Já faz tempo. Corria o segundo semestre do ano de 1991 e a Ford convocou alguns jornalistas especializados para apresentar um novo conceito tecnológico do seu charmoso Escort XR3. Lá estava eu, entre os especialistas convidados para tal apresentação. Um conceito em que a eletrônica permitia recalibrar a suspensão do carro com o simples toque de um botão no painel. Ela poderia ficar mais firme para desempenho mais preciso em altas velocidades ou simplesmente confortável para uso cotidiano.
Uma proposta interessante e inusitada para a época. Nada, até então, havia sido tão arrojado em conceito de suspensão, com exceção de carros de altíssimo gabarito e preço para a época que haviam começado a chegar com a reabertura das importações um ano antes. A fabricante do oval azul estava tentando popularizar um sistema de suspensão que poderia ser regulado a bordo.
Construtivamente falando, tratava-se de amortecedores que através de um pequeno e rápido motor elétrico de passo poderia alterar a velocidade de passagem, pelas válvulas, do óleo do interior do amortecedor. O sistema, desenvolvido aqui mesmo no Brasil pela Cofap, então fornecedora de amortecedores para a indústria automobilística, permitia que os amortecedores ficassem com mais ou menos carga de acordo com a vontade do motorista. No painel de controle existia ainda uma opção ‘Auto’ que tornava automático o sistema: os amortecedores deixavam o rodar mais confortável até 100 km/h e, automaticamente, passavam a ter maior carga nas velocidades acima disso.
O Escort XR3 Fórmula, como o modelo foi batizado, mostrava uma boa dinâmica, unindo de maneira competente o conforto do dia a dia com a segurança nas altas velocidades, e a pista de testes mostrou exatamente isso. Um ponto conquistado pela Ford em termos de tecnologia, quase no mesmo naipe da injeção eletrônica lançada pela Volkswagen no Gol GTi no final de 1988. Era a nossa indústria livrando nossos carros da pecha de carroça, que começavam a dar ares de produtos tecnologicamente tão desenvolvidos quanto outros produzidos pelo mundo. Na mesma época, a GM também aposentava o carburador do Kadett GS, que passava a utilizar injeção eletrônica e a nova sigla GSI em seu nome.
Como a vida algumas vezes nos presenteia, aquele XR3 Fórmula que testei em 1991 quando trabalhava na revista Quatro Rodas, reapareceu em minha vida 24 anos depois. Um amigo, Denivan Vargas de Araújo, achou o tal Escort ainda em bom estado, comprou-o e restaurou-o, depois apareceu de surpresa em minha casa com a máquina novinha, como no dia em que a testei. Ele foi tão detalhista que conseguiu até mesmo um jogo dos amortecedores originais da época encontrado nos restolhos de estoque de uma concessionária Ford em Belém do Pará. Peças tão raras quanto o carro em bom estado.
Quando o carro me foi mostrado, Denivan, o anjo da guarda desse carro esquecido, me levou a dar algumas voltas por onde moro e constatei que o carro se encontrava em tão bom estado quanto na época em que a Ford nos cedeu um para avaliação em 1991. Uma grande alegria, sentir o carro, sua tocada, a boa performance do motor 1,8 a álcool ainda a carburador e outros detalhes que os bons XR3 possuíam na época. O carro estava quase perfeito.
Para a cultura automobilística, é sempre bom sabermos que há pessoas que ainda se preocupam com o passado e a história de nossa indústria automobilística e seus produtos que, paralelamente, contam a história de nosso povo e do país. A cada histórico de cada carro, contamos também nossa história. Por isso, preservemos os casos e os fatos marcantes de nossos carros do passado para, dessa forma, preservarmos a história de nossa indústria automobilística.
DM
A coluna “Perfume de carro” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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