Nos comentários de minha matéria anterior o leitor Daniel Girald citou as adaptações de motores Chevrolet 153, também conhecidos como Chevy 2.5, em Kombis T2 e T3 na África do Sul. Eu fiquei curioso e decidi pesquisar o assunto e disto surgiu esta matéria.
A foto de abertura é uma recriação por inteligência artificial de um VW Kombi T2 sul-africano equipado com motor Chevrolet 153 (do primeiro Opala 4-cilindros) e radiador dianteiro típico das adaptações da época, inclusive com um ventilador exposto, um arranjo comum na época. Mais adiante eu vou apresentar as fotos de um Kombi sul-africano adaptado que consegui achar depois de muitas horas de pesquisa.
A história do VW Kombi na África do Sul é marcada por peculiaridades que o tornaram único no cenário mundial. Produzido localmente em Uitenhage (cujo nome passou a Kariega em 2021 — mas vou continuar a usar o mais conhecido nome antigo), o Kombi ganhou versões e adaptações que refletiam tanto as necessidades do mercado quanto a criatividade dos mecânicos e entusiastas locais. Entre essas curiosidades, destacam-se as conversões para motores Chevrolet 153, que se tornaram relativamente comuns nas décadas de 1970 e 1980.
A era do T2 em Uitenhage
A produção do Kombi T2, conhecido como Bay Window, começou em Uitenhage em 1970, substituindo o clássico T1 de para-brisa dividido. Durante quase uma década, até 1979, o T2 foi fabricado para atender ao mercado sul-africano, em versões comerciais e familiares.
De fábrica, vinha equipado com motores Volkswagen boxer a ar, de 1,5 a 2 litros, semelhantes aos usados na Europa. No Brasil chegamos até o motor arrefecido a ar de 1,6 litro.
No entanto, as condições locais — estradas longas, clima quente e a necessidade de transportar cargas pesadas — expunham as limitações dos motores originais. Foi nesse contexto que oficinas independentes começaram a oferecer conversões para motores mais robustos.
O Chevrolet 153 (ou seja 153 pol³ de cilindrada), um motor quatro cilindros de 2,5 litros produzido pela General Motors South Africa em Port Elizabeth, tornou-se uma escolha popular. Disponível em larga escala, simples de manter e com mais torque, o motor 153 transformava o Kombi em um veículo mais adequado para uso comercial intenso.
Tabela comparativa de uso do motor Chevrolet 153
| Comparativo de uso do motor Chevrolet 153 | |||
| País | Modelos principais | Período de uso | Observações |
| Brasil | Chevrolet Opala (153 e 151) e Caravan (151) versão 4 cilindros | 1968 – início dos anos 1990 | No Brasil, o mesmo bloco foi produzido como 153 até 1973 no Opala; em 1974 passou a 151 (2.5 litros) e equipou Opala/Caravan, produzido pela GM do Brasil em São José dos Campos. Também usado em aplicações industriais e náuticas. |
| África do Sul | Chevrolet Kommando, Constantia, Firenza; conversões em VW Kombis (T2 e T3) | Anos 1960 – 1980 | Produzido localmente pela GM South Africa em Port Elizabeth. Popular em swaps de motores de Kombis devido à disponibilidade e torque superior. |
| Estados Unidos | Chevy II / Nova (modelos de entrada) | Anos 1962 – 1970s | Motor lançado originalmente nos EUA, derivado do seis cilindros “Stovebolt”. Também usado em aplicações industriais e Jeep DJ-5A. |
Essas adaptações não eram oficiais da Volkswagen, mas se espalharam pelo país, criando uma cultura própria de “engine swaps” (troca de motores) que marcou época. O Kombi T2 com motor Chevrolet 153 tornou-se símbolo de praticidade e improviso, atendendo às demandas locais de forma eficiente.
A chegada do T3 à África do Sul e sua evolução
Em 1979, o Kombi T3 — chamado de Microbus na África do Sul — substituiu o T2 nas linhas de produção de Uitenhage. Com design mais moderno e maior espaço interno, o T3 manteve inicialmente os motores boxer da Volkswagen.
Porém, assim como ocorrera com o T2, muitos proprietários buscavam mais potência e torque. Novamente, o motor Chevrolet 153 foi uma solução recorrente em conversões independentes, mantendo viva a tradição iniciada na geração anterior.
A grande virada, entretanto, veio nos anos 1990. Enquanto a produção do T3 já havia sido encerrada na Alemanha em 1992, a África do Sul continuou fabricando o modelo até 2002.
