No dia 25 de março de 1960, o Brasil assistia, boquiaberto, ao lançamento de um de seus primeiros carros de luxo, o Aero-Willys. Sua história teve início no pós-guerra, para ser exato em 1948, quando dois ex-funcionários da Packard, já aposentados, desenvolveram o que seria um dos primeiros carros de carroceria monobloco para o mercado americano.
Esse tal projeto, independente, era de um sedã considerado pequeno para os EUA (4,70 m de comprimento e 2,74 m de entre-eixos), e foi oferecido pelos seus criadores à própria Packard e depois para a Nash, que não se interessaram no ineditismo de um sedã monobloco. Mas, ainda entre 1948 e 1949, a Willys foi quem topou lançar o tal carro nas terras do Tio Sam.
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Em sua chegada ao mercado dos EUA, em 1952, eram oferecidos motores de quatro ou seis cilindros, com carroceria coupé ou sedã, com ou sem colunas centrais, de janela traseira comum ou panorâmica. O consumidor americano não se interessou muito pela novidade, e o fez sair de linha já em 1955, após três anos e cerca de 25 mil unidades comercializadas. Com isso, para que a Willys não amargasse um prejuízo ainda maior, foi determinado o lançamento do carro no mercado brasileiro, onde o porte do Aero era melhor aceito.
Por uma questão de economia, todo o ferramental aposentado da fábrica nos EUA, em Ohio, foi trazido para cá, e instalado na fábrica de São Bernardo do Campo. Tivemos aqui apenas a versão sedã de quatro portas com coluna, adequada aos nossos gostos e necessidades.
O Aero-Willys brasileiro, de 1960, tinha apenas um motor, o BF-161 (161 pol³) de 2.638 cm³ de cilindrada): seis cilindros em linha, 2.6 litros, com carburação simples, válvulas de admissão no cabeçote e de escapamento no bloco, que, por uma questão de custo, tinha o coletor de admissão fundido no cabeçote, apenas o de escapmento era removível. O câmbio, conhecido como Universal, tinha três marchas, com alavanca de mudanças na coluna de direção. A mecânica era mesmo a moda antiga: freios a tambor nas quatro rodas, direção tipo setor e sem fim, sem assistência. Fazia parte do conjunto ainda um sistema de suspensão independente com triângulos superpostos na dianteira e eixo rígido com feixes de molas na traseira.
Apesar do bom conforto oferecido para as famílias médias brasileiras, geralmente compostas por casais e dois ou três filhos, mais bagagens, o Aero consumia muita gasolina e oferecia grandes limitações de desempenho, por culpa de seu motor de projeto antigo. O 2600 gerava apenas 90 cv potência bruta SAE (algo ao redor de 67 cv NBR atuais), resultado modesto para mover com agilidade um carro que pesava cerca 1.500 kg. Testes da imprensa especializada na época apontavam para intermináveis 25 segundos na aceleração de 0 a 100 km/h e máxima que sequer atingia os 130 km/h.
Mas, devemos reconhecer: sua construção era bastante robusta, adequada ao piso (ainda pior) que tínhamos no Brasil no início dos anos 1960, tanto que o carro brasileiro pesava 160 kg a mais que o americano. O que importava ao consumidor era o silêncio, a suavidade de condução e a resistência para aguentar nossa gasolina de baixa octanagem, buraqueira e clima tropical. Em se tratando de parte da mecânica compartilhada com Jeep Willys e Rural Willys, tarefa simples.
Apesar das linhas antigas, lembrando que seu projeto original datava de 1948, na época o consumidor olhava com mais entusiasmo o design do Simca Chambord ou do FNM 2000 JK, este um caro sonho de consumo. Por esse motivo, mesmo após algumas mudanças pontuais no carro para 1961 (detalhes de acabamento, frisos, rodas etc.), a Willys lançou o primeiro Aero já pensando na sua próxima carroceria, que chegaria no fim de 1962, já como Novo Aero-Willys 2600 1963.
Esse novo carro, apesar de manter praticamente inalterada a mecânica de seu antecessor, tinha uma carroceria inédita, totalmente desenhada aqui no Brasil, pelos estilistas que tanto entendiam dos gostos e preferências do consumidor nacional. Ao contrário do primeiro carro, arredondado, o Aero 1963 tinha linhas retas, meio quadradonas, mas que faziam sucesso na época, especialmente no Brasil. Seu antigo motor de seis cilindros, que sofria com a pouca potência, recebeu algumas alterações importantes para melhor desempenho. Uma delas foi a adoção de uma dupla carburação: com um inédito coletor de admissão, a marca adotou o uso de dois carburadores, permitindo melhor aspiração de ar pelo 2600.
