Num momento complexo para a indústria automobilística, que enfrenta a transição da combustão para o elétrico, o pós-pandemia, guerra na Ucrânia (tradicional fornecedora de componentes), dificuldade nas fábricas de autopeças, falta de componentes eletrônicos e interferência da internet, os organizadores dos salões estão fazendo das tripas coração para garantir sua sobrevivência.
Munique: salão ou solão?
O Salão de Frankfurt (anos impares) alternava com o de Paris (pares). O francês abriu suas portas no ano passado, mas um tamanho fracasso que, nos mesmos dias, a Mercedes preferiu exibir seus modelos nos jardins de um museu (Rodin) no centro da cidade.
No alemão, uma completa ruptura com seus padrões convencionais, mudou de cidade e foi para Munique (este ano, de 5 a 10 de setembro). A exposição foi dividida em duas:
1- Como tradicionalmente em todos os salões do mundo, um grande pavilhão — com entrada paga — abrigando dezenas de estandes;
2- Estandes das marcas montados nas praças principais de Munique, com entrada franca.
No pavilhão principal, dezenas de pequenos estandes de fornecedores de componentes, tecnologia, firmas novas, equipamentos, acessórios, etc. Grandes estandes do Grupo VW, Renault e da chinesa BYD. E outras alemãs apenas marcando presença. Atraiu principalmente os profissionais do setor.
Mas o publicou curtiu os estandes armados nas principais praças de Munique. Nada que fizesse lembrar a imponência de Frankfurt, onde cada marca ocupava seu próprio prédio.
O primeiro problema do salão era o “solão”: visitar todos os estandes exigia caminhar quilômetros sob um sol de rachar. Segundo: além das alemãs, apenas algumas chinesas, Renault, Ford, e outras menos expressivas. Não deram as caras: a GM, nenhuma japonesa ou coreana, Stellantis, Jaguar Land Rover, nem Volvo. Consequentemente, a caminhada sob o sol não foi recompensada por novidades. Os organizadores do IAA Mobilidade divulgaram duvidosos números de visitantes, pois foi impossível separar o joio do trigo: os motivados pelo salão ou turistas que se depararam com os estandes nas praças?
Detroit: Salão ou Showroom?
Três dias depois de desmontado o circo em Munique, o de Detroit abriu as portas. Tradicionalmente realizado no inicio de janeiro, foi transferido para setembro (13 a 24) para escapar dos rigores do inverno. Mas o calor do verão não foi capaz de esquentar o evento: presença apenas da GM, Ford e Stellantis. As demais foram representadas por suas concessionárias, que transformaram o salão num grande showroom com vendedores oferecendo condições especiais para os visitantes. Novidade mesmo só da GM ao apresentar a nova geração do crossover Acadia, desconhecido no nosso mercado. Ford e Stellantis exibiram facelifts de alguns de seus modelos. Fora do pavilhão principal, várias oportunidades de test drives para reforçar os argumentos de vendas em seu interior.
O evento passou por momentos de tensão na véspera de abrir as portas pela ameaça dos sindicatos de operários do setor de entrar em greve caso as fábricas não aceitassem suas reivindicações.
O país tem ainda três outros salões, de Los Angeles, Nova York e Chicago. Este, ainda considerado o maior deles, mantem a tradição de apenas exibir e não permitir a venda dos automóveis. O de LA é mais voltado para a eletrônica (aliás, carro hoje não é um computador sobre rodas?)
Genebra mudou para Qatar…
Se Frankfurt mudou-se para Munique, Genebra foi para Doha, no Qatar. Comprado por um grupo árabe, ele volta a acontecer agora como GIMS Qatar (Geneve International Motor Show), exatamente nesta segunda semana de outubro, coincidindo com a etapa de Fórmula 1 naquele país.
O de São Paulo está fechado desde 2018 (foto de abertura), mas a Anfavea (associação das fabricantes) está em negociação com seus organizadores (RX) para voltar em outro formato, como o de Detroit, com pistas para test drives, em 2024.
A rigor, os salões já vinham definhando antes mesmo da pandemia de 2020, pois as fábricas perceberam que os elevadíssimos custos (dezenas de milhões de dólares) para marcar presença num estande nem sempre traziam o retorno esperado. Dá para imaginar os milhões que uma Rolls-Royce investia para receber 700 mil visitantes diariamente. Mas, destes, talvez nem uma dezena de potenciais clientes. Um retorno muito mais eficiente da verba é organizar sofisticados eventos focados em pequenos grupos de milionários.
A internet foi responsável também por um novo comportamento do cliente, que se inteira das novidades em redes sociais, streamings e blogs. A família só vai hoje ao salão para a decisão final de compra, ver e tocar pessoalmente o automóvel, de preferência com uma pista anexa para test-drive.
Então, apesar dos pesares, tudo leva a crer que o salão do automóvel não está nos estertores, mas apenas mudando estratégia e foco. Perdeu importância expor novidades, mas caprichar em pistas anexas para test drive.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do se autor.
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