Uma distorção inédita no mundo está chegando ao fim: o Brasil é o único país em que o dono de um Hyundai tem que reparar na cor do portal da concessionária para saber se ela vende ou repara o seu modelo.
Este imbróglio surgiu devido à extraordinária visão empresarial e tino para negócios de um médico-cirurgião de Campina Grande, PB, que largou a profissão para entrar no ramo dos automóveis.
O Dr. Carlos Alberto de Oliveira Andrade (foto), cujas iniciais são justamente CAOA, começou comprando a concessionária Ford de sua cidade e montou depois a maior rede de revendas da marca no Brasil, uma das maiores do mundo.
Além disso, tornou-se importador Renault até ela construir fábrica no Brasil em São José dos Pinhais, na Grande Curitiba, PR) e assumir seus negócios no país.
Mas os franceses penaram com o Dr. Carlos Alberto, que tinha montado uma completa infraestrutura com rede de concessionárias, treinamento de técnicos, estoque de peças, campanha publicitária e toda a complexa logística necessária para as operações da marca. Ele pediu centenas de milhões de dólares para transferir tudo isso para a Renault. Uma transação tumultuada, com direito até a incursões pela Justiça.
Da França, o “doutor Caoa” (como era chamado) pulou para a Coreia do Sul e em 1999 negociou com a Hyundai a importação dos produtos da marca.. Poucos anos depois obteve também a franquia para produzir modelos e em 2007 iniciou a produção do caminhãozinho HR 20 na fábrica que construiu em Anápolis, GO. Mais tarde, o suve Tucson e outros modelos.
A história dos franceses se repetiu com os coreanos, que também demonstraram interesse em assumir a operação estruturada pelo Dr. Carlos Alberto, pois iriam construir fábrica em Piracicaba, SP.
Desta vez, o “douto Caoa” comandava um negócio muitas vezes maior, incluindo a fábrica em Anápolis. Ele subiu a régua e pediu valor não divulgado, mas estimado em um bilhão de dólares, certo de que a proposta seria longamente discutida mas, ao final, cada parte cederia um quinhão para que a dona da marca assumisse a operação no Brasil.
Às voltas com uma difícil negociação, os coreanos tomaram uma decisão inédita e que ninguém, nem mesmo o Dr., Carlos Alberto, poderia supor, de tão inusitada: a Hyundai decidiu construir a fábrica e montar sua própria rede de concessionárias. Ou seja, ela nomearia as que viriam a distribuir seus modelos produzidos em Piracicaba e as revendas CAOA continuariam com os importados e os produzidos em Anápolis.
Duas operações distintas apesar da marca em comum e que teriam as concessionárias diferenciadas pela cor das placas na fachada: as azuis representariam a Hyundai (HMB, Hyundai Motors Brasil), enquanto as de tonalidade cinza eram a rede Caoa.
Quer comprar um Tiggo? Só na CAOA. Quer levar um Creta? Só na rede HMB. E o mesmo quanto à manutenção dos carros.
Curiosamente, o próprio “doutor” teve que se candidatar para distribuir os modelos de Piracicaba e montar outra rede para ser franqueado pela HMB, em 2012.
Inquieto e visionário, ele pulou da Coreia para a China e acrescentou a Chery ao seu portfólio. Manteve a rede de concessionárias Ford, a operação Hyundai e, como capricho, a importação do japonês Subaru.
Estabeleceu uma parceria com a chinesa que tinha montado uma desajeitada operação no Brasil, com fábrica em Jacareí (tumultuada região da Grande São Paulo em termos sindicais), modelos incompatíveis com nosso mercado, uma titubeante rede de concessionárias, assistência técnica que deixava a desejar e uma modesta ação de marketing.
Foi criada então, em 2017, a marca CAOA Chery. Com o know-how, talento e capacidade financeira do “doutor” dedicadas à marca chinesa, ela cresceu tanto que já foi incluída na lista das dez maiores do Brasil. No ano seguinte (2018), levou a fabricação do Caoa Chery Tiggo 5 para Anápolis. Acabou fechando a fábrica de Jacareí, transferindo toda sua produção para Goiás, dividindo a linha de montagem dos chineses com os coreanos.
O “doutor” contratou uma excelente equipe técnica de engenheiros, entre os melhores do Brasil, para ajustar os modelos da China às condições brasileiras. Além disso, reuniu um grupo exemplar de profissionais para as áreas comercial e de marketing.
Recentemente, algumas regras restritivas entre as duas redes Hyundai foram se abrandando, concessionárias CAOA já prestam assistência técnica aos modelos da HMB e vice-versa.
O filho do Dr. Carlos Alberto assumiu a empresa quando ele faleceu no ano passado e novas negociações estão hoje em andamento. O interesse do grupo CAOA é se dedicar de corpo e alma à marca chinesa e expandi-la.
O próximo passo será a fusão das duas redes, colocando um ponto final ao imbróglio único no mundo e que perdura há dez anos.
Daqui para frente, tudo azul para Hyundai e Caoa…
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor
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