Com isso, agora eram 110 cv SAE, ou algo ao redor dos 80 cv NBR (Norma Brasileira) em valores atuais (menos que um 1.000 cm³ aspirado atual). Era apenas um refresco no desempenho do sedan, que seguia no nível de “modesto”. O que também pesava contra era a insistência da Willys nas três marchas do câmbio manual, ainda com a alavanca na coluna, e banco dianteiro inteiriço. Ar-condicionado e direção assistida? Nem pensar, já que esses equipamentos estavam só nos carros importados de grande luxo. Ao menos, o sedã estava mais requintado, com painel decorado de madeira Jacarandá legítima, instrumentos completos e limpadores de para-brisa elétricos, em tempos do arcaico sistema a vácuo do coletor de admissão.
A nova carroceria garantia um maior espaço interno em relação à anterior, com aumento também no porta-malas, privilegiado pelas linhas quadradas da traseira. Recordo-me, aos 10 ou 12 anos de idade, de viagens para Caraguatatuba, litoral norte de São Paulo, a bordo de um Aero-Willys que pertencia ao meu tio Oswaldo: na frente, ele ia guiando ao lado da esposa (minha tia Ernestina) e da minha prima mais nova (Ercília), enquanto no banco traseiro viajávamos eu e mais um casal de primos (Celina e o saudoso Paulo Luís), muitíssimo bem instalados naquele banco enorme, que mais parecia um sofá.
Normalmente, íamos para essas viagens em época de férias, com bagagem suficiente para os quinze dias ou mais de passeio, e tudo se ajeitava bem no sedã. Naquela época, meados dos anos 1960, o trajeto de São Paulo à “Caraguá”, de pouco mais de 200 quilômetros, levava ao menos quatro horas. Hoje, com as rodovias atuais, esse tempo caiu pela metade. Era ao menos uma parada na ida e uma na volta, para irmos ao banheiro enquanto meu tio enchia o tanque do gastador Aero-Willys. Se o carro dava conta do recado? Com certeza, proporcionando uma viagem segura e confortável, em que pese o alto consumo e baixas velocidades médias, normais para a época.
Mas, voltando a história do sedã de luxo aniversariante, fica na lembrança a grande modificação pela qual a sua nova carroceria passou dois anos depois, na linha 1965: um expressivo crescimento na parte traseira, que aumentou ainda mais a capacidade do porta-malas, e ainda garantiu maior harmonia em suas linhas. Afinal, é fato, havia um descompasso estilístico entre a longa frente e a traseira relativamente curta. Ainda utilizando o motor 2600 de 110 cv SAE, o Aero-Willys mais longo recebeu novidades fundamentais para garantir sua sobrevida no mercado nacional.
Junto de novas lanternas traseiras, inclinadas para dentro, e uma inédita tampa do porta-malas (maior), o sedã recebia melhorias nos freios (tambores mais leves), reajustes nas suspensões dianteiras (molas e amortecedores recalibrados, até para compensar o balanço da traseira mais longa) e, finalmente, uma quarta marcha no seu câmbio manual, permitindo melhor aproveitamento da potência do 2600 de dupla carburação. Todas eram sincronizadas, porém ainda controladas pela alavanca na coluna de direção.
Enquanto a linha de sedãs da Willys já estava maior, incluindo o Itamaraty, ainda mais luxuoso, o Aero-Willys estreava algumas novidades valiosas para a linha 1966: o velho dínamo dava lugar ao então moderno alternador, e eram realizadas mudanças pontuais no motor 2600, com novos pistões, anéis mais finos para menor atrito, e vedações mais eficientes para evitar vazamentos com novas buchas.
Já fazendo parte de um projeto maduro, em linha há sete anos, o sedã Aero passava por mudanças importantes em 1967. Não envolvendo o produto, mas sim sua marca e estratégias de vendas: naquele momento, a Ford adquiriu o controle acionário da Willys-Overland americana, herdando por consequência a Willys-Overland do Brasil. Nessa época, muitos produtos que estavam sendo desenvolvidos pela Willys-Overland, acabaram caindo nas mãos da Ford, como o Projeto M (‘M’ de médio), que seria batizado de Corcel. O sedã Aero, de início, não passou por grandes mudanças, porém no seu último ano de produção, trocou de nome: Ford Aero, como indicam peças publicitárias de 1971, que alardeavam também a direção mais leve (ainda sem assistência hidráulica) e ajustes nos amortecedores.
No mais, o Aero-Willys (ou Ford Aero) em seu fim de linha ainda era muito semelhante ao carro lançado em 1963 e alongado em 1965. Oficialmente, o último ano de produção do sedã foi 1971, porém algumas unidades em estoque só seriam comercializadas no ano seguinte. De quando chegou na primeira geração, em 1960, até a despedida onze anos depois, foram pouco menos de 100 mil carros produzidos no Brasil. A história do Itamaraty e da limusine Executivo ficam para as próximas colunas. Não perca!
DM
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