O argentino Alejandro de Tomaso nasceu em Buenos Aires e foi um visionário. Seu objetivo de fabricar carros esportivos o levou até a Itália. Mais precisamente à cidade de Modena. Por lá ele fundou sua companhia no final da década de 50. O sonho começava a tomar forma.
Como símbolo de força escolheu um logotipo que mesclava duas paixões. De um lado a ferramenta usada para domesticar os cavalos em sua estância sul-americana. Do outro, as cores — duas listras azuis e uma branca — remetem ao orgulho de ser argentino e que ficaria imortalizado no mundo todo.
Nesse período ele começou fabricando carros de corrida para a Fórmula Junior. O primeiro protótipo utilizava uma combinação de marcas: motor Fiat, câmbio Volkswagen e chassi Cooper. Mas com sérios problemas nos freios.
Mas isso não fez com que desistisse de sentir o coração batendo mais forte nas pistas. Até 1967 ele desenvolveu quase uma dezena de bólidos, disputando corridas na Europa e nos Estados Unidos, em diferentes categorias, como Fórmula 2 e Fórmula 3.
Um dos modelos mais carismáticos — e raros — lançados nessa época foi o Vallelunga, um pequeno e divertido roadster. Ele era equipado com o motor de quatro cilindros e, devido ao baixo peso e localização central, obteve bom desempenho e se tornou o primeiro ícone da marca.
Fotos: Peter Singhof
Em paralelo com sua veia competitiva, outro modelo de rua surgiu neste período. O Mangusta foi o primeiro supercarro da pequena fábrica. Equipado com o motor 289 V-8 (4,7 litros) entregava 306 cv, com uma velocidade máxima próxima dos 250 km/h. O trem de força se completava com um câmbio manual de cinco marchas. O design futurista teve a assinatura do brilhante Giorgetto Giugiaro.
O nome, que a princípio pode causar estranheza, foi escolhido minuciosamente. O Mangusta é um pequeno animal carnívoro, com mais de quarenta subespécies, e pode ser encontrado na Ásia, África e Europa. Apesar do tamanho, é um exímio matador de serpentes. Por esse motivo, diz a lenda, caiu como uma luva para batizar o esportivo italiano, em uma clara provocação a Carroll Shelby e seu Cobra.
Na década seguinte o argentino arregaçou as mangas e partiu rumo à sua maior ambição: a Fórmula 1. A equipe foi montada com cuidado e os profissionais mais qualificados foram chamados. O motor escolhido foi o Ford-Cosworth V-8, de 430 cv e 3 litros. O monoposto fez sua estreia na África do Sul, no dia 7 de março de 1970, sofrendo uma quebra de suspensão durante a prova.
Naquela temporada o melhor resultado da escuderia seria uma quarta colocação no grid de largada, algo muito aquém do esperado. Mas o pior estava por vir. No dia 21 de junho, no circuito holandês de Zandvoort, o piloto inglês Piers Courage saiu da pista, bateu e faleceu em meio às chamas que tomaram conta do carro. Alejandro ficou chocado e, após o fim da temporada, desistiu das competições. Uma página da história foi virada.
A título de curiosidade, atualmente apenas um dos carros da equipe — chassis número 505-381 — está inteiro. Ele sofreu um acidente em 1970. Após 34 anos foi adquirido por um colecionador suíço que restaurou o bólido por completo. Sua última — e prestigiada — aparição foi na edição 2008 do Festival de Velocidade de Goodwood.
Os anos foram passando e suas exóticas criações se tornaram objetos de desejo de milhares de pessoas no mundo todo. O carisma dos automóveis — além, é claro, de suas linhas sedutoras — conquistou europeus e americanos. E posso garantir que ficar ao lado de um deles já provoca palpitação.
Por aqui existem apenas seis unidades do Pantera, o modelo mais conhecido e também com aspecto único de agressividade latente. O “felino” não faz questão nenhuma de ser discreto e passa pela rua atraindo olhares e eventuais torcidas de pescoço.
