Foi no dia 30 de outubro de 1953, uma sexta-feira, e envolveu algumas personalidades importantes daquela época, como o presidente Getúlio Vargas, o capitão de mar-e-guerra Lúcio Martins Meira, o então presidente da Volkswagen do Brasil Friedrich Wilhelm Schultz-Wenk e o megainvestidor Olavo Egydio de Souza Aranha Júnior, do Grupo Monteiro Aranha, que tinha 20% de participação na VW brasileira.
Na foto de abertura estão, à esquerda, o presidente Vargas e ao seu lado, Schultz-Wenk, observando interior de um VW Kombi tipo Samba Bus.
A Volkswagen se estabeleceu no Brasil em 23 de março de 1953, num pequeno galpão alugado no bairro do Ipiranga, em São Paulo. Mas o início da montagem de VW Fuscas e VW Kombis ainda demoraria um bom tempo, já que os gabaritos e dispositivos de montagem dos VW Fusca ainda se encontravam na Brasmotor, de São Bernardo do Campo, que os montou sob licença até junho de 1953, quando o contrato com a Volkswagen alemã se encerrou. Só então eles foram desmontados e levados para o Ipiranga. Depois disto ainda foi necessário montar tudo, acrescentar os dispositivos para montar Kombis que vieram da Alemanha, treinar pessoal e só então iniciar efetivamente os trabalhos.
Em 1953 a cidade do Rio de Janeiro era a capital do Brasil e o palácio do Catete era a sede da presidência da República, um local de intensa atividade política e palco de eventos históricos.
Notícias na imprensa sobre o encontro da VW com o presidente Vargas:
Publicado no Jornal do Brasil:
O texto desta matéria é o seguinte:
ASSISTIDA PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA A DEMONSTRACÇÃO DOS AUTOMOVEIS VOLKSWAGEN
O Presidente Getúlio Vargas assistiu, ontem, nos jardins do Palácio do Catete, uma demonstração dos carros Volkswagen, de procedência alemã, e que serão fabricados no Brasil tão logo estejam concluídos os entendimentos com Governo brasileiro e montadas as fábricas que se transferirão para o nosso País. O Presidente da República que se achava em companhia do general Aguinaldo Calado de Castro, chefe do seu Gabinete Militar e do comandante Lucio Meira, subchefe daquele Gabinete e presidente da Subcomissão de Fabricação de Jeeps, Tratores e Automóveis da Comissão de Desenvolvimento Industrial, palestrou demoradamente com os diretores daquela importante firma no Brasil, tendo à frente Olavo Egídio de Souza Aranha. Nesta oportunidade foi realizada uma demonstração dos automóveis Volkswagen e explicadas ao Chefe do Governo as vantagens daquelas viaturas como eficiência, comodidade, economia e simplicidade de montagem, especialmente no tipo de carro de bombeiros provido de todos os equipamentos modernos. Foi visto, também, por S. Exa., uma ambulância que a fábrica oferecerá à Legião Brasileira de Assistência. No clichê, um aspecto colhido na ocasião.
JB-SÁBADO, 31 DE OUTUBRO DE 1953
[Fim da reprodução da notícia do JB]
A foto reproduzida no clichê da notícia acima é a seguinte:

A ambulância citada no texto acima, foi doada à Legião Brasileira de Assistência que era dirigida pela esposa do presidente Vargas, da. Darcy Sarmanho Vargas.
O Jornal, do Rio de Janeiro, publicou:
O texto desta nota é o seguinte:
Carros Volkswagen fabricados no Brasil
DEMONSTRAÇÃO NO CATETE
Realizou-se ontem, no Palácio do Catete. assistida pelo presidente da República, uma demonstração dos carros Volkswagen, de procedência alemã, e cuja fabricação no Brasil terá início tão logo estejam concluídos os entendimentos para transferência da fábrica. O sr. Getúlio Vargas demorou-se em palestra com os diretores daquela firma. que explicaram ao chefe do governo todos os detalhes relacionados com os veículos.
DESMENTIDO DA WOLKSWAGEN WOLFSBURG (Baixa Saxônia), 30 (A. F. P.) A direção das fábricas “Volkswagen”, em Wolfsburg. desmentiu as informações segundo as quais as negociações para a construção de uma fábrica “Volkswagen” no Brasil teriam fracassado, O diretor das usinas declarou que as conversações prosseguiam, mas ainda não se pode prever o resultado.
O JORNAL DO RIO DE JANEIRO
31-10-53
[Fim da nota do O Jornal]
Fotos adicionais
Ainda na inspeção de um chassi rolante de VW Fusca (produzido antes de 10/1952) com detalhes cortados para mostrar o seu interior:

