A compra de um carro usado exige cuidado, pois são inúmeros os aborrecimentos à espreita do novo dono. Mas até se decide levar um zero-km, o freguês deve ficar atento, tantas são as articulações tramadas por algumas concessionárias para aumentar (desnecessariamente) o faturamento ou mascarar problemas do veículo.
Pintura
O carro pode sofrer um pequeno (ou grande…) acidente ao ser embarcado ou desembarcado da cegonha que o leva até a concessionária. Mas não se deve aceitar nem mesmo o carro que tenha sofrido um mero arranhão na pintura. O prestimoso e simpático vendedor vai garantir que a oficina da concessionária resolve o problema em algumas horas e que o carro estará pronto no dia seguinte. Sem nenhum vestígio da pintura danificada. Mas a verdade é outra: oficina nenhuma, de marca nenhuma no mundo é capaz de executar uma pintura como a de fábrica. Até porque, no processo de produção, a carroceria é mergulhada num grande tanque para a pintura eletrostática, base das demais. Impossível de se repetir depois que recebeu carpetes, revestimentos, vidros, chicote elétrico, etc.
Uma porta repintada pode exibir exatamente o mesmo visual da original. Mas, tempos depois, com a ação climática (sol, chuva, sereno…), sua cor pode ficar sutil ou visivelmente diferente do resto do carro. O que certamente o desvaloriza no mercado de usados.
Pneus
Deve-se prestar especial atenção aos pneus do carro zero-km, pois são várias as artimanhas articuladas pelas fábricas para resolver seus problemas e jogar o “abacaxi” no colo do freguês.
O primeiro golpe é o do estepe em falta. Fábrica nenhuma vai deixar de finalizar a montagem de um automóvel porque o estoque de pneus está baixo. A solução é óbvia: não instala o estepe no porta-malas e manda o carro para o pátio, até chegar uma nova remessa do pneu. Mas o fornecedor atrasa, o Financeiro aperta o Industrial pois precisa faturar as 250 unidades paradas no pátio. A solução é óbvia: monta a roda sobressalente com o pneu de outra marca. Embora a própria fabricante seja a primeira a condenar o uso de pneus diferentes num mesmo eixo….
Outro problema transferido para o consumidor é a marca do pneu no carro importado. Ela pode ser de qualidade, aprovada lá fora, mas tem que estar disponível no mercado brasileiro. Não adianta ter em estoque na China. Se não é comercializada pelas lojas tradicionais do ramo, não aceite o carro, pois é problema na certa. Ou não tem, ou só tem na concessionária, caríssimo. Melhor pedir para trocar os pneus.
Finalmente, o famoso “run flat”, o pneu que roda mesmo murcho e livra o motorista de trocá-lo. Até porque nem estepe tem. Esta tecnologia é um sucesso no Primeiro Mundo, onde não existem rodovias com crateras asfálticas, que destroem o Run Flat e deixam o carro no acostamento esperando o reboque. Algumas importadoras (Mercedes entre elas) chegam a embrulhar uma roda num saco de lona e colocá-la no porta-malas, tantas foram as reclamações de clientes apavorados na madrugada em acostamentos de estradas escuras e perigosas.
Proteção
Existem processos cada vez mais sofisticados para proteger a pintura do automóvel. Custam de R$ 500 até R$ 20 mil. Estes mais caros “envelopam” a carroceria com uma película transparente e evitam arranhados. Já tem até o “nanoceramic treatment”. Entretanto, os mais simples (polimento, espelhamento, polimerização, cristalização, etc.) são indicados para serem aplicados depois que o carro já rodou dois ou três anos e a pintura de fábrica perdeu o brilho. No carro zero, o efeito pode ser o contrário, pois a pintura de fábrica já vem com o verniz protetor. E, a aplicação se inicia raspando o verniz de fábrica para se aplicar o outro.
Acessórios
Se o carro não veio com equipamento de som, o vendedor da concessionária corre para oferecer um da “melhor qualidade, mais completo que o original” e pelo mesmo preço. Mas, nem o vendedor nem o freguês se “lembram” de verificar se o acessório oferecido é homologado pelo fabricante do automóvel. Caso contrário, foi-se a garantia do carro. Se o cliente questiona, a resposta está na ponta da língua do vendedor: “Que isso, doutor, quem está instalando é a concessionária. E ela banca qualquer problema de garantia!” Mas se “esquece” de que o carro pode eventualmente ser levado para uma outra concessionária, que vai imediatamente recusar a garantia ao perceber que foi instalado um equipamento não homologado pelo fabricante. Nem preciso falar dos “sacos de lixo” que deixam o carro em situação irregular apesar da “isperta” chancela aplicada na película garantir que não está.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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