Reza a lenda familiar que eu tinha talvez uns 8 anos de idade quando disse à minha mãe, que estava assistindo televisão, que quando crescesse queria ser como a moça da telinha. Era ninguém menos que a excelente jornalista Barbara Walters fazendo mais uma de suas antológicas entrevistas.
Não me lembro de ter querido ser alguma outra coisa que não fosse jornalista. A fase de ser professora deve ter durado não mais do que uma semana, quando eu tinha uns 6 anos. Talvez na segunda-feira seguinte tenha sido quando eu disse que queria ser aeromoça e lá pela quinta-feira, tradutora nas Nações Unidas — sim, porque eu pensava grande e queria fazer algo que fosse realmente importante para a humanidade, nada menos. Depois disso, jornalista e nunca mais mudei de ideia. Nem hoje, com tantas barbaridades que vejo que meus coleguinhas cometem. Não desanimo e não gostaria de ter outra profissão.
Sempre tive orgulho de ser uma boa repórter — sabem aquele faro para o que é notícia? Sempre tive, modéstia às favas. Agora, posso me gabar, caros leitores: eu não falei?
Há pouco mais de um mês escrevi aqui neste espaço que notava um aumento na procura por carros de luxo por parte de pessoas bem de vida. Pois é, nos Estados Unidos alguns jornalistas chegaram à mesma conclusão que esta que vos escreve. A CNN Business, nos Estados Unidos, entrevistou alguns executivos da indústria automobilística de superluxo que disseram que viram uma considerável alta nas vendas depois do início da pandemia.
Assim como me contou meu amigo brasileiro, que havia aumentado o tempo de espera por um Porsche zero-quilômetro no País, nos Estado Unidos o fenômeno se repetiu. “Estou neste negócio há 40 anos e nunca o vi assim”, disse Brian Miller, presidente da Manhattan Motors, uma concessionária de luxo que vende Bentleys, Lamborghinis e Bugattis, entre outras marcas ultraluxuosas.
As vendas desse segmento estão simplesmente bombando. A explicação segue na linha da minha coluna de algumas semanas atrás: “Os ricos estão entediados”. Miller contou à CNN que as vendas quase que quadruplicaram. “Não podendo viajar, quem tem dinheiro está comprando carros”.
Não sei ao certo a quanto teriam chegado as vendas de carros de luxo se os fabricantes não tivessem fechado suas unidades e interrompido a produção algumas vezes desde o início do alastramento da covid. Mas dá para calcular que poderiam ter sido ainda maiores, dadas as listas de espera atuais.
Nos Estados Unidos, as vendas gerais de automóveis de passageiros caíram 10% no ano passado em comparação com 2019. Nada que afetasse o segmento de superluxo, claro, que vai muito bem, obrigada.
Mesmo com a forte recuperação das vendas de automóveis no quarto trimestre, as vendas de carros, digamos, para mortais, apenas acompanharam o ritmo visto no quarto trimestre de 2019. Mas, novamente, isso é apenas para os carros “normais”. O segmento de superluxo cresceu durante a pandemia e as vendas de supercarros supercaros (já que não usei nenhuma ênclise, tinha que fazer uma gracinha com as palavras, não?), como Ferraris, Bentleys e Lamborghinis, terminaram 2020 em um ritmo estonteante.
Bentley, a centenária marca de carros ultraluxuosos, registrou seu melhor ano em 2020 apesar de a pandemia ter levado a empresa a fechar totalmente sua fábrica em Crewe, Inglaterra, durante exatas sete semanas. Ainda depois da reabertura, a unidade funcionou num ritmo equivalente à metade de seu ritmo normal por mais nove semanas, disse o presidente-executivo da Bentley, Adrian Hallmark, à CNN. E mesmo assim bateu recorde de vendas em seus 101 anos de existência, ao alcançar 11.206 carros e suves no ano passado — pouco mais de 100 veículos a mais do que em 2019, que já havia sido um ano-recorde. O mesmo fenômeno foi detectado pela Bentley na China. Em 2020 a marca vendeu 50% a mais do que no ano anterior.
Basicamente, a questão é que uma parte significativa do público desses veículos ficou dentro de casa, com mais tempo livre e menos tarefas para fazer a não ser olhar para carros caros na internet. Com o bolso cheio, estavam a um clique do novo carro.
Embora veículos de luxo sejam personalizados até os mínimos detalhes e feitos totalmente sob encomenda, todos os fabricantes sempre dispunham de algum modelo para pronta entrega – podia ser algum encomendado a título de exposição ou por algum outro motivo. Mas hoje isso simplesmente não existe mais — nem no Brasil, nem nos Estados Unidos, nem na China… Na verdade, não achei nenhum país com um mercado para carros de superluxo minimamente estruturado onde o fenômeno da compra durante a pandemia não tenha acontecido — seja por tédio, seja pela súbita mudança de nossa realidade, que nos fez ver, de perto mesmo, que podemos adoecer e eventualmente morrer a qualquer momento.
A Lamborghini, por sua vez, teve seu ano mais lucrativo em 2020 e seu segundo melhor ano de vendas na história da marca, superado apenas por 2019. Durante todo 2020, foram vendidos 7.430 carros e suves, o que representa uma queda de 9,5% comparado com 2019 — lembrando que aquele ano foi o recordista absoluto da marca. Mas o último trimestre de 2020 foi o melhor da história da fabricante italiana, que já tem completa sua lista de encomendas para os primeiros nove meses de 2021, segundo disse o executivo-chefe da Lamborghini, Stephan Winkelmann. Nada mau para um ano de pandemia, não?
Já que estamos falando de supercarros italianos, fui checar os números de outro xodó dos amantes da combinação de carro com luxo, a Ferrari. Nos três primeiros trimestres de 2020, com a paralisação de sete semanas na fábrica italiana, as vendas caíram 10% — mas o último trimestre bateu os recordes de vendas e de receita da empresa, que também afirmou que tem pedidos em nível recorde para 2021.
Um raro ponto fora da curva nesse segmento foi marcado pela Rolls-Royce. As vendas da marca caíram mais de 26% em 2020, mas comparado com um ano recorde, o de 2019. Segundo analistas isso se deve muito mais ao timing de lançamento de novos modelos, descasado do ano-calendário, do que a demanda em alta. Bom, vamos ver daqui a alguns meses.
Algo que me chamou a atenção é que segundo os executivos de concessionárias de veículos muitos dos novos compradores são jovens. “Uma das coisas mais notáveis ??sobre o aumento nas vendas”, disse Tyson Jominy, vice-presidente de Análise de Dados da J.D. Power, é o perfil dos compradores que impulsionaram a onda. “O rico funcionário de tecnologia da geração Y que trabalha em Austin é agora o arquétipo”, disse ele. Ou seja, há ainda muitos jovens que não estão dispostos a trocar seus carros por bicicletas — especialmente os que compram carrões. E, só para lembrar, estou aqui falando apenas de modelos que custam, pelo menos, o equivalente a R$ 2 milhões – lá fora, é claro. Haja tédio!
Mudando de assunto: mais um para minha coleção de piadas infames e carros, duas coisas de adoro. Como sempre, do Feicibúqui.
NG