de alternativas de design da lateral do VW Brasília, todas feitas procurando encontrar a melhor solução:
Depois do uso do modelo em escala 1:4 foi feito um modelo em escala 1:1 em gesso para os ajustes finais de protótipo — recebia todos os componentes mecânicos e o habitáculo completo. Para preparar este modelo em escala real era necessário fazer uma estrutura de suporte para isto, conforme mostra o desenho abaixo:
O manuseio de um protótipo em gesso era complicado e a área ficava inexoravelmente suja, e esta sujeira era transportada para os escritórios através da pisadas dos funcionários. A situação só melhorou com o uso do clay (que é uma argila industrial, composta com aditivos químicos, usada para modelagem de automóveis, motocicletas e peças industriais que requerem flexibilidade de modelagem) também para os modelos 1:1.
Com o modelo em escala 1:1 também são estudadas as condições de estilo e conforto.
Para finalizar a apresentação de alguns trabalhos de design, mais um dos estudos de Piancastelli, agora de uma versão TS do VW Brasília:
Coroando todo este esforço que consolidou mais um trabalho vitorioso de design do Márcio Piancastelli e seus colegas José “Jota” Vicente Martins e George Yamashita Oba, resultou um carro vencedor, o VW Brasília, visto abaixo em fotos oficiais de fábrica:
Esta matéria foi feita com informações colhidas durante a realização da Comemoração dos 50 Anos do VW Brasília realizada na Fábrica Anchieta da Volkswagen do Brasil em 19 de junho último.
Naquela oportunidade foi possível tirar algumas fotos do vasto material que Marcelo Lóss trouxe e que permitiram ilustrar o trabalho de design do Márcio Piancastelli e sua equipe. É uma pena que Piancastelli tenha nos deixado em 2015, pois certamente ele teria feito um interessantíssimo depoimento sobre o trabalho do design na comemoração dos 50 Anos. Nenhum outro membro da equipe do Piancastelli participou da dita comemoração.
Também foi possível recolher várias informações do trabalho do setor de Projeto para o VW Brasília durante o depoimento do Guenter Hix, que foram utilizadas para esta matéria.
Como “na prática a teoria é outra” certamente havia uma salutar tensão entre Design e Projeto, já que este último às vezes tinha que interferir no design para trazer o soluções exequíveis para o . Mas este é o dia a dia no desenvolvimento de carros novos numa fábrica, se bem que nos dias de hoje o trabalho com o suporte de computadores, e, ultimamente, de inteligência artificial, permite queimar muitas etapas e evitar conflitos entre a idealização e a execução de projetos.
AG
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