A vida é pontilhada de decisões. Das mais fáceis, como no título, às mais difíceis. A escolha nem sempre é a mais acertada, faz parte do jogo. Caso típico é um piloto de competição decidir mudar de equipe e/ou de carro para conseguir melhores resultados. Em última análise, vencer. Ou continuar a vencer, caso do heptacampeão mundial Lewis Hamilton. na temporada de Fórmula 1 do ano que vem pilotará um Ferrari. Pois me vi diante de precisar decidir muitos anos atrás, exatos 50.
Em 1970, depois de longo hiato, as corridas de longa duração voltaram, como a 24 Horas de Interlagos. após a primeira grande reforma do autódromo inaugurado em 1940. corrida da qual participei com um Opala 4100 4-portas a convite da Mesbla, concessionária Chevrolet no Rio de Janeiro, em dupla com o piloto carioca Aurelino Machado. Tivemos o contratempo da quebra do subchassi, perdendo muito tempo no box para sua substituição e terminamos num melancólico 22º lugar.
Clique nas fotos com o botão esquerdo do mouse para ampliá-las e ler as legendas
Lançado em 1968, o Opala, em especial o 6-cilindros, era o carro da vez em desempenho e isso levou um grupo de 15 pilotos cariocas, capitaneados pelo Aurelino Machado, a criar em 1972 uma categoria de Opala cupê 6-cilindros básico de 4 marchas uma categoria com ares de stock car. americano. Foi a semente da categoria Opala Stock Car criada em 1979. com apoio da General Motors brasileira,
Um desses 15 pilotos era um grande amigo, José Carlos Ramos, de boa situação financeira e desejoso de correr de automóvel. como amador. Fui seu coach, treinador, e ele aprendeu rápido — não era neófito, já tinha carros importados rápidos como Porsche 911. Foram três ou quatro corridas em 1972, mas no ano seguinte não prosseguiu e o Opala que ela havia comprado ficou sem uso. Em julho de 1973, a grande notícia de que haveria um corrida de 25 horas em Interlagos em agosto e o José Carlos se animou com a perspectiva de correr numa prova longa e importante, mesmo cônscio de sua pouca experiência — que não era tão pouca e eu lhe disse ser mais do que suficiente para uma corrida de longa duração. Sugeri e ele concordou que formaríamos um trio e convidamos Jan Balder (foto de abertura).
A corrida teve dois líderes durante as 25 horas, nós e o Maverick GT 302 V-8 pilotado por Bird Clemente, seu irmão Nilson e o competente gaúcho Clóvis de Moraes. Era a estreia do Maverick em corridas e representava a Ford sob a batuta do experiente Luiz Antônio Greco que a Ford “herdou” com a aquisição da Willys-Overland do Brasil em 1967, onde Greco era o chefe de competições e comandante da famosa e vitoriosa Equipe Willys.
Foi uma disputa acirrada entre o Opala e o Maverick, volta a volta. Falando uma hora e meia para o final tivemos um pneu dechapado e durante a troca no box o Maverick assumiu a liderança. Parti para uma perseguição feroz do Maverick tirando 4 a 5 segundos por volta, mas a corrida acabou e chegamos 47 segundos atrás do Maverick vencedor. Nosso ritmo foi de tal ordem que o terceiro colocado chegou sete voltas atrás, (pista antiga de 8 km) um Maverick igual pilotado por Chico Landi, seu filho Luiz e o ribeirão-pretense Antônio Castro Prado.
Nas quatro provas restantes do ano o Maverick dominou e em 1974 o Opala contava com novo motor, o 250-S (153 cv, 118 cv antes), mas uma contenda interna na CBA resultou em proibição da nova versão correr na primeira prova de 1974, a Mil Quilômetros de Brasília. do que soubemos ao chegarmos ao autódromo. Foi preciso dar um “chapéu” no presidente da Federação local trocando o carburador duplo pelo de corpo único, pois fora o carburador os motores 250 normal e 250-S eram idênticos. Só que a potência desabou, logicamente.
Eram dois carros novos, o do José Carlos e eu e o do Jan Balder/Fausto Dabbur, que não terminou por queima da junta do cabeçote. O nosso terminou, mas o José Carlos deu uma escapada corriqueira na curva 1 e, inacreditável, o Opala atolou no acostamento de grama na saída da curva, demorando muito para ser tirado daquela situação pela equipe de pista. Chegamos em 13º. Os Mavericks eram ultrapassados com total facilidade.
Na prova seguinte, a II 25 Horas de Interlagos os Opalas 250-S correram sob mandado de segurança e venceram com facilidade, com Wilson Fittipaldi Jr,/Ingo Hoffmann/Reinaldo Campello os primeiros. O José Carlos não correu e o Jan Balder formou dupla comigo. Com três horas de prova estávamos bem mais o nosso 250-S queimou a junta do cabeçote. e abandonamos.
