Em seguida aos casos de incêndio do Chevrolet Onix Plus e à avalanche de artigos na imprensa, comunicados internos da GM tornados públicos, coluna do Boris Feldman e comentários dos leitores, em que se falou em pré-ignição, dei uma resposta ao leitor Lauro Agrizzi e outro leitor, o Ewerson, sugeriu que ela fosse publicada em forma de matéria. Assim, aqui está ela.
PRÉ-IGNIÇÃO
Como o próprio nome diz, trata-se da ignição da mistura ar-combustível antes da centelha da vela. Portanto, uma ignição determinada por outra fonte de calor. Essa fonte pode ser algum ponto quente na câmara de combustão, como uma aresta viva, uma vela superaquecida por ser de gama térmica inadequada para o motor (vela muito quente), carvão, ou uma válvula de escapamento superaquecida por não dissipar calor adequadamente para sua sede devido a assentamento incorreto, que é por onde o calor da válvulas de escapamento passa para o cabeçote e dele para o líquido ou ar de arrefecimento.
O efeito funesto da pré-ignição deve-se à ignição da mistura nos movimentos iniciais do pistão no curso de compressão, pouco depois do ponto-morto inferior (PMI), que se opõe ao movimento do pistão, o que gera esforços descomunais nas partes estruturais e móveis do motor e altas temperaturas na sua chamada “célula de potência” — pistão, cilindro e cabeçote.
O efeito mais comum da pré-ignição é avaria no pistão devido à elevada temperatura, rompendo-se a sua cabeça no centro— a parte mais fraca — sob a forma de furo, e o pistão como um todo se dilatando e arranhando-se severamente em toda a periferia.
É importante notar nesse processo que quanto menos pressurizada a mistura, mais fácil ela “acender”, razão para a pré-ignição ocorrer ainda no início do curso de compressão, dificilmente mais tarde..
Outra fonte de calor para levar à pré-ignição é a câmara de combustão superaquecida pela detonação, que é a queima, ou combustão instantânea, de parte da mistura ar-combustível ainda por ser atingida pela frente de chama iniciada pela combustão normal (é por isso que a detonação pode ser chamada de pós-ignição).
Nesse momento da detonação ocorre um choque entre a frente de chama e a parte da mistura que acabou de entrar em combustão espontânea, que gera o ruído conhecido por “batida de pino” — na verdade nenhum pino bate, sendo ‘pino’ apenas má tradução de “ping”, que é a reprodução, mediante palavra, de algo que se escuta, É a chamada onomatopeia, como são miau, au-au, vrum, plec e outras verbalizações de sons.
Note que na pré-ignição esse choque, que por esse motivo ela é inaudível e, portanto, traiçoeira.
Como motores novos obviamente carecem das fontes de calor citadas no começo, com exceção de aresta viva na câmara de combustão (pouco provável), essa fonte no caso do Onix só pode ser superaquecimento da câmara de combustão por detonação. É a chamada pré-ignição induzida pela detonação.
Ocorre que hoje a detonação está totalmente dominada pela combinação de sensor de detonação com programação do módulo de gerenciamento do motor que promove atraso imediato da ignição para que a detonação cesse, “devolvendo” depois o avanço normal aos poucos.
De tudo o que foi dito, pode-se depreender que o problema do Onix pode estar em controle de detonação deficiente que resulta em pré-ignição, uma das consequências sendo ruptura de biela como resultado dos esforços associados à pré-ignição. Uma quebra de biela invariavelmente causa ruptura do bloco com vazamento de óleo significativo que costuma gerar incêndio. Já vimos isso quando era mais frequente motores de F-1 quebrarem.
Dentro da linha de raciocínio aqui exposta, fica claro que dificilmente ocorre detonação quando o combustível é álcool num motor previsto para funcionar com gasolina, devido às propriedades antidetonantes do álcool (equivale a uma gasolina 130 RON), mesmo que a estratégia de controle da detonação viesse a falhar.
Mais importante, só haverá pré-ignição, como vimos, quando houver mistura ar-combustível admitida ao cilindro, o que não ocorre quando a injeção é direta, já que apenas ar entra no cilindro e o combustível só é injetado momentos antes da centelha da vela.
Como curiosidade, nos anos 1960 a Shell comercializava no Brasil gasolina com um aditivo chamado I.C.A (alguns devem se lembrar). O I.C.A na verdade se chamava P.I.C.A. internamente na companhia, sigla de Pre-Ignition Control Additive, Aditivo de Controle de Pré-ignição, mas acabou ficando I.C.A.
Meu irmão Rony, que no começo de sua vida profissional foi representante de Vendas da Shell, me dizia que o I.C.A agia sobre os depósitos carboníferos evitando que se incandescessem, eliminando uma causa conhecida da pré-ignição.
Encerro desejando que a GM do Brasil (ou GM Mercosul, como se chama agora) encontre uma solução definitiva e que supere esse mau momento.
BS