O título, em alemão, significa “O barco VW”, numa paráfrase de “Das Boot”, filme que em português intitulou-se “O barco: inferno no mar”, produção alemã de 1981 que retrata fria e fielmente a dramática operação dos submarinos alemães na Segunda Guerra Mundial.
Os motores VW boxer arrefecidos ar tiveram aplicações marítimas, um dos muitos usos da versão estacionária desse valoroso motor. Para os que o apreciam vale a pena saber como isso se passou, como eram os “barcos Volkswagen”.
Antes de entrar a fundo nesta matéria, ao darmos uma olhada nas condições de operação deste tipo de aplicação logo nos deparamos com o aspecto do arrefecimento do motor segundo as exigências da aplicação marítima. Os motores dos carros trabalham em média com cerca de 25% de carga. Motores de barco trabalham com cerca de 75% de carga, pois a aplicação marítima é bem mais pesada.
Se não forem tomadas as precauções necessárias, motores arrefecidos a ar podem até sofrer pesadas avarias em função do fluxo insuficiente de ar. Há uma tênue diferença entre ser possível e ser prático neste caso. Mas este desafio foi contornado por várias aplicações práticas e um trabalho de adaptação bem feito por várias empresas.Até a própria Volkswagen e a Porsche disputaram este mercado com suas versões marítimas.
Por outro lado, os motores arrefecidos a ar apresentavam vantagens em relação aos arrefecidos a água, já que não precisavam de um circuito especial de água de arrefecimento com bombas e várias conexões que com o tempo costumavam apresentar vazamentos, além de serem imunes aos efeitos da água salgada quando operados no mar.
As aplicações
Nos Estados Unidos a revista Popular Science deu, em 1960, uma nota sobre o lançamento de uma lancha com motor Volkswagen arrefecido a ar que seria vendida, inicialmente na Costa Leste, por concessionárias Volkswagen — ou seja, um produto com a chancela oficial da marca:
Era uma lancha de 17 pés (5,2 metros) especialmente fabricada para o motor Volkswagen de centro, que atingia 25 mph (40 km/h). O casco era feito em uma só peça seguindo um processo alemão desenvolvido para a construção de pequenos aviões, que consistia de tiras finas de madeira de bétula impregnadas com plástico e laminadas em cinco camadas. O motor Volkswagen de 36 cv acionava a hélice através de uma transmissão em V (V-drive), com uma caixa redutora de 1,29:1.
O V-drive é um sistema de propulsão para barcos que consiste de duas árvores de transmissão dispostas em “V” olhando-as de lado, uma caixa de câmbio e uma hélice. Em um barco “V-drive” o motor é montado na extremidade traseira da embarcação com a frente do motor voltada para trás. Conectada à parte traseira do motor fica a transmissão. V-drives são melhores para a prática do esporte conhecido como wakeboard, porque o peso do motor e da transmissão estão mais para trás. A popa do barco afunda mais na água e produz uma esteira maior, favorecendo a prática deste esporte que consiste em deslizar sobre a água rebocado por uma lancha com os pés presos a uma prancha e fazendo acrobacias na esteira produzida.
O ar para o arrefecimento do motor, da transmissão, do V-drive, e do escapamento era provido através de aberturas abaixo do banco traseiro. A exaustão se dava através de grossos tubos que envolvem os canos de escapamento. Abaixo, fotos do motor marítimo da lancha detalhando os grandes dutos adicionais fundidos em alumínio do sistema de arrefecimento e de exaustão tanto do motor quanto do ar de arrefecimento:
O consumo de combustível era de aproximadamente 1,8 galão (6,8 litros) por hora, dando ao barco uma autonomia de 6 horas à velocidade de cruzeiro de 25 mph.
Esta lancha era um produto da empresa Inboard Marine Company, de Nova York, e foi concebida tendo em mente os motores Volkswagen boxer arrefecidos a ar.