A Ford homologou a versão Quadrijet em seguida e o V-8 chegou a 180 cv (ante 135 cv), prevendo-se para os dois carros o mesmo desempenho, levando em conta o fato de o Opala ser mais leve. e um pouco melhor de curva. O próximo embate seria em julho, Goiânia, uma prova de 12 horas que seria a inauguração do autódromo.
A escolha
Em junho toca o telefone em casa, no Rio, atendo e o interlocutor tinha a voz que eu conhecia fazia tempo: Greco. No ato tive certeza do por quê da ligação: convite para me juntar a ele na equipe oficial Ford; Nos 12 anos correndo em várias categorias eu nunca tinha vencido uma corrida na classificação geral e vi que correr para o Greco era o caminho para isso. Além da questão desempenho, a equipe do Greco era muito bem estruturada. Pensei nesses fatores enquanto conversávamos. E tomei a decisão, aceitei o convite. Estrearia o Maverick Quadrijet, nome do tipo de carburador Holley de quatro corpos.
A dupla seria eu e o piloto santista Marivaldo Fernandes, que já conhecia há tempo. Como nossa diferença de estatura era grande, os mecânicos colocaram dois batentes nos trilhos do banco: quem se sentasse o levava todo à frente (Marivaldo) ou todo para trás (eu).
Na primeira vez que entrei na pista, duas surpresas. Uma, agradável, sentir o empurrão nas costas pelo V-8 de 4.942 cm³ e do ruído de V-8 típico. Outra, desagradável, o carro na freava, Pedal alto, pressionava-o e nada de resposta. Como eu não tinha referência do Maverick, pedi autorização ao Greco para ir com o carro à avenida do autódromo para avaliar melhor a insuficiência de freio. O Greco resmungou, alegou que os outros pilotos nunca haviam reclamado do freio, mas me autorizou. Não freava mesmo.
Com as concordância dele., eu e meu irmão — era meu cronometrista antes e também “se mudou” — procuramos a causa e logo achamos: as pinças eram deslizantes e as superfícies de deslizamento estavam engripadas, por isso o freio dianteiro não atuava como devia. Pinças novas, cavalete lixado e tudo montado com pasta G Molykote, o freio voltou a fazer jus ao nome. E nessa investigação toda vi que o freio traseiro estava com válvula de corte, item não original e portanto proibido. Pede para tirarem porque eu não queria ser eventualmente desclassificado.
O Paulo “Paulão’ Gomes, do outro Maverick em dupla com o Antônio Castro Prado, ao nos ver mexendo no freio, disse para o Greco “também quero!”. Mas o fato é que o clima na equipe era o melhor possível, senti-me à vontade nela.
Corrida
Na corrida, iniciada à zero hora de domingo, o pole Paulão manteve a dianteira, seguido de outro Maverick que não lembro de quem, que estava ao seu lado na primeira fila, Eu havia feito o terceiro tempo mas ainda na primeira volta pulei para segundo. Os dois carros do Greco dispararam na liderança e eu adorando a minha mudança..
Com uma hora de corrida vi o outro carro ir para o box. Estou liderando!, exultei. Ainda estava em terceira, acelerando para a reta e ao apertei o pedal de embreagem para mudar para quarta, “plec”, e o pedal ficou morto. Dei a volta inteira trocando marchas no tempo e quando o Greco me viu entrar no box, ficou desesperado. “O que houve?” “Embreagem, levante o carro!”. Um mecânico viu, por baixo, que não era cabo o problema, só podia ser interno. “Baixa o carro!, berrei. Carro no chão, partida com a primeira engatada e voltei para a pista. Seriam quase 11 horas eu e o Marivaldo trocando marcha “no tempo”
O carro do Paulão/Castro Prado demorou um pouco a sair por precisar trocar a bomba de combustível, mas logo me alcançou.. Assim ficamos a corrida inteira, ora eu e Marivaldo liderávamos, ora o Paulão/Castro Prado. Faltando duas voltas éramos líderes e o box exibiu duas placas com os números 21 e 22, 21 em cima e 22 embaixo, ordem do Greco para o Paulão/Castro Prado não nos ultrapassarem. Eu vencia na classificação geral pela primeira vez.
Os pilotos do Maverick 22 não gostaram nada, é natural, mas o Greco, macaco velho, “acertaria” o mal-estar na corrida seguinte,, a Seis Horas de Tarumã, dois meses depois. Larguei e fiquei frente do outro Maverick e na primeira parada para reabastecimento o “macaco velho” mandou abrir o capô e sem a menor pressa verificou o nível do óleo do motor pela vareta — tira, limpa, põe, tira de novo… A derrota do Paulão/Castro Prado em Goiânia estava acertada…
Foram os meus melhores anos de corrida, três anos recheados de vitórias e muita, muita alegria.
BS