Em que pese a qualidade da produção e a tecnologia de bordo nos veículos alemães, o povo de lá nunca foi mestre em prever as futuras preferências do mercado. No caso dos suves, não foi diferente: enquanto os americanos olhavam o crescimento indiscutível desse segmento, criado por eles e para eles mesmos, os alemães insistiam em querer vender lá nos EUA os seus sedãs premium, ainda que muito avançados em tecnologia. Os japoneses, bem mais espertos, desde os anos 1980 já ofereciam esse tipo de produto naquele mercado, logo que viram o grande sucesso de Jeep, Ford e GM com seus utilitários esporte..
Todo mundo ganhava dinheiro com os suves, que iam, cada vez mais, conquistando os consumidores, com algumas características padrão: familiares, altinhos, fáceis para entrar e sair, com bom espaço para bagagens e que poderiam, pelo menos teoricamente, transpor todo tipo de terreno. Um estilo de carro que dava valentia a qualquer motorista, e nos grandes centros urbanos passava destemido pela buraqueira e até pelos alagamentos. No final de semana, poderia enfrentar terra, areia e estradas ruins. Parecia, esse sim, um veículo multiuso, por isso talvez a origem do termo SUV: Sport Utility Vehicle, um Veículo Utilitário Esporte no sentido de lazer..
Mercedes-Benz, o primeiro
A linha ML da Mercedes foi quem estreou as alemãs no mundo de suves dos EUA (Foto: divulgação Mercedes-Benz)Entre as alemãs, a Mercedes foi a primeira a olhar para esse mundo dos suves com mais carinho, isso em 1991. Para entrar nele, se associou com a Mitsubishi, forte entre os suves, para a criação de um produto inédito que serviria para as duas marcas. Ao longo dessa conversação, alguma coisa desarranjou, e a tal parceria terminou dois anos depois. A Mercedes não desistiu da ideia e começou, ela própria, a criar seu suve para os EUA: no começo de 1997, nasceu a Classe ML.
Utilizando uma concepção tradicional, feita com chassi de longarinas e usando uma carroceria separada sobre ele, o primeiro suve da marca alemã veio ao mundo oficialmente em fevereiro de 1997. O carro era feito especialmente para o mercado e público americanos, tanto que foi até produzido lá (Tuscaloosa, no Alabama). De início, era dotado de um motor V-6 3,2 (218 cv), além de um L-4 mais focado no público europeu. A maioria dos carros era automático, de cinco marchas.
Curiosamente, o lançamento desse carro foi na Alemanha Oriental, em uma mina de carvão que era ainda do tempo da Alemanha comunista, e estava desativada. A Mercedes levou jornalistas do mundo inteiro para mostrar a versatilidade do seu novo produto em condições difíceis para outro carro comum. Lembro-me de situações de utilização que eram assustadoras: tínhamos que descer uma rampa tão íngreme que, na hora, pensei que capotaríamos de frente, tamanha era a inclinação. O centro de gravidade e a distribuição de peso eram tão corretos que o carro cumpriu essa e outras “missões” com galhardia.
BMW, o segundo
Se a Mercedes já tinha chegado atrasado nesse mundo, imaginem quanto dinheiro perdeu a BMW, que só trouxe o X5 no final de 1999? Praticamente três anos depois de sua concorrente, mas veio com a mesma estratégia: fábrica em Spartanburg, na Carolina do Sul, EUA, produzindo um carro destinado aos americanos. Depois, claro, chegou à Europa, Ásia, Oceania e por aí vai.
A BMW, como sempre, tinha uma proposta de design mais arrojada. Menos conservador que o ML, o X5 era repleto de vincos que marcavam bem a sua silhueta. Além disso, utilizava uma carroceria monobloco, uma modernidade frente a maioria dos rivais de segmento, fossem alemães, americanos ou japoneses. Com uma suspensão independente nas quatro rodas, o X5, na época, conseguia a melhor dinâmica dentre os suves de porte similar, e trazia motores melhores que os da Mercedes 1997: um 3,0 L-6 nas opções mais em conta ou um V-8 4,4 nas mais caras (280 cv), sempre com câmbio automático de cinco marchas.