A próxima foto é a única que eu conhecia deste conjunto, mas numa versão cortada sem os VW Kombi que aparecem no fundo, da esquerda: uma versão picape, um de Bombeiros e o VW Kombi Ambulância que foi doado para a Legião Brasileira de Assistência. Outra coisa que foi possível foi a correção do local onde esta foto foi tirada. A voz corrente até agora era que ela tinha sido tirada no galpão da rua do Manifesto, no bairro do Ipiranga em São Paulo.
Outra curiosidade da foto foi a inclusão de um VW Fusca com teto solar de lona, que não veio a ser fabricado no Brasil.

Nesta foto o detalhe é a elegância dos técnicos da Volkswagen que estão em segundo plano, com seus macacões brancos com o logotipo VW e todos usando gravata.

Concluindo o lote de fotos, segue a foto inteira da qual foi recortada a foto de abertura, com o presidente Vargas e Schultz-Wenk inspecionando um VW Kombi tipo Samba Bus, que aliás também nunca foi fabricado no Brasil. Hoje várias oficinas convertem VW Kombi Luxo em Samba Bus acrescentando as janelinhas no teto e, às vezes, o enorme teto solar.

Resumos biográficos

Getúlio Dornelles Vargas (1882–1954) foi um dos líderes políticos mais marcantes do Brasil, governando o país em dois períodos distintos: de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954. Ele é conhecido como o “Pai dos Pobres” devido às suas políticas trabalhistas e sociais.
Durante seu último mandato (1951–1954), eleito democraticamente, marcou aua tentativa de se afastar da imagem de ditador do Estado Novo (1937-1945). Nesse período, ele focou na industrialização e no fortalecimento da economia brasileira. Entre suas realizações mais notáveis estão a criação da Petrobrás e do BNDES, além de políticas que buscavam reduzir a dependência do Brasil de produtos importados.
A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), fundada em 1941, foi fruto de negociações estratégicas entre Vargas e os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. Vargas aproveitou a posição geopolítica do Brasil para oferecer concessões, como o uso de bases militares no Nordeste, em troca de apoio financeiro e tecnológico dos americanos. A CSN, localizada em Volta Redonda, RJ, foi essencial para a industrialização do país, produzindo aço para atender tanto às demandas internas quanto às necessidades dos aliados na Segunda Guerra Mundial. A CSN foi em parte construída com componentes de usinas siderúrgicas americanas desativadas, servindo para acelerar seu processo de implantação.
Já a Refinaria de Duque de Caxias (Reduc) foi parte do esforço de Vargas para consolidar a infraestrutura energética do Brasil. Embora a Reduc só tenha sido inaugurada em 1961, sua concepção e planejamento começaram durante o governo Vargas, como parte de sua visão de independência econômica e energética.
Infelizmente, o último mandato de Vargas foi marcado por crises políticas e econômicas, culminando em seu suicídio em 24 de agosto de 1954, um evento que deixou um impacto profundo na história do Brasil.
Este resumo foca dois pontos muito importantes da administração Vargas, que foram a construção da CSN, que trouxe o aço para a indústria automobilística brasileira, e da Reduc que trouxe o combustível. Com isso o presidente Getúlio foi o precursor das bases da indústria automobilística brasileira.
Lúcio Martins Meira (1907–1991) foi um militar, engenheiro e político brasileiro, nascido em Petrópolis, RJ. Ele teve uma carreira notável na Marinha do Brasil e também se destacou como administrador público. Após ingressar na Escola Naval em 1923, formou-se em engenharia civil em 1942. Durante sua trajetória, ocupou cargos importantes, como interventor federal no Estado do Rio de Janeiro e Ministro da Viação e Obras Públicas.
Sua contribuição mais marcante foi na implantação da indústria automobilística no Brasil. Em 1951, durante o governo de Getúlio Vargas, Lúcio Meira foi designado representante da Marinha na Comissão de Desenvolvimento Industrial (CDI). Ele liderou a subcomissão responsável por transformar a Fábrica Nacional de Motores (FNM) em fabricante de autoveículos e criar as bases para a sua produção nacional. Sua visão estratégica ajudou a estabelecer uma indústria automobilística robusta, priorizando a fabricação de caminhões e incentivando investimentos em infraestrutura e tecnologia. Paralelamente, foram implantados vários fabricantes de automóveis.

