Defeito em carro velho é sempre serial killer. Problemas parecidos atacam carros diferentes com o mesmo MO (Modus Operandi). Desta vez foi o Renault Twingo da minha mulher e, logo em seguida, o Daihatsu Charade. Os dois com “paus elétricos” em lugares complicados. No Twingo pifou o acionador da trava elétrica, que fica escondido no canto da porta, e no Charade deu um apagão nos faróis baixos e toca mexer embaixo do painel. Dois lugares que não se consegue enxergar.
Sempre existe um ritual. Primeiro fico desesperado, tentando ver onde minhas mãos alcançam e olhos não chegam. E vou ficando tenso, sem resolver nada.
Aí me lembro de um conselho aparentemente absurdo do Bob Sharp, umas duas décadas atrás, quando trabalhávamos juntos na revista Oficina Mecânica. Estava me ferrando em um painel de algum caco velho e o Bob chegou. Olhou e mandou: “Fecha os olhos para enxergar melhor”.
Olhei para o autor daquela frase alienígena, que continuou explicando que a Boeing usava deficientes visuais para montar complicados chicotes elétricos nos aviões, em lugares onde só entram as mãos e não se enxerga nada. Além disso, o dentista do Bob também usava a mesma técnica para achar o furinho no molar para enfiar o alargador nos tratamentos de canal.
Resolvi tentar e fechei os olhos. Em cerca de um minuto o desespero de não enxergar (o local onde estavam as mãos) passou. Afinal, os olhos estão fechados e a gente vai se acostumando. Em poucos minutos mais, toda sua sensibilidade passa para o tato e mentalmente se forma a imagem do que se está mexendo, pelas mensagens enviadas pelos dedos. O problema que era insolúvel começa a se resolver e se monta (ou desmonta) tudo que está escondido.
Uso este conselho desde aquela época. Tanto que hoje o Twingo e o Charade tiveram suas encrencas resolvidas rapidamente apenas com as mãos e, literalmente, de olhos fechados.
No Renault foi até fácil trocar o acionador elétrico (que é genérico e barato, em torno de R$ 20). A tarefa chata é montar as hastes (que vêm da trava manual e do acionador elétrico), em local que não se vê. De olhos fechados deu tudo certo.
Já no japinha da Daihatsu, deixei os faróis acesos e fui correndo os fios com as mãos até achar uma tomada embaixo do painel, que estava aquecida. Claro, ali estava o famoso “Osmar Contato”, que foi resolvido com um valente canivete suíço e um spray de limpa-contatos.
Em se tratando de painel, ou se trabalha “no escuro”, ou se o desmonta todo, um serviço bem complicado (foto de abertura)
Aliás, geralmente é mais difícil achar onde está o defeito do que consertar. Tanto que sentia um cheiro leve de queimado no Charade e achava que vinha do motor. No final, eram dos contatos embaixo do painel.
Mais um causo. Perto de casa existe uma oficina especializada em Mercedes e várias vezes o pessoal usa minha rua, que é tranquila, para testes e diagnósticos. Outro dia vejo um belo Merça, dos novos, que não dava nem para identificar o modelo. Por um motivo simples: um mecânico dirigia com a cabeça para fora da porta, enquanto outro estava em cima do motor do carro, que rodava com o capô aberto. Claro, procurava algum barulho misterioso formando uma cena que só é normal para entusiastas e graxeiros em geral. Vinham devagar, enquanto eu torcia pelo mecânico da janela de casa.
Alguns metros depois de passarem por mim, o mecânico que se mexia por cima do motor berrou: “achei”. Vibrei com os dois que, já com o Mercedes parado, atacaram com um monte de ferramentas a fonte do barulho.
Como disse, diagnóstico é complicado. Eu mesmo já passeei muito com algum amigo mecânico ou graxeiro no porta-malas, para achar algum barulho misterioso. Ou, regando o porta-malas com uma mangueira para alguém lá dentro, com uma lanterna, descobrir exatamente por onde entra água.
E os ajudantes agradecem aos céus quando é uma station, como a Volvo 850. Quando é um sedãzinho com um porta-malas pequeno é um sofrimento.
Mas, não tem jeito. Você reaperta tudo, tira macaco, chave de roda, estepe e o infeliz do barulho continua. O jeito é ter alguém lá trás, para descobrir exatamente de onde vem o nhéco-nhéco ou a entrada de água.
Por isso encerro com uma velha receita, que vez ou outra passeia pelas redes sociais. “Tranque seu cachorro e sua mulher (namorada ou algo parecido) no porta-malas de um carro. Abra depois de uns 10 minutos e vai descobrir quem realmente gosta de você e demonstra muita felicidade ao te rever”
Nota do redator: se resolver seguir a receita, não me culpe pelo divórcio.
JS