O relacionamento indústria-consumidor, como qualquer outro, pode apresentar conflitos. Veja alguns exemplos:
1) Quem tirou? – Para reduzir custo e posicionamento de preço no mercado, a fábrica retira um equipamento ou acessório ao lançar um novo ano-modelo ou versão. Desde itens baratos como um espelho retrovisor ou tampa do porta-luvas, até aqueles importantes. A Ford, por exemplo, eliminou a barra antirrolagem da ótima suspensão traseira independente do Focus. Nenhum problema de segurança com a mudança, mas para compensar a ausência da barra as molas foram trocadas por mais fortes, prejudicando o conforto de marcha. Recentemente a Toyota do Brasil lançou o Corolla Cross, derivado do sedã homônimo, mas no lugar da suspensão traseira multibraço deste empregou a suspensão por eixo de torção, que apesar de tão segura quanto a multibraço, subtraiu parte do conforto ao rodar.
2) Consumo – As fábricas sabem que consumo de combustível está entre as maiores preocupações do consumidor. O procedimento a respeito é informar os dados de consumo oficiais, aqueles de homologação do modelo junto aos órgãos competentes, embora esses dados não correspondam ao que se verifica no mundo real. Mas o fato é que existia discrepância e o consumidor se voltava, com razão, contra a fabricante. O problema era tão evidente que chegou um momento em que as fábricas simplesmente deixaram de informar consumo, pois se o consumidor entrasse com ação na justiça contra o fabricante invariavelmente ganhava. Só que esse problema não era só aqui. A solução foi mudar os padrões de determinação do consumo, o que ocorreu no Brasil e nos EUA há alguns anos. Hoje, tanto aqui como lá, o consumo oficial em grande parte das vezes chega maior do que o real, e essa reclamação, antes constante, é rara.
3) “Tem, mas está em falta” – No portfólio de produtos, uma versão mais simples, vista no site da fábrica, atrai o consumidor. Mas só no site da fábrica, pois ao encomendar online ou na própria concessionária a verdade aparece: “Infelizmente por este preço ainda não tem e nem há previsão de quando será produzido….” ou então “Vai demorar seis meses”. Isso não é procedimento da fábrica, mas do concessionário que reluta, por burrice e/ou preguiça. encomendar o modelo procurado, combinado com o hábito do mercado brasileiro de se recusar a esperar, ao contrário do europeu, por exemplo.
4) Na “moita” – A nova linha já pode estar pronta para entrar na linha de montagem, mas a fábrica esconde até o último segundo que a versão em estoque em seus pátios e nas concessionárias tem seus dias contados. Bobagem, toda fabricante tem um cronograma de lançamento que independe do estoque. Normalmente a fábrica reduz a cadência de produção do modelo ou versão que pretende descontinuar.
5) Fim de linha – A produção do modelo está para ser descontinuada, mas a fábrica fica muda e até cria subterfúgios para despistar. Puro mito.
6) Cavalos “virtuais” – A empresa declara determinada potência ou torque do motor, que só aparecem em situações especiais. Com o uso de gasolina premium, por exemplo, que sequer existe em todos os postos, além de ser bem mais cara. Sem ela, nada dos cavalos anunciados. Isso de fato aconteceu com o Gol GTI 1,8 turbo de 2008, uma atitude condenável. Houve um caso pior, declarar potência do Gol 1,0 2002 a álcool como sendo de 61 cv, só que era potência bruta, não a potência líquida usada pela indústria. Felizmente casos de informação falsa de potência não se repetiram na Volkswagen. Outro caso foi com o Hyundai Veloster 1,6, anunciado aqui com 140 cv, versão que existia em outros mercados, como o chileno. O importado para o Brasil, sem injeção direta, tinha apenas 128 cv. Erro gravíssimo, mas é difícil saber se foi trapalhada ou dolo do importador Caoa, pois um olhar atento ao motor veria escrito na capa plástica MPFI e não GDI. Acredito mais em trapalhada.
7) “Ecológico” de araque – É Fácil enganar o consumidor apelando para o politicamente correto. O revestimento dos bancos pode ser “ecológico”, insinuando que fábrica e consumidor estão defendendo o meio ambiente. E aí coloca um banco de couro sintético em vez do natural. Prática que existiu de fato, mas é passado. Hoje a informação do revestimento dos bancos é correta.
8) Borracha complicada – Pneu importado num carro de produção nacional pode ser um sério problema na hora da reposição. Isso tem sido relativamente comum, seja por questão de menor preço no exterior, seja por questão de suprimento insuficiente aqui, embora tal procedimento nada tenha de ilícito. Só que se o pneu — marca, tipo e medida — não é comercializado nas lojas de pneus, a fábrica se incumbe — ou deveria se incumbir — de ela mesmo importá-lo e distribui-lo para as suas concessionárias, só que isso geralmente resulta em preços bem acima do mercado, em prejuízo do consumidor. Por isso o comprador de carro 0-km deve avaliar muito bem essa questão antes de comprar ou mesmo retirar o carro novo da concessionária, para evitar surpresas. Por esse motivo, mesmo que o procedimento de usar pneus importados na produção nacional seja lícito, ele deveria ser abandonado ou então a fabricante pesquisar com cuidado o mercado para assegurar que esses pneus sejam comercializados normalmente aqui. Caso típico de pneus asiáticos, alguns até de qualidade, mas sem lojas que os comercializem no nosso mercado. Outra atitude contra o consumidor é colocar como estepe pneu de outra marca mesmo que não seja temporário por falta de estoque na fábrica do similar aos outros quatro em medida e evitar, assim, o prejuízo do carro parado no pátio. Colocar esse estepe para rodar, mesmo sem restrição de velocidade, vai de encontro ao que a própria fábrica recomenda, não usar pneus de marcas diferentes num mesmo eixo.
BF
A coluna ” Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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