Nosso código de trânsito é um festival de besteiras e proibições impossíveis de serem fiscalizadas.
Em termos de visibilidade, a legislação é muito clara: só se pode instalar películas para escurecer vidros que obedeçam os limites de mínimo de transparência. Que variam entre os vidros dianteiros e traseiros. E a fiscalização, só se o policial estiver portando o medidor de transmitância luminosa, capaz de apontar se o carro está ou não dentro dos limites previstos.
Em termos de emissão de ruídos, a legislação é muito clara: o veículo só pode emitir sons dentro de determinados limites estabelecidos em decibéis. Um determinado valor a um metro de distância, outro a sete metros. E o policial só pode autuar o motorista se portar um decibelímetro, que mede o nível de ruído.
É precária a fiscalização de transparência e de emissão de ruídos, pois são raros os policiais equipados com os aparelhos que medem sua intensidade. E os automóveis rodam impunemente com as películas que escurecem (“insulfilm”) duas ou três vezes acima do permitido. Os vidros se tornam negros. O jornalista Bob Sharp bate nesta tecla há tempos e chama o filme de “saco de lixo”. É mesmo um lixo pois deixa o carro “uma gracinha” mas impede o motorista de ter mínima visibilidade noturna. E zero visibilidade se estiver chovendo à noite. Quanto aos ruídos, eles são emitidos por duas fontes: a descarga de onde se retiraram os abafadores (silenciadores) e os equipamentos de som que tornam o automóvel um verdadeiro trio elétrico.
Como no Brasil a legislação (principalmente a de trânsito) flutua ao sabor dos humores das nossas autoridades, os policiais acabam de receber autorização para autuar o motorista que abusar da música de forma a ser ouvido fora do automóvel. Ou seja, um critério desprovido de qualquer padrão científico. Se o “guardinha” tiver ouvido apurado e ouvir o que seu coleguinha não ouviu, pode autuar o carro. Mesmo que não tenha sensibilidade auditiva suficiente, pode também aplicar o castigo desde que não tenha simpatizado com o motorista.
E, assim, de incoerência em incoerência, nossas autoridades e nossos legisladores vão demonstrando seu profundo desprezo pela segurança veicular, pelas regras mínimas de harmonia e convivência entre motoristas, pedestres e sociedade.
Apesar de publicado há dezenove anos, o governo faz vista grossa para a exigência do código de trânsito de se realizar a inspeção veicular que fiscaliza a segurança e as emissões de gases e ruídos. A inspeção é importante e existe em todo o mundo, mas o código chega a ser hilário e comprova ser distante da realidade ao estabelecer penalidades surrealistas e anacrônicas. Como o carro que para na rua por falta de combustível: foi desleixo do motorista, ou defeito do marcador? Ou quem sabe um entupimento provocado pelo combustível não fiscalizado pelo governo?
O código é um festival de besteiras do tipo proibir a condução do carro “desligado ou desengrenado, em declive”. Para começo de conversa, como fiscalizar se o motorista jogou a “banguela”? Além disso, como impedir este desligamento automático que já existe em carros mais modernos, em declives de determinados ângulos?
Afixar adesivos no vidro traseiro é permitido, desde que o automóvel tenha ambos os espelhos retrovisores externos. Mas é proibido “alterar a cor ou as características originais” do veículo. Furar o para-lama para instalar uma antena, pode?
Dirigir de sandália de dedo não pode. Mas descalço, pode. Então, se o policial parar o carro, empurre as sandálias debaixo do banco e desça descalço. E tem a novela do pneu sobressalente: ele era obrigatório, mas algumas fábricas o substituíram por um reparador de emergência ou pelos pneus “run-flat”. E agora, José?
BF