Friedrich Wilhelm Schultz-Wenk (1914-1969), arquiteto alemão nascido em Hamburgo, desempenhou um papel essencial na história da Volkswagen no Brasil. Ao decidir entre aqui e a Argentina onde estabelecer a fábrica na América do Sul, a Volkswagenwerk GmbH escolheu o Brasil. Nesse contexto, o então presidente Juscelino Kubitschek, empossado em 31 de janeiro de 1956 com seu projeto de industrialização acelerada — o famoso lema “50 anos em 5” — tornou-se um importante aliado e amigo próximo de Schultz-Wenk.
Ambicioso, Schultz-Wenk estabeleceu de início uma meta de produzir 150 veículos por dia. Durante os 16 anos em que esteve à frente da empresa, ele testemunhou o nascimento da produção automobilística no Brasil. Em 1953, a Volkswagen do Brasil se estabeleceu num galpão alugado na Rua do Manifesto, no bairro do Ipiranga, em São Paulo, onde a Volkswagen do Brasil montou seu primeiro veículo com peças importadas da Alemanha. Sob sua liderança, a produção avançou significativamente, alcançando a marca de 800 carros por dia na Fábrica Anchieta em 1969, com um total de 850 mil veículos fabricados.
Seguindo as diretrizes da matriz alemã, Schultz-Wenk priorizou a produção do Kombi antes do Fusca (que inicialmente deveria continuar a ser montado). Em janeiro de 1959, foram lançados os primeiros Fuscas brasileiros, com 54% de peças nacionalizadas. Apenas quatro dias após seu lançamento, o empresário paulista Eduardo Andrea Matarazzo adquiriu o primeiro Fusca produzido no país.
Schultz-Wenk faleceu prematuramente aos 55 anos, em 1969, vítima de câncer. Durante seu comando, a Volkswagen deixou de ser uma simples montadora de veículos importados para se consolidar como a maior fabricante de veículos automotores da América Latina, desempenhando um papel central na industrialização brasileira.

Olavo Egydio de Souza Aranha Júnior (1887–1972) foi um engenheiro, arquiteto, empresário e banqueiro brasileiro, com uma trajetória marcante no desenvolvimento industrial do Brasil. Ele nasceu em São Paulo e formou-se engenheiro pela Escola Politécnica de São Paulo em 1910. Ao longo de sua carreira, destacou-se como um empreendedor visionário.
Junto com Alberto Monteiro de Carvalho, fundou a Monteiro Aranha Engenharia, uma empresa que desempenhou um papel importante na construção civil e na pavimentação no Brasil. No entanto, um de seus maiores legados foi sua contribuição para a instalação da Volkswagen no Brasil. Em 1950, ele foi fundamental para trazer a fabricante ao país, estabelecendo as bases para o que se tornaria a maior fábrica de veículos automotores da América Latina em apenas cinco anos.
Mas além do descrito acima há um outro aspecto que eu desvendei com a matéria “Brasmotor e Volkswagen, o elo perdido” publicada em novembro de 2015 que liga Olavo Egydio de Souza Aranha Júnior diretamente à Alemanha Nacional-Socialista. Nesta matéria é indicado ter sido este o motivo de a Brasmotor, que tanto fez pela implantação da Volkswagen no Brasil, ser preterida em relação ao Grupo Monteiro Aranha, que entrou com 20% do capital da recém fundada Volkswagen do Brasil.
Agradeço ao amigo Marcelo Bahia, de Fortaleza, CE, que me indicou a página “MAB – Memória Automotiva Brasileira” do Facebook, na qual em 6 de março de 2025 Eustáquio Geraldo Nardini publicou as históricas fotos que deram origem a esta matéria.
AG
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