Tal qual a letra de Encontros e Despedidas, obra dos mineiros Fernando Brandt e Milton Nascimento, a F-1 entra em clima de acordos e mudança que refletem a desclassificação de George Russell após chegar à frente de seus adversários na disputa do GP da Bélgica (foto de abertura) e a partida de Carlos Sainz rumo à equipe Williams. Nem tudo será como antes e os fatos consumados nos últimos dias garantem alterações significativas para as próximas 10 etapas da temporada, a primeira delas marcada para 25 de agosto, quando será disputado o GP dos Países Baixos, em Zandvoort.
A enorme quantidade de eletrônica instalada em um carro de F-1 e nos boxes de cada equipe torna mais difícil aceitar como é possível um monoposto terminar a corrida 1,5 kg abaixo do peso mínimo exigido pelos regulamentos da categoria, 798 kg. As causas para déficit podem ser maior consumo de combustível e lubrificantes, maior desgaste de componentes e pneus do carro. Os tempos de volta de Russell entre a 30ª e a 44ª voltas variaram consideravelmente: a mais lenta foi 1’49”425, na 35ª passagem, e a mais rápida 1’47”435, na 37ª. Na comparação, Hamilton variou entre 1’46”128 (32ª) e 1’47”387 (42ª). A princípio, por ser mais rápido, o heptacampeão deveria consumir mais combustível, porém seu estilo de condução mais suave leva a crer que acontece o oposto. Além disso, não se pode esquecer que tanto o piloto quanto os seus engenheiros acompanham o consumo de combustível em tempo real durante a corrida.
Tanto o desgaste de peças e componentes e o de pneus são índices conhecidos das equipes, cortesia de programas de computador e análises que sabem mensurar e prever a vida útil e quanto cada item foi consumido ou gasto. Entre os pontos mais susceptíveis à perda de peso neste quesito estão a prancha de madeira regulamentar, instalada sob a parte inferior central do monobloco, e os pneus. Para evitar que o primeiro gaste demais ao raspar no asfalto — e manter a altura mínima necessária para efeitos aerodinâmicos —, são instaladas placas de titânio em pontos estratégicos dessa peça, detalhe que produz as faíscas vistas em certos pontos do circuito.
Com relação ao desgaste dos pneus considere-se que eles pesam entre 9,5 kg (dianteiros) e 11 kg (traseiros), incluídas as respectivas rodas e perdem entre 1 kg e 1,5 kg a cada stint, como são chamados os períodos de uso em cada corrida. O desgaste é relativamente programado e altamente estudado para permitir explorar diferentes estratégias, além de gerar dados como a diferença de peso no antes e depois de uso. Este ano a pista de Spa foi recapeada em cerca de 3,5 km, equivalente à metade do percurso de volta, e em diferentes partes do circuito de 7,004 km.
Segundo o próprio George Russell, o resultado foi que “agora temos dois terços da pista com o asfalto mais liso da temporada e um terço do asfalto mais abrasivo.” Obviamente, o circuito era o mesmo para todos os 20 pilotos que disputaram a prova e apenas o carro do inglês foi encontrado irregular no quesito peso. Considerando que seu carro terminou a corrida 1.500 gramas abaixo do mínimo de 798 kg, e que essa diferença fosse apenas nos pneus, estaríamos falando de uma perda média de massa na casa de 375 gramas por cada um desses quatro itens instalados em seu carro.
Um item que não passou despercebido foi o semblante de Toto Wolff quando seus dois pilotos cruzaram a linha de chegada poucos metros à frente de Oscar Piastri, cujo McLaren usa o motor alemão. Em outras vitórias e dobradinhas da sua equipe, Wolff não conteve o sorriso e a alegria ao celebrar os resultados. Em Spa 2024 ele mal movimentou as sobrancelhas, sinal de que ele poderia estar ciente do que viria à frente.
Sinal por sinal, ninguém analisou mais as circunstâncias do mercado de pilotos quanto o espanhol Carlos Sainz, que ontem foi confirmado na equipe Williams para as próximas duas temporadas, com possibilidades de estender esse prazo. Penúltima colocada entre os 10 construtores que disputam a categoria, o time fundado por Frank Williams em 1977 vive uma longa e planejada fase de recuperação e este ano ampliou seu quadro de colaboradores ao aliciar os serviços de muitos profissionais de equipes maiores. Só isso, porém não bastaria para assegurar a adesão do espanhol.
Piastri terminou novamente à frente de Norris. Os dois agora estão separados por 22 pontos (Foto: McLaren)Além da Williams, Sauber (leia-se Audi) e Alpine fizeram ofertas concretas a Sainz. Este mês o time suíço substituiu Andreas Seidl e Oliver Hauffmann, seus dois principais executivos, por Mattia Binotto na esperança de recolocar nos trilhos o projeto de F-1 da marca. A chegada do ex-ferrarista, porém, ainda não produziu nenhum efeito midiático ou técnico. Já na Alpine a recusa de Sainz foi embasada, entre outros fatores, pelo fato de que a Renault decidiu que deixará de produzir seus próprios motores de F-1 a partir de 2026 ou, talvez, já no próximo ano. As vagas de segundo piloto nas duas equipes continuam em aberto.
Para além de um projeto mais realista e focado em 2026, a escolha de Sainz pela Williams tem tudo para ser um passo em direção à Mercedes. Basta lembrar que 1) a Williams é cliente da Mercedes e no passado já cedeu seu Valtteri Bottas quando Nico Rosberg anunciou sua aposentadoria, inesperadamente após conquistar o título de 2016; 2) James Vowles, assumiu a reestruturação da Williams após trabalhar para Wolff entre 2010 e 2022; 3) A Mercedes continua sem definir seu segundo piloto para 2025 e além. Os nomes mais cotados são um reconhecidamente capaz, Max Verstappen, e outro considerado promissor, Kimi Antonelli. Ter o holandês acarretaria investir uma quantia astronômica em sua contratação. O jovem italiano, que este ano disputa a F-2, ainda precisa convencer que já está pronto para desembarcar na F-1. A contratação de Sainz pela Williams pode ser uma forma de a Mercedes evitar que o espanhol assine com uma equipe rival e o mantenha próximo para o caso de Verstappen não chegar e Antonelli ficar onde está.
O resultado completo do GP da Bélgica você encontra aqui.
WG
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