Para honra minha, hoje sou, às vezes, chamado de professor, o que é sem dúvida uma conquista fruto de mais de meio século dedicado à prática e aos estudos da “ciência do controle do trânsito”.Por causa deste fato, ao escrever os artigos para o AE estou em cada um deles dando uma aula sobre o assunto abordado.
Por outro lado, nada frustra mais o professor do que, finda a aula, ninguém se manifestar, a favor ou contra ou, melhor dizendo, apresentar dúvidas. Ficará no professor a dúvida se os alunos não entenderam, não se interessaram, ou se assimilaram, sem protestos, o que lhes foi ministrado.
Tenho sempre em mente o conselho da extraordinária poetisa goiana Cora Coralina, quando disse:“Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”.
É, sem dúvida, o meu estado de espírito ao escrever as minhas “aulas” aos inteligentes leitores do AE. Não foi, infelizmente, o que ocorreu no meu último artigo, em que ao glosar uma entrevista de um bisneto do grande Oscar Niemeyer, abordei o delicado tema da mobilidade urbana, sob o ponto de vista da engenharia de tráfego ou, se preferirem, do urbanismo dinâmico
Estou perfeitamente cônscio, do que a Philips, de Eindoven, na Holanda, num boletim técnico, em 1977, escrevia, como enfoque principal, que a engenharia de tráfego era a ciência esquecida, defendendo o uso do controle da sinalização semafórica pelo seu sistema de computadores, por sinal, excelente.
Neste meu último artigo ou “aula”, em que defendia a solução única e lógica para se utilizar com um rendimento confortável a malha viária, nas megalópoles completamente esgotada a sua capacidade física, tornando a oferta de sua malha viária insuficiente para atender a demanda dos carros de passeio utilizados como alternativa de transporte,transportando apenas o seu motorista, cerca de 96%, num desperdício de espaço inaceitável e ocupando cerca de 80% de sua capacidade viária, deixando apenas 20% para os coletivos.
Ao propor a solução lógica do racionamento deste espaço, em benefício de todo o tráfego circulante, com medidas socialmente justas e apoiado em medidas construtivas, recebi as mais diversas opiniões e críticas dos leitores, aos quais agradeço.
Pelo menos prestaram atenção ao que escrevi, embora em sua maioria, estivessem enquadrados no velho provérbio indiano: “Poderás convencer o sábio, poderás, embora com mais dificuldade , convencer o leigo, mas jamais poderás convencer o que está na meia ciência, ou seja, o que julga que sabe”.
Vou tentar, em respeito aos leitores, amenizar o conselho indiano.
É honrosa exceção o leitor que se identifica como Fábio, que escreveu um resumo urbanístico de como deve ser distribuído o uso da terra, numa cidade. Perfeito o seu conceito, que o identifica como urbanista, embora nenhum destes conceitos possa ser aplicado ás megalópoles, já tornadas de habitação difícil, fruto da exploração imobiliária desenfreada e o esquecimento das normas de urbanismo.
Infelizmente, Fábio, será impossível, ao menos em curto prazo, torná-las habitáveis seguindo as regras do urbanismo do uso da terra. Dão-nos magnífico exemplo as cidades holandesas, fazendo de sua pequenina grande nação um exemplo urbanístico a ser imitado nas novas cidades.
O mestre Lúcio Costa, cuja amizade tive a honra de desfrutar, tentou fazer prevalecer o uso correto da terra, em Brasília, hoje, também, já deturpado.
Aos que se queixam de ter que trocar o seu conforto em seu carro utilizando o transporte público, não posso dizer nada, uma vez que eu nunca disse isto ou escrevi, cônscio da observação de Henry Ford, atribuindo o sucesso de sua invenção ao desejo de conforto e à preguiça inerentes à pessoa humana. Foi pensando nestes sentimentos que imaginei o sistema URV — Utilização Racionada das Vias — que legaliza e disciplina a situação, de fato, do carro de passeio se tornar um veículo de transporte casa-trabalho e vice-versa.
Quanto às reclamações da criação de uma taxa de racionamento mensal, como explicado no artigo anterior ela substitui a taxa diária de congestionamento e é necessária para incentivar mais componentes por carro compartilhado e, assim, chegarmos a 80% de rendimento da malha viária, Juntamente com a taxa de racionamento mensal a criação de um elevado prêmio em dinheiro — uma verdadeira “loto”! — sorteado semanalmente entre os que utilizem o sistema URV, para que no final se tenha um fundo que possa tornar o transporte público totalmente gratuito subsidiado pelo governo, pois segundo o IBGE transporte é a segunda maior despesa dos menos favorecidos..
A taxa de racionamento mensal pode ser eliminada, mas deixa de haver o incentivo dos prêmios e o humano e socialmente justo subsídio do transporte público. Em compensação, o usuário do sistema URV ficaria livre do pagamento da taxa de 1 real e 67 centavos/dia.
Eliminando o pagamento da taxa de racionamento, o rendimento da malha viária seria no máximo 50%, não haveria os prêmios semanais e, principalmente, não seria possível tornar o transporte por ônibus gratuito. Não me parece justo, em face do pequeno valor, a ser pago em face do ganho esperado
Espero ter esclarecido aos que me honraram com suas observações e darem-me a chance de esclarecer, mesmo aos que não opinaram, implicitamente concordando, com a única solução, em curto prazo, para restituir a mobilidade urbana enquanto o transporte público não é suficientemente confortável.Haec est rustica veritas.*
CF
*Esta é a dura verdade.