O Longchamp
Mas nessa matéria vou contar a história de outro carro da empresa: o Longchamp. Nunca ouviu falar dele por aqui? O motivo é bem simples. Só existem dois exemplares do modelo no país. Isso mesmo. O charmoso italiano é uma raridade difícil de ser vista em encontros e muito menos andando pela rua.
A trajetória desse mito começou nos anos 70. Ele foi apresentado oficialmente à imprensa e ao público no Salão de Turim. A silhueta esportiva e ao mesmo tempo conservadora foi fruto do trabalho do estúdio Ghia, através de uma equipe chefiada por Tom Tjaarda.
Anos mais tarde, uma opção mais apimentada deu as caras no mesmo evento: a GTS. Esta, por sua vez, trazia como diferenciadores rodas, pneus, apêndices aerodinâmicos e alguns ajustes de suspensão. Vale lembrar que uma versão conversível chegou a ser produzida a partir do início de 1980.
O nome Longchamp se refere a um famoso hipódromo francês, nos arredores de Paris. A pista, inaugurada em abril de 1857, rapidamente se tornou o epicentro da sociedade, inclusive inspirando pintores da época que, por sua vez, produziram telas com o tema equino.
A primeira coisa que se nota é o seu estilo “quadradão”. O Longchamp 1975, como é um europeu com motor americano, consegue mesclar com perfeição o melhor desses dois mundos e mercados distintos. Uma curiosidade merece observação: as lanternas traseiras são exatamente as mesmas do Pantera.
O interior é tão primoroso quanto a parte externa. O motorista se sente muito bem acomodado, com toda a informação necessária a seu dispor no vistoso painel. Os bancos passam uma ideia de conforto excepcional.
Falando do painel são sete instrumentos, entre eles pressão do óleo, amperímetro, temperatura, relógio e marcador de combustível. O velocímetro é convidativo, afinal marca até os 300 km/h. A linguagem dos mostradores é bilíngue e dá o toque de refinamento que só os carros italianos podem ter. O rádio, por sua vez, é um histórico Becker. Nostalgia. Onde estão minhas calças boca-de-sino?
Logo após a partida, o motor V-8 ronrona de um jeito todo especial. O modelo é equipado com um motor 351 V-8, com 5.763 cm³ de cilindrada e 330 cv brutos de força. Toda essa potência é suficiente para levá-lo próximo da velocidade máxima de 240 km/h. Mas nada de pressa. Percebi que o clássico também gosta de uma tocada mais tranquila, para sentir todo o torque do motor.
A maior parte dos exemplares está equipada com o câmbio automática cruise-o-matic. Vale ressaltar que apenas dezessete unidades saíram da fábrica com o câmbio manual ZF de cinco marchas. Esportivo sim, mas com classe de sobra.
As rodas, que têm um desenho harmonioso, são da tradicional Campagnolo. O logotipo da De Tomaso, por sua vez, aparece no centro. Além disso ele tem dois tanques de combustível. Desse modo, existem bocais de ambos os lados da carroceria. Os dois tanques não são interligados e cada um tem capacidade para aproximadamente 11 galões, o que equivale a pouco mais de 40 litros.
Quero ressaltar também que Alejandro De Tomaso foi um dos mais bem-sucedidos empresários de seu tempo. Sob seu comando, a empresa cresceu, se tornou símbolo de esportividade e arrojo. Além disso, enquanto fabricantes tradicionais — leia-se Ferrari e Lamborghini — não conseguiram se manter por conta própria, a fábrica de Modena seguiu firme por décadas a fio.
Para o leitor ter uma ideia da dimensão de seus negócios, ele adquiriu ou teve o controle acionário de várias empresas durante os anos 1960 e 1970. Benelli, Moto Guzzi, o estúdio Ghia e a Maserati são quatro exemplos de seu sucesso.
Eu não poderia encerrar o texto sem mencionar que a produção total do Longchamp foi inferior a quinhentas unidades (409 para ser mais exato). Realmente uma raridade. Isso por si só, somado ao estilo clássico italiano, lhe confere um lugar na galeria das grandes máquinas automobilísticas.
GDB