Também em 1960, a revista especializada Boating apresentou a seguinte nota sobre o barco VW:
Já falamos sobre o casco construído de uma forma especial, mas ainda não vimos o seu desenho. Veja-o:
Na Europa também foram desenvolvidos barcos equipados com motores boxer Volkswagen arrefecidos a ar, uma aplicação adicional de seus motores boxer industriais assim arrefecidos que foram vendidos “como pãezinhos” por décadas. Eles acionaram de tudo, desde bombas d’água de carros de bombeiros, equipamentos de refrigeração de carros frigoríficos, elevadores de esquis (sky lifts) e muito mais. Lembrando que estes motores foram projetados para funcionar em regime contínuo a plena carga (sem esquecer da principal questão de operação que era a adução adequada de ar de arrefecimento).
Outros exemplos
Um barco feito especialmente para o motor boxer Volkswagen foi o Delphin (golfinho) produzido pelo Estaleiro Delfosse, que ficava no Porto de Düsseldor,f na Alemanha. Um barco menor, mais aero e fluidodinâmico, no qual o motor ficava semiaparente e integrado ao desenho do barco.
Esta empresa, das duas uma: ou tinha um acordo operacional com a Volkswagen ou não tinha problemas em usar o logotipo da marca em seu folheto. Ao que tudo indica este barco foi desenhado por Kurt Delfosse que também projetou carros de corrida pequenos e leves, como o exemplo abaixo:
Olhando este carro reconhece-se o desenho aerodinâmico que foi aplicado no barco Delphin.
Já a empresa Bauscher & Co KG de Hamburgo, Alemanha, se especializou em preparar os motores Volkswagen, e Porsche, para uso marítimo, em várias alternativas de execução, seja para acionamento direto por hélice, passando por um conversor de torque e um redutor/inversor de rotação (para reverter a hélice para marcha a ré), como se pode ver nos folhetos abaixo:
Também foram oferecidos barcos prontos para a adaptação de motores, como é o caso dos barcos do Estaleiro Libella de Max Schreyögg da cidade de Olarzried/Ottobeuren, também na Alemanha:
Motores marítimos Porsche
Acredito que a esta altura você já deve estar curioso para conhecer os motores marítimos da Porsche.
O motor marítimo da Porsche foi desenvolvido a partir do motor boxer 1,6-litro do Porsche 356.. A Porsche começou seus testes na água em meados da década de 1950. Os primeiros circuitos de testes rápido foram conduzidos em lago Max-Eyth (um remanso isolado do Rio Neckar), perto de Stuttgart, em um barco movido por um motor de 356 com potência reduzida, chamado Tipo 729/1.
Então, em 1959, o motor de 356 com potência reduzida de 60 cv para 52 cv foi apresentado ao público como um motor de barco. Uma característica particular da construção foi a carcaça especial de chapa metálica do motor, que garantiu o fornecimento de ar de arrefecimento e protegeu o inversor contra superaquecimento. Além disso, um trocador de calor capturava o calor de escape do motor para também aquecer o barco, se necessário: a uma velocidade máxima de 46 km/h, a rajada de vento podia ser bastante fria por aquelas bandas …
Este foi o primeiro barco com motor marítimo Porsche arrefecido a ar oferecido ao público, em 1959:
Veja os dados técnicos do motor marítimo Porsche nesta planilha (em inglês):
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Como pudemos ver, a locomoção na água com motores boxer arrefecidos a ar foi disputada entre Volkswagen, Porsche e fabricantes de agregados e barcos, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. O investimento foi grande na época.
Não foi possível levantar se estes motores também andaram singrando águas brasileiras. Se algum leitor ou leitora tiver notícia disso, peço que me envie para uma referência futura.
Ainda temos outra aplicação de motores estacionários adaptados a outros usos, como na aviação, que poderemos apresentar futuramente.
AG
Agradeço ao amigo Marco Rebuli pelo apoio e sugestão de escrever esta matéria; para a qual fiz pesquisas em sites como o Jalopnik, The Samba, Porsche, Wikipedia, Google Maps, etc.
A foto de abertura é uma propaganda da Volkswagen motores estacionários e apresenta, talvez de uma forma arrojada, um barco de apoio da Guarda Costeira alemã — identificado pela bandeirola com a Cruz de Malta que esta Guarda usa como símbolo. O desenho sugere que o barco “Powered by VW” está em mar aberto picado — que realmente é uma condição extrema de uso.
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