Recentemente estive no interior de São Paulo, na cidade de Araçoiaba da Serra, perto de Sorocaba a 120 km da capital. É um lugar pacato, com 30 mil habitantes numa área de 255 quilômetros quadrados — ou seja, a maioria das pessoas mora em chácaras e fazendas. O prédio mais alto tem térreo e um andar. A cidade em si é bastante pequena. Vou lá com muita frequência há uns 25 anos e pouca coisa mudou neste tempo todo. Se antes tinha uma rua que subia e outra que descia hoje tem uma terceira que é de mão dupla. Uns cinco ou seis anos atrás colocaram os primeiros sinaleiros — que durante muito tempo se mostraram deveras inúteis, exceto por dois que são de três fases e ficam em locais onde é permitido fazer uma conversão diretamente à esquerda. Esses fazem bastante sentido, mas o resto não adianta muito.
O volume de trânsito é pequeno, os pedestres dão pouca ou nenhuma bola aos sinais de verde ou vermelho e o maior perigo são os cães de rua que, claro, atravessam mesmo que o farol esteja fechado para eles. Eu sempre digo que o lugar é tão pequeno que a placa de “Bem-vindo” e a de “Volte sempre” são a mesma, frente e verso. Exagero, é claro, pois tem bem uns sete quarteirões entre uma e outra…
Em 2011, quando este AUTOentusiastas era um blog, me surpreendi quando encontrei em Araçoiaba calçadas pintadas como se fosse ciclovias. Assim, de uma hora para outra e nem o pessoal que mora lá havia notado. Acordaram com algumas calçadas azuis.
Imediatamente fotografei e contatei meu queridíssimo amigo de longa data Bob Sharp que é, de longe, a pessoa que eu conheço que mais sabe sobre o Código de Trânsito Brasileiro. Inicialmente ele também estranhou, mas pesquisou e descobriu que essa excrescência era, sim, legal. Escreveu ele então, em agosto de 2011, um post para o então blog intitulado “Coisa de doido”.
Pois bem, na época comentei com o Bob a total inutilidade da tal ciclofaixa. Pelo perfil dos moradores e pela quantidade de haras suspeito que haja mais cavalos per capita do que bicicletas, mas vá lá… Ainda assim, como dá para ver nas fotos, havia na avenida em questão um canteiro central onde poderia ser sido colocada a tal ciclofaixa. Só que não.
Passados cinco anos, ela continua lá. Zero manutenção, como sói acontecer com algumas prefeituras e, aliás, a atual burgomestra colocou placas pela cidade anunciando a instalação de uma segunda ciclofaixa, agora na Av. Ministro Antônio Vieira do Amaral, a apenas três travessas de distância da anterior. Esqueci de mencionar que a Av. Luane Milanda Oliveira, onde está uma das ciclofaixas (a outra está na avenida de entrada da cidade) está exatamente na frente da Prefeitura e, claro, aparece em todas as fotos. Confesso que não medi a extensão da via onde seria instalada a nova ciclo-qualquer-coisa nova, mas como tudo naquela cidade é de dimensões limitadas não se trata de nada quilométrico. E a rua em questão só tem cinco quarteirões de comprimento.
Encontrei no site da Prefeitura que a obra estava orçada em R$ 260.000. Os trabalhos foram iniciados em maio de 2015 e a previsão inicial era de entrega em setembro de 2015, mas em dezembro daquele ano só havia sido executados 24%. De lá para cá, nenhum milímetro de avanço. As autoridades devem ter sido movidas a construir mais uma ciclofaixa em função do sucesso da atual, superlotada e motivo de congestionamentos, como podem ver na foto abaixo, do Google Maps de menos de dois meses atrás.
Ainda que houvesse muitíssimos usuários de bicicleta, certamente o número de pedestres de Araçoiaba da Serra é maior. Mas, peraí, por onde eles andam? Ora, pela ciclofaixa, que está sempre absolutamente vazia. Não é que eles dividem a via com veículos de duas rodas, não. É que só tem pedestres. Até porque os ciclistas que por lá passam o fazem pelo asfalto da rua mesmo, onde não há árvores, desníveis, postes e outros obstáculos que estão, justamente, na ciclofaixa.
Frequento muito Sorocaba, que tem 100 km de ciclovias em sua quase totalidade bem planejadas. Não sou contra ciclovias, mas sim contra remendos e bobagens populistas. E contra copiar ideias sem analisar realmente se são viáveis alhures. Nem sempre o que funciona em Sorocaba funciona em Araçoiaba. Assim como nem sempre o que funciona em Nova York ou Oslo ou Amsterdã serve para São Paulo. Mas sou calma e nem sempre discuto. Vejam bem, caros leitores, nem sempre. Às vezes apenas espero a realidade confirmar minhas teorias e, vejam só, o que registrei há duas semanas na primeira ciclo-qualquer-coisa de Araçoiaba, pouco antes da Prefeitura:
Andando por essa mesma avenida já tive de frear o carro para dar passagem para uma siriema, para diversos gambás (ou saruês ou raposinhas, dependendo do lugar) e não raro cruzo com cavalos. Mas nem sempre o celular está à mão para tirar fotos. Desta vez, com o marido ao volante, consegui registrar este momento “Mastercard – não tem preço.”
Mudando de assunto: Ainda que um pouco atrasada, queria registrar as três medalhas de Alessandro Zanardi nas Paraolimpíadas, em provas de paraciclismo. Acompanhei a carreira dele na Fórmula Indy e na Fórmula 1 e cheguei a assistir alguma corrida dele na WTCC. O horrível acidente que ele teve na Indy (OK, CART) só vi naquele dia mesmo, quando acompanhava a corrida pela televisão. Não gosto de rever esse tipo de acidente. Me dói, não tenho estômago e ainda por cima sofro terrivelmente. Mas algum tempo atrás o Bob Sharp me mandou este link para um depoimento do Zanardi que acho incrivelmente lindo. Zero autopiedade, mil por cento de pé no chão, tenacidade. Já o mencionei aqui há bastante tempo, mas vale a pena rever:
https://youtu.be/Kt7HGXeDI-4
NG