Minha coluna de hoje é uma matéria publicada no site da revista inglesa Car em 5 de junho último, que meu amigo (e autoentusiasta) Fernando Glufke me mandou por saber que o tema, câmbio manual, é recorrente aqui no AE. O autor é Gavin Green e a imagem dele, lustrada, é de Peter Strain.
O título original, traduzido, é “Ficarmos sem o câmbio manual nos tornará motoristas bem menos capazes e humanos.”
O SENTIDO DO CÂMBIO MANUAL
Um destaque do novo Suzuki Swift — um agradável carro pequeno e leve num mercado de carros grandes e desajeitados — é seu câmbio manual de cinco marchas preciso, com cursos de engate curtos. Seu ponto alto é a diversão de dirigir que proporciona.
O oposto disso é o novo Mini Cooper, automático apenas. Para um carro que vende bem devido à sua disposição para andar rápido com prazer, é uma má notícia. Não consigo me ver desejando um Cooper S automático. Dá para imaginar Paddy Hopkirk acelerando seu pequeno Mini vermelho rumo à vitória no Rali de Monte Carlo no seu Cooper S em “D”? Meu pai, piloto de rali deve estar dando voltas no seu túmulo pensando num antigo Cooper S virando a 6.500 rpm e trocando marchas sem fazer punta-tacco. Significa também que a sra. Green ficará com seu Cooper três-portas 2019 e seu doce câmbio manual de seis marchas até ele morrer.
A Mini faz coro agora com a longa lista de fabricantes que não oferecem mais câmbio manual, Ferrari inclusive. Isso desde 2012 — pela simples razão de seus carros com borboletas no volante serem mais rápidos em aceleração do que com câmbio manual. Nem a Lamborghini, nem a Maserati têm carros de três pedais mais. A Porsche continua leal ao manual. Quem adivinharia que italianos, e não alemães priorizariam números e não emoção?
Hoje há 18% menos modelos manuais do que no ano passado. Em 2023 carros manuais representavam apenas 28,7% das vendas de novos no Reino Unido — era 76% em 2011 (nos EUA são apenas 1,7%). Diz o meu jornal de leitura diária que os câmbios manuais estarão extintos em cinco anos.
Podemos pôr a culpa nos suves, que não precisam de escolha de marchas, e são o nosso futuro. Podemos pôr a culpa nos câmbios automáticos cada vez mais eficientes que hoje proveem melhor aceleração e fazem gastar menos combustível. Podemos pôr culpa nos motoristas cada vez mais preguiçosos: na década passada houve um aumento de 238% de candidatos a habilitação fazendo os exames práticos em carros automáticos. Legalmente não podem dirigir carros de câmbio manual e podem até se atrapalhar com o bastão que sai da parte superior do console (lugar para pendurar o casaco? Cabide para sacolas? Vara para fazer selfie?)
Vejo porque o pedal de embreagem está seguindo caminho do afogador e do carburador. É o progresso. Quem gostaria de fazer uma ligação telefônica girando um disco? Ou de lavar pratos? Ou de secar roupas com um espremedor de rolo em vez de deixar isso para a lavadora mediante centrifugação?
Carros de câmbio automático são fáceis de dirigir: é só acelerar e andar. Nada de cuidar de três pedais se temos só dois pés ou mexer numa alavanca enquanto se esterça de um batente a outro.
Mas para quem gosta de dirigir, como nós, haver mais a alavanca é uma perda dolorosa. Ela nos faz parte do carro, e é disso que se trata o bom de dirigir — e nos divertirmos com ela. Uma verdadeira união. A exemplo da música, quanto mais que nos integramos ao carro, mais o apreciamos.
Aquela alavanca nos leva às entranhas do carro. Sente-se as engrenagens engatando sob a mão. O movimento dos pés deve ser preciso ao usar a embreagem e o acelerador. E a dança dos três pedais — pés se movendo rapidamente entre acelerador, freio e embreagem enquanto se aciona a alavanca de câmbio mostrando que se é um bom motorista. O mais suavemente, possível. como um balé, mas como Nuvolari, não Nureyev. Uma profunda experiência tátil.
Perca-se o câmbio manual e nos tornamos mais divorciados do nosso carro. Ficamos semidesligados: mais espectadores do que atores. Já estamos isolados do mundo exterior por aço resistente e janelas fechadas, ar-condicionado; dirigimos um amontoado de duas ou mais toneladas mais por tecnologia do que por tato, sem resposta do que se passa sob o carro e anestesiados por sistemas eletrônicos e hidráulicos. Isso nos torna motoristas bem menos capazes e, arrisco dizer, menos humanos.
No futuro, a maior alegria de dirigir provavelmente estará nos itens de conectividade dos softwares e naquela enorme tela multicores no lugar de honra da cabine do carro, da mesma forma que os enormes televisores de tela plana dominam a sala de estar de hoje. Mas perderemos um tipo diferente de conectividade: aquela rica comunicação ente o homem e a máquina.
Afinal, não eram apenas Siri, Alexa e seu podcaster preferido que falavam com você. O seu carro também.
BS