Nesse período, a Volkswagen local introduziu uma inovação exclusiva: motores Audi de cinco cilindros em linha, de 2,3, 2,5 e 2,6 litros. Essas versões, conhecidas como Microbus 2.6i, tornaram-se ícones nacionais, oferecendo desempenho superior e consolidando o T3 sul-africano como um dos mais desejados pelos colecionadores.
Assim, a trajetória do T3 na África do Sul pode ser dividida em três fases: a inicial com motores VW originais, a intermediária marcada pelas conversões para Chevrolet 153, e a final, oficializada pela própria Volkswagen, com motores Audi de fábrica.
Quadro comparativo: o T3 alemão versus o T3 sul-africana
Para entender melhor as diferenças entre as versões produzidas na Alemanha e na África do Sul, vale observar o quadro abaixo:
| Kombi T3 (Alemanha) vs Kombi T3 (África do Sul) | ||
| Característica | T3 Alemão (1979–1992) | T3 Sul-Africano (1979–2002) |
| Nome comercial |
Transporter / Caravelle / Vanagon (dependendo do mercado) | Microbus |
| Motores principais | 1,6 L e 2,0 L boxer a ar 1,9 L e 2,1 L boxer a água 1,6 L diesel |
Inicialmente os mesmos boxer VW. A partir dos anos 1990: motores Audi 5 cilindros (2,3, 2,5, 2,6 L) exclusivos da África do Sul |
| Versão 4×4 | Syncro (produzido até 1992 na Áustria) | Syncro disponível em pequena escala, mas raríssimo |
| Fim da produção | 1992 (substituída pela T4) | 2002 (último país a produzir o T3) |
| Características visuais | Design padrão europeu, com variações de acabamento | Algumas versões receberam detalhes locais, como lanternas e acabamentos diferentes |
| Popularidade | Muito usada como van familiar e comercial na Europa e EUA | Ícone cultural na África do Sul, especialmente a versão 2,6i Microbus com motor Audi |
Fotos raras de um exemplar de Kombi convertido para o motor Chevrolet 153
As fotos abaixo foram encontradas no Facebook num post de Vanessa De Beer que dizia:
Volkswagen T2 Kombi 1972. Motor Chevrolet 2,5 com caixa de câmbio original de 4 marchas. Precisa de alguns reparos. Funciona e anda bem. Comprei em testamento, então não tenho a documentação, mas posso fornecer uma carta do advogado. Vendo ou troco por um Golf MK1 com documentação.




Por que não há fotos oficiais dos Kombis com motor Chevy 2,5?
Apesar de serem muito populares na África do Sul, as conversões de Kombis T2 e T3 para o motor Chevrolet 153 (Chevy 2,5) quase não deixaram registros visuais oficiais. Isso se explica por alguns fatores:
- Conversões independentes: eram adaptações feitas em oficinas locais ou por proprietários, sem envolvimento da Volkswagen ou da General Motors.
- Ausência de documentação oficial: como não eram versões de fábrica, não houve catálogo, manual ou publicidade institucional.
- Registro limitado: muitos Kombis convertidos circularam apenas em comunidades locais, sem cobertura da imprensa ou fotografia profissional.
- Evidências indiretas: o que se encontra hoje são fotos de Kombis com radiadores dianteiros adaptados — sinal claro de motores arrefecidos a água — e anúncios de venda mencionando “Chevy 2.5 engine” ou “engine conversion”.
Impacto na narrativa
Essa ausência de imagens oficiais é parte da própria história: mostra que as conversões eram soluções práticas e informais, mas tão difundidas que se tornaram parte da cultura automobilística sul-africana.
O que resta deste relato?
A história dos Kombis sul-africanos mostra como a adaptação às condições locais pode gerar soluções criativas e até mesmo versões exclusivas. As conversões para motores Chevrolet 153, tanto no T2 quanto no T3, foram fruto da necessidade de potência e confiabilidade, aproveitando a produção local da General Motors.
Já a adoção oficial dos motores Audi de cinco cilindros no T3 consolidou a África do Sul como um dos mercados mais singulares da Volkswagen.
Hoje, esses Kombis são lembrados não apenas como veículos utilitários, mas como testemunhos de uma época em que improviso e inovação caminhavam lado a lado. Para colecionadores e apaixonados por história automobilística, eles representam um capítulo fascinante da cultura automobilística sul-africana.
AG
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