Componentes de duração limitada sempre dão margem à fábrica e concessionária alegarem mau uso do componente.
Fábrica e concessionárias escorregam como e quanto podem de se responsabilizar por problemas no automóvel em período de garantia. Fazem alegações estapafúrdias para negar o reparo gratuito. O argumento campeão é do componente que tem desgaste natural, como a embreagem, por exemplo. O disco é revestido de um material que se desgasta com o uso até atingir uma espessura mínima que exige sua substituição (veja na foto de abertura). Com qual quilometragem? Não tem: a durabilidade varia em função da carga a que é submetido. Pode chegar aos 50, 60 mil km (ou mais), como pode entregar os pontos aos 40 mil. Desgaste considerado normal e dentro de parâmetros consensuais das fábricas.
Mas o fabricante (e concessionária) se aproveita de não existir uma durabilidade padrão para acusar o motorista de “mau uso” mesmo se evidenciado um problema de qualidade. Muitas vezes o carro é levado à concessionária com baixa quilometragem, entre — digamos — 10 mil e 20 mil km, e a embreagem em fase terminal. O que não é definitivamente razoável e configura um problema de qualidade do material. Mas o gerente da oficina nem se enrubesce ao emitir, do alto de sua sabedoria, o veredicto de que o desgaste anormal foi provocado pelo mau uso. Só falta chamar objetivamente o motorista de “barbeiro”. Ele, assustado, pergunta que diabo pode ter feito de errado e se inteira então de algumas possibilidades. Pode ter dirigido com o pé esquerdo apoiado no pedal, ou ter “segurado” o carro na subida sincronizando embreagem com acelerador. Ou ter arrancado com excesso de rotação do motor, fazendo o disco “patinar” e acelerando o desgaste. Ou outra besteira do gênero, sem jamais reconhecer que a redução da vida útil pode ter sido provocada por uma deficiência de qualidade do componente. Não adianta também o dono alegar que já teve inúmeros automóveis antes daquele e jamais uma embreagem entregando os pontos com quilometragem inferior a 50 mil km.
Vários outros componentes de duração limitada dão margem à alegação de mau uso. No sistema de freios, por exemplo, pastilhas e lonas não duram eternamente. Discos e tambores têm durabilidade maior, mas também limitada. Amortecedores podem ir além dos 100 mil km ou pifar aos 10 mil km, tudo depende.
Pneus são uma eterna fonte de discussão entre fábrica e dono do carro. Eles devem, teoricamente, durar um mínimo de 40 mil a 50 mil km. Ou, muito solicitados, podem não passar dos 30 mil km. Entretanto, há casos de pneus que ficam quase “carecas” entre 10 mil e 15 mil km, o que evidencia um problema de alinhamento da suspensão ou carroceria.
No Brasil, onde é inegável a presença de combustível adulterado, pois a fiscalização dos postos é falha, alega-se com frequência que o motor “pifou” porque o tanque continha mais solventes e álcool do que gasolina. Ou água em excesso no álcool hidratado. O que pode de fato ocorrer mas, curiosamente, as concessionárias nem enviam para análise uma amostra do combustível no tanque para comprovar seu diagnóstico.
Outra velhacaria da fábrica é com relação ao consumo de óleo do motor. Algumas têm a cara de pau de fazer constar no manual que o nível pode baixar até um litro cada 1.000 km. Ora, há um consenso na indústria automobilística de ser normal o nível do cárter baixar um litro cada 5.000 km. Se a fábrica faz constar um consumo cinco vezes maior, ela já está se armando para negar responsabilidade caso o motor apresente este problema.
Em alguns casos, a oficina pergunta, também sem nenhum constrangimento, se o carro não foi usado para “pegas” noturnos…
BF