Moco, como era carinhosamente conhecido no meio automobilístico José Carlos Pace, foi um piloto que iniciou sua carreira nas competições no início dos anos 60, sendo um dos integrantes da famosa Equipe Willys de Competição, comandada pela lenda do automobilismo Luiz Antônio Greco. Depois de fazer muito sucesso em nossas pistas no decorrer da década de 1960, Pace já era cotado para a Fórmula 1 em 1972, quando Emerson Fittipaldi ganhou seu primeiro campeonato. Enquanto isso, “Moco” estreava na F-1 com um carro March da Equipe Williams.
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Tendo participado praticamente como coadjuvante até 1974, em pequenas equipes, em 1975 o então já experiente José Carlos Pace foi guiar um Brabham, e terminou vencendo o GP do Brasil de F-1 daquele ano, uma vitória que repercutiu por todo o mundo. Dois anos depois, quando o Brabham trocou seus motores Ford-Cosworth pelos Alfa Romeo, “Moco” já despontava na imprensa mundial como um dos favoritos ao título de próximo grande campeão.
Só que 1977 reservava um destino diferente para Pace: um acidente aéreo na Serra da Cantareira, na região metropolitana de São Paulo vitimou o grande piloto, ainda jovem, de apenas 32 anos. Ele e o também piloto de competição Marivaldo Fernandes, de 44 anos. Eles estavam na fazenda de Emerson Fittipaldi em Araraquara, com as esposas e filhos, e na sexta-feira 18 de março daquele ano resolveram vir a São Paulo resolver alguns assuntos e voltar no fim da tarde. Vieram no avião monomotor de Marivaldo, um Embraer 721 “Sertanejo”, produzido sob licença da Piper Aircraft — a versão americana é o Cherokee Six, de sete lugares.
A chegarem ao Aeroporto Campo de Marte para o voo de volta, tomaram conhecimento das péssimas condições meteorológicas, o que requer habilitação para voo por instrumentos., Marivaldo era habilitado, mas por segurança contratou ali mesmo um piloto experiente, Carlos Roberto de Oliveira. Não se sabe o que aconteceu ao entrarem numa camada baixa, na Serra da Cantareira para o avião bater na densa vegetação da área e cair. Não houve incêndio e os três pereceram na hora.
Moco deixou esposa e um casal de filhos pequenos, tendo como lugar de descanso (quase) eterno o Cemitério do Araçá, na capital paulista (Marivaldo deixou esposa e três filhas adolescentes). Pace foi enterrado envolto numa bandeira brasileira, como merecido para um esportista que representava o país por todo o mundo. Mas nem tudo foi tão em paz e sereno assim: recentemente, o jornalista Ricardo Caruso recebeu informações de que seu túmulo no Araçá tinha sido vandalizado, vilipendiado e todas as placas de identificação furtadas, uma tragédia quase tão grande quanto a do acidente que o vitimou. Dali em diante, “Carusão” (como Ricardo é carinhosamente conhecido pelos amigos) começou um movimento de salvação do local de descanso de Pace.
O primeiro passo foi informar a família, e logo em seguida entrou na história Paulo Roberto Saraiva Figueiredo, conhecido pela maioria como Paulo “Loco”, diretor da área de eventos com carros antigos da CBA (Confederação Brasileira do Automobilismo). Trabalhando juntos, Caruso e Paulo Roberto, tomaram providências para que fossem exumados os restos mortais de “Moco” do túmulo depredado, pertencente à família de sua viúva.
E não havia melhor lugar para o novo enterro de “Moco” que o Autódromo de Interlagos, que oficialmente se chama…/autódromo Municipal José Carlos Pace, uma tremenda homenagem a um dos automobilistas mais memoráveis da nossa história. Esse movimento para fazer justiça ao descanso eterno do piloto, vencedor até mesmo de um GP de F-1 lá em Interlagos, foi trabalhado intensamente, inclusive pela família Pace. Caruso acompanhou a exumação no Araçá e cuidou da parte burocrática do processo (documentações, pedidos, autorizações, traslado, urna e por aí vai), e Paulo “Loco” cuidou das políticas, já que o espaço do Autódromo é da Prefeitura de São Paulo.
Atrás do busto de Pace, que já existia próximo da entrada dos boxes, foi criado um espaço para o novo enterro da urna com seus restos mortais. Uma cerimônia para a ocasião ocorreu no dia 23 de agosto de 2024, dando encerramento à um drama que já se arrastava por anos, quando o túmulo do Araçá foi depredado. Finalmente, a partir dali, “Moco” novamente se instalou no local que tanto amava, e que até leva seu nome: o Autódromo José Carlos Pace, em Interlagos.
A cerimônia do final de agosto reuniu pilotos da velha guarda e amigos de Pace (Paulo Gomes, Chico Lameirão, Alex Dias Ribeiro, entre outros), além da sua família (a viúva Elda D’Andrea Pace, a filha Patrícia e o filho Rodrigo) e de fãs do piloto, integrantes da CBA, jornalistas e outros. Quase todo o evento teve ao fundo a trilha sonora dos carros da Porsche Cup, que treinavam para a próxima corrida, o que pode até soar como ironia, já que Pace pilotou na segunda metade dos anos 60 um VW Karmann-Ghia equipado com motor Porsche. E, mais: o próprio Karmann-Ghia com motor Porsche estava lá, em perfeito funcionamento.
Antes disso, além das palavras de conforto de um religioso, e do discurso de Alex Dias Ribeiro e Rita Fittipaldi (viúva de Wilsinho Fittipaldi), a cerimônia contou com um cortejo especial, onde o Karmann-Ghia, dirigido pelo filho de Pace, que vestia macacão e capacete do pai, foi seguido por uma série de carros dos participantes da ocasião em uma volta completa pela pista de Interlagos.
Com bastante emoção, inclusive dos pequenos netos de “Moco”, que nasceram bem depois da sua partida, a cerimônia se encerrou com o conforto dos familiares e, certamente, também de Pace. Sua filha Patrícia confidenciou ao Ricardo Caruso que seu pai “com certeza está muito feliz”. E pela primeira e única vez no mundo, um piloto de competição foi enterrado em um autódromo que leva seu nome. Missão cumprida, final feliz!
DM
A coluna “Perfume de carro” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.