Tive a oportunidade de avaliar o X5 em seu lançamento em Atlanta, na Georgia, EUA, e os alemães da BMW, sabendo do que seu suve era capaz tanto na terra quanto no asfalto, fizeram algo inusitado: um test drive em duas “etapas”. Uma parte acontecia em uma fazenda onde se encontrava todo tipo de terreno: subidas, descidas, buracos, terra, pedregulho, lama… O carro não fez feio em nenhuma delas. Um trecho era como no circuito da Mercedes: uma descida muito íngreme, que terminava em um riacho com pedras, com 30 ou 40 cm de profundidade. Depois tinha uma forte subida, onde a tração 4×4 fez seu trabalho.
Depois, na segunda, íamos para um autódromo: isso mesmo, uma pista de corrida! Lembro que o traçado tinha duas partes (uma de baixa e outra de alta velocidade), e na segunda volta já comecei a acelerar seu V-8 pensando conhecer a pista. Mas, me enganei: numa curva que pensei ser de alta, era, na realidade, de média velocidade. Entrei de pé cravado, já imaginando o pior (uma capotagem), mas o carro se comportou com maestria. Fiz a curva numa velocidade que jamais poderia imaginar um suve contornando-a: o X5 surpreendeu, mostrando muita segurança.
Grupo VW, o terceiro (antes tarde do que nunca)
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O Grupo VW “pegou o bonde” bem atrasado. Os primeiros suvess do conglomerado foram o Porsche Cayenne e o Volkswagen Touareg, os dois utilizando a mesma plataforma, que chegaram praticamente juntos ao mercado em 2002 (a produção de ambos iniciou-se em agosto). O Cayenne e o Touareg saíam da mesma fábrica do grupo em Leipzig, na ex-Alemanha Oriental mas o Porsche tinha o acabamento e detalhes finalizados em Stuttgart, na Alemanha.
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Anos depois, veio o último integrante: o Audi Q7, apresentado para a imprensa mundial no segundo semestre de 2005 com vendas programadas para o início de 2006. Nada menos que nove anos após a chegada do Mercedes ML. O pessoal da Audi foi meio lento para perceber o que o mercado queria, mas trouxe seu Q7 feito na mesma base de Cayenne e Touareg.
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Para se ter uma ideia, no primeiro semestre de 2005, ano da sua chegada, fui à Alemanha a convite da Senna Import (representante da marca alemã no Brasil na época) para ver algumas novidades por lá. Em Ingolstadt, dirigi alguns Audi recém-lançados e, de maneira curiosa, nos levaram ao centro de design para vermos de perto um carro que estava prestes a ser apresentado: lá estava o Q7, em fase finalíssima de desenvolvimento, já que chegaria ao mercado meses depois.
Era o primeiro suve da marca, e os alemães da Audi faziam questão de mostrá-lo com muito orgulho, mas, dois anos antes, muito do Q7 “final” já havia aparecido no carro-conceito Pikes Peak Quattro, exposto no Salão de Detroit de 2003, o qual também cheguei a ver ao vivo. Os três suves do Grupo VW compartilhavam, além de diversos componentes mecânicos, motores que variavam de 2,5 até 4,2 litros (Touareg), 3,0 até 4,2 litros (Q7), ou 4,5 V-8 aspirado ou turbo (Cayenne). O trio, já de início, trazia câmbio manual ou automático, ambos de seis marchas.
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Eles demoraram para chegar, mas quando vieram, mostraram qualidades, avanços e tecnologias que colocaram os suves num patamar superior: deixaram de ser desengonçados, molengas e instáveis, com alto consumo, tornando veículos mais seguros, divertidos de guiar, e consumindo um pouquinho menos. Foi a mãozinha germânica que viabilizou essas qualidades no segmento, que já recebeu pelo mundo um monte de outros nomes (SAV, crossover, por aí vai). Na prática, todos fazem o trabalho que uma Rural nacional fazia lá nos anos 50: levar gente e bastante bagagem por vários tipos de piso em busca de lazer.
DM
A coluna “Perfume de carro” é de exclusiva responsabilidade do seu autor..