Outro dia um amigo tomou um táxi para levá-lo ao aeroporto internacional e notou que o motorista dirigia bem, com uso correto do motor e do câmbio, freava com suavidade, enfim, fazia tudo certo. Fazia.
Na marginal do rio Pinheiros, depois na do Tietê, mantinha-se a 90 km/h, o limite, na última faixa da esquerda. Meu amigo já se sentiu incomodado (como eu fico quando sou passageiro e isso acontece), mas ficou quieto. Até que notou um carro atrás pedindo passagem relampejando farol alto. Não se conteve e perguntou ao taxista por que não dava passagem. “Já estou no limite, não tenho que dar passagem”, ouviu, incrédulo, a resposta.
Há mesmo qualquer coisa errada na cabeça de quem pensa e age como esse motorista. Ou ignorância do Código de Trânsito. Pior, não raro gera tensão no trânsito, totalmente desnecessário.
Já falei várias vezes a respeito desse tema aqui no Ae, mas esse fato do taxista me fez voltar ao assunto.
Mas esse problema não é só aqui, não. No Canadá e nos Estados Unidos os que “compram” a esquerda são chamados de “bandidos da faixa esquerda” (left lane bandits). Fiscalizam, ficam em cima, como mostra a foto de abertura, de natureza nitidamente educacional.
Não sou psicólogo, mas tenho certeza de haver uma componente, ou razão, psicológica nisso tudo: o sentimento de importância. “Sou um cara importante e caras importantes andam na esquerda, a direita é para a ralé.” Por que me soa impossível alguém racionalmente permanecer na última faixa da esquerda num via multifaixa ou na da esquerda — sem necessidade — quando são apenas duas faixas de rolamento.
Cena comum é se pedir passagem — na maior parte das vezes nem precisa, basta se colocar numa distância do carro à frente que incomode, como o equivalente a dois carros — e se obter o “favor”, para imediatamente após a manobra o espelho informar que o ultrapassado voltou para a esquerda. É muito estranho.
Aliás, não é favor, mas obrigação: se não fizer o motorista incorre em multa média, R$ 85,13 e 4 pontos na carteira, como reza o Art. 198 do Código de Trânsito Brasileiro.
Mas há os que não arredam mesmo pé da sua posição social “conquistada” e nesse caso o jeito é fazer de conta que se está na Inglaterra e ultrapassar pela direita. Em alguns casos — poucos — alguns donos da esquerda se tocam que alguém os ultrapassou pela direita e vejo-os ir para onde deveriam estar.
Ontem mesmo, precisei ir à Fazenda Capuava, perto de Indaiatuba, para uma apresentação prévia, e o recurso “à Inglaterra” teve de ser usado diversas vezes.
O mais incrível, contudo, foi notar vários “chegados ao topo da escala social” andando a 100 km/h na autoestrada de 120 km/h. Isso num dia ensolarado como ontem, entre 9h30 e 10h30.
Realmente, parafraseando o Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, o “Barão de Itararé” e sua famosa frase “Há qualquer coisa no ar, além dos aviões de carreira”, há qualquer coisa no trânsito brasileiro, além do excesso de veículos.
Falta-nos educação, e este cenário só mudará se Trânsito for incluído no currículo escolar. Enquanto isso, só educação ‘na marra”, ou seja, fiscalização mais multa.
Aliás, os agentes de trânsito, especialmente as polícias rodoviárias estaduais e federal, precisam se imbuir do espírito de fiscalização global, não só ficar de tocaia para flagrar “excesso de velocidade”, como vi ontem na Rodovia dos Bandeirantes, parcialmente ocultos pela sombra de árvores. Vergonhoso.
É preciso fiscalizar, para educar, a atitude de motorista.
Muitos anos atrás, na via Dutra, aproximando-me do posto da PRF de Itatiaia (RJ), sentido leste, posto, aliás, que não existe mais, o policial me parou e me perguntou por que eu estava na faixa da esquerda. De pronto lhe expliquei que havia acabado de fazer uma ultrapassagem e apareceu a linha branca contínua da zona do posto, a qual eu não poderia transpor. Ele me disse que eu tinha razão e não me furtei de parabenizá-lo por ficar atento à questão de se trafegar desnecessariamente na faixa da esquerda. Vi a satisfação nos seus olhos ao ouvir o que eu lhe disse.
Felizmente, pelos compromissos profissionais, tenho podido ir com relativa freqüência à Europa, onde dá para lavar a alma só de ver a turma ultrapassar e voltar assim que pode à faixa na qual vinha antes.
Sonhar de ver isso no Brasil é de graça.
BS