Impossível deixar de associar a mais recente contratação da equipe Alpine ao “crashgate”, episódio que levou Nelsinho Piquet a bater propositalmente seu Renault R28 para facilitar a vitória de Fernando Alonso no GP de Singapura de 2008. Naquela corrida o diretor da equipe, o italiano Flavio Briatore (foto de abertura) ordenou ao brasileiro jogar seu carro contra o muro e, com isso, forçar a entrada do Safety Car de modo a colocar o piloto espanhol no caminho à vitória da prova. Anos mais tarde a manobra ilícita, para usar apenas um adjetivo, veio à tona, o brasileiro faturou uma boa quantia ao processar a Renault (sua equipe naquela ocasião) e o dirigente italiano foi banido da F-1. Cerca de 15 anos mais tarde, a marca francesa recontrata o dirigente italiano e escancara a falta de renovação de valores em aspectos importantes da categoria tida como a mais importante do automobilismo mundial.
A volta de Briatore acontece em um momento crítico para a equipe Alpine, nome adotado pela Renault para promover sua marca de automóveis esportivos. O time francês não conseguiu montar uma equipe coesa após a boa temporada de 2022, quando ficou em quarto lugar no Campeonato de Construtores, atrás da Red Bull, Ferrari e Mercedes. Desde então perderam os pilotos Fernando Alonso e Oscar Piastri, seus dirigentes e principais técnicos foram pouco a pouco defenestrados e o carro deste ano nasceu muito acima do peso. Não bastasse isso, o motor RE 24, não produz potência equivalente aos Ferrari, Honda e Mercedes das equipes rivais, o que prejudica sobremaneira o desempenho do conjunto. Esteban Ocon, que será dispensado da equipe ao final do ano, já admitiu que os dois carros usados por ele e Pierre Gasly não têm o mesmo peso, e para compensar essa diferença os chassis são usados em revezamento pelos dois pilotos.
Aspecto pouco lembrado nessa trajetória pós 2022 é a crescente participação de investidores externos em várias equipes, inclusive na Alpine. No GP de Miami do ano passado a Écurie anunciou que os fundos estadunidenses Otro Capital, RedBird Capital compraram 24% de suas ações pela módica quantia de € 200 milhões, cerca de R$ 1,2 bilhão. Situações como esse tipo de “gesto de confiança” têm o poder de equilibrar ou melhorar balanços a curto prazo e cobrar isso com juros extorsivos a médio prazo. Isso ajuda a explicar a debandada de nomes como Otmar Szafnauer, cujo cronograma de trabalho não foi aceito e levou à sua demissão.
O retorno de Flavio Briatore nesse contexto acontece após meses de negociação com Luca De Meo, o presidente do Grupo Renault. Oficialmente, o italiano, que anos atrás declarou solenemente que não retornaria à categoria, desembarca como conselheiro executivo, posição que muitos entendem como semelhante ao que Helmut Marko faz na Red Bull e Niki Lauda fazia na Mercedes. O mesmo cargo também já foi ocupado na própria Renault/Alpine por Alain Prost, piloto que nunca primou pela habilidade política quando fora do cockpit.
Certamente uma coincidência, após o anúncio da contratação do italiano, Pierre Gasly e Esteban Ocon terminaram respectivamente em nono e décimo lugares, repetindo o resultado obtido no GP do Canadá. Briatore conhece muito bem a estrutura de Enstone, fábrica que foi construída sob sua gestão como diretor da equipe Renault nos anos 1990, e da estrutura de Viry-Chatillon, onde nascem e são desenvolvidos os motores de alta desempenho da Renault. Sua maior habilidade, no entanto, é saber motivar seus colaboradores e agitar o ambiente de seus adversários.
Prova disso é que sua primeira declaração de peso foi anunciar que Carlos Sainz não deve assinar com outra equipe antes de conversar com ele. Consta que no fim de semana a Williams estava preparada para anunciar a contratação do espanhol, fato que obviamente não aconteceu. Mal chegou e Briatore já alterou os planos de seus velhos novos adversários.
O resultado completo do GP da Espanha, que teve Max Verstappen como vencedor, seguido por Lando Norris e Lewis Hamilton, você encontra clicando aqui